Resenha – Totalitarismo: 3º parte de Origens do Totalitarismo

Nesta terceira resenha, tratar-se-à da última parte do estudo das origens do totalitarismo, guiado por Hannah Arendt. Os temas acerca da sociedade sem classes, o movimento totalitário, totalitarismo no poder e ideologia e terror serão abordados como finalização desta obra marcante da história mundial. 

Inicialmente, algumas afirmações para compreensão do contexto, muitos acreditam que o fim da guerra em 1945 trouxe o fim do governo totalitário na Rússia, porém, a morte de Stálin foi o fato que mudou o cotidiano do povo russo. Além disso, diversos outros países também continuaram com seus governos opressores, mesmo após a queda de Hitler e o fim da segunda guerra. Ressalta-se que tanto Stálin como Hitler, morreram sem terminarem o horror que haviam planejado. 

Massas

A primeira guerra foi o estopim para a onda antidemocrática e pró-ditatorial, como exemplo, movimentos ganharam força na Itália, Romênia, Polônia, Lituânia, Letônia, Hungria e Portugal. Entretanto, nestes países o totalitarismo era um objetivo ambicioso, então, optaram por uma ditadura de classe ou de partido. Os lugares mencionados não conseguiram implementar um efetivo totalitarismo pelo motivo de não terem uma massa ao seu dispor,  elemento este tão importante que foi só durante a guerra, depois das conquistas do Leste, que a Alemanha pôde estabelecer um regime verdadeiramente totalitário.

Essas massas eram compostas por pessoas aparentemente indiferentes, que todos os outros partidos haviam abandonado, ou seja, que nunca haviam participado da política. Na ascensão do movimento nazista da Alemanha e dos movimentos comunistas da Europa depois de 1930, houve um recrutamento grande de membros como o descrito. Fato este que escancarou ilusões de um sistema democrático: A ilusão de que o povo, em sua maioria, participava ativamente do governo, que todo indivíduo simpatizava com um partido ou outro, que aqueles que eram politicamente indiferentes não importavam, que eram realmente pessoas neutras. Diz Arendt que a principal característica do homem da massa não é a brutalidade nem a rudeza, mas o seu isolamento e a sua falta de relações sociais normais.

Os movimentos totalitários conheceram em detalhes a democracia ao longo da história e conseguiram  utilizar e abusar das liberdades com o objetivo de suprimi-las. Por fim, aproveitaram para alcançar o poder quando o momento se mostrou favorável, com as instituições democráticas questionadas e desacreditadas, com o colapso do sistema partidário, com as classes suprimidas por uma massa que aniquilou as reivindicações e ambições individuais e o apoio dos intelectuais às ideias coletivistas, mórbidas e niilistas que circulavam na Europa. 

Esse momento era marcado pelos pensamentos de Nietzsche e Sorel a Pareto, de Rimbaud e T. E. Lawrence a Jünger, Brecht e Malraux, de Bakúnin e Nechayev a Alexander Blok e pelo fato das pessoas estarem tão esgotadas e desacreditadas, que as tradições e valores haviam se tornado banais a ponto de estarem dispostas a defender o absurdo.

Quando chegam ao poder, é característico destes movimentos a imposição da igualdade de condições aos governados, não apenas como ocorre em  despotismos e tiranias, mas se agrava na medida que há uma necessidade de acabar com tudo que tenha existência autônoma. Em suma, os movimentos totalitários são organizações maciças de indivíduos atomizados e isolados e o que difere eles dos outros movimentos são a exigência, que é feita pelos líderes, de lealdade total, irrestrita, incondicional e inalterável de cada membro individual.

A propaganda totalitária

Enquanto o terror seria a essência de um governo totalitário, a propaganda seria o instrumento mais importante da “guerra psicológica”. O público alvo dessas propagandas eram as camadas não totalitárias da população do próprio país e os países não totalitários do exterior, sempre com base em discursos mentirosos ou que ocultavam a verdade de alguma forma. 

A propaganda nazista, como exemplo, se utilizou da ideia de igualdade natural de todos os alemães e na imensa diferença que os distinguia de todos os outros povos, do que pregava os “Protocolos dos sábios do Sião” e com elementos de  linguagem que demonstraram um cientificismo profético. Constantemente atacavam o status quo e se colocavam como uma via radical, o que era coerente com o pensamento caótico da época. 

Essas propagandas eram tão impactantes e parte da rotina dos governos totalitários que equipararam-se com as regras da aritmética, algo real e intocável. De modo que só começaram a ser questionadas de fato quando os movimentos totalitários iniciaram sua ruína e o mundo fictício que criaram foi revelado.

A organização totalitária

As propagandas dividiram as pessoas aos olhos do governo em duas categorias: simpatizantes e membros. Os simpatizantes eram a maioria que detinha o conhecimento teórico mas não atuava ou se arriscava diretamente e os membros seriam uma minoria que estaria disposta a lutar por suas convicções. Por este motivo sempre havia um número grande de simpatizantes, mas os membros do Partido mantinham-se limitados. 

A vantagem dos simpatizantes era o fato de não serem fanáticos, isso refletia uma imagem mais normal do movimento e até de respeito frente ao mundo exterior. Porém, todos ao final do dia estavam sob o poder do totalitarismo, que aplicava uma violência tão organizada que fazia com o que até um membro ficasse com mais receio em abandonar o movimento do que as consequências de ser um cúmplice de atos ilegais,  por exemplo.

A organização violenta totalitária era composta por tropas, setores de inteligência e diversos subgrupos como: a SA,  tropas de assalto (fundada em 1922), três anos depois a fundação da SS – a formação de elite da SA-, as Tropas de Choque, depois as unidades da Caveira, criadas para guardarem os campos de concentração e mais tarde reunidas para formar a SS-Armada , e por fim,  o Serviço de Segurança (que era o “serviço de espionagem ideológica do Partido”). As tropas de assalto nunca eram enviadas a serviço para as suas comunidades de origem e os oficiais da SS eram frequentemente substituídos de modo a não criar raízes em nenhuma parte do mundo.

Fora o caráter militar do Totalitarismo, havia também um caráter paramilitar, conjunto de profissionais, como advogados, médicos, estudantes, professores universitários e  trabalhadores. Deste modo, a impressão era de que todos da sociedade estavam representados em seus escalões, tanto que havia até a criação de falsos departamentos (o de relações exteriores, o de educação, de cultura, de esportes, etc) com este objetivo.

O Líder

“A suprema tarefa do Líder é personificar a dupla função que caracteriza cada camada do movimento — agir como a defesa mágica do movimento contra o mundo exterior e, ao mesmo tempo, ser a ponte direta através da qual o movimento se liga a esse mundo. O Líder representa o movimento de um modo totalmente diferente de todos os líderes de partidos comuns, já que proclama a sua responsabilidade pessoal por todos os atos, proezas e crimes cometidos por qualquer membro ou funcionário em sua qualidade oficial. Essa responsabilidade total é o aspecto organizacional mais importante do chamado princípio de liderança, segundo o qual cada funcionário não é apenas designado pelo Líder, mas é a sua própria encarnação viva, e toda ordem emana supostamente dessa única fonte onipresente. Essa completa identificação do Líder com todo sublíder nomeado por ele e esse monopólio de responsabilidade centralizado por tudo o que foi, está sendo ou virá a ser feito são também os sinais mais visíveis da grande diferença entre o líder totalitário e o ditador ou déspota comum.

Tanto Hitler como Stálin eram super detalhistas , quando estavam começando na carreira, se dedicavam muito nas relações pessoais, de modo que, alguns anos depois, quase todo homem importante no partido devia a eles a sua posição. E a base da estrutura não estava na veracidade das palavras do Líder, mas na infalibilidade dos seus atos, sendo as atitudes deles  muitas vezes seguindo a das sociedades secretas, o respeito a rituais por exemplo (marchas na praça Vermelha em Moscou e as formalidades do nazismo do tempo de Nuremberg). 

Mesmo com essa semelhança, nas organizações totalitárias, nunca houve um segredo quanto ao seu objetivo. Os nazistas não escondiam que queriam conquistar o mundo, deportar todos os que fossem “racialmente estrangeiros” e exterminar todos os que tivessem “herança biológica inferior”, e os bolchevistas não escondiam que lutavam pela revolução mundial. O nazismo e o bolchevismo chegaram ao mesmo resultado organizacional a partir de origens históricas muito diferentes,  os primeiros começaram com a ficção de uma conspiração  e imitaram, mais ou menos conscientemente, o modelo da sociedade secreta dos sábios do Sião, enquanto os segundos vieram de um partido revolucionário com objetivo da ditadura de um um único partido, em seguida Stálin impôs a essa estrutura partidária as rígidas normas totalitárias do seu setor conspirativo, somente então descobriu a necessidade de uma ficção central para manter na organização de massa a disciplina de uma organização secreta.

O Totalitarismo no Poder

Os movimentos totalitários tinham que manter um equilíbrio de modo a não evoluir na direção do absolutismo, que acabaria com o ímpeto interno do movimento, e a evolução na direção do nacionalismo, que frustraria a expansão externa sem a qual o movimento não poderia sobreviver. 

Então, para fugir desses dois perigos, os movimentos totalitários tiveram uma abordagem que a autora até relaciona com um slogan de Trótski “revolução permanente”. Na União Soviética as revoluções, sob forma de expurgos gerais, viraram instituições permanentes e na Alemanha nazista eles caminharam para a mesma direção, porém, não tiveram tempo para implementar exatamente.

Sobre a questão constitucional, nos primeiros anos de poder, os nazistas desencadearam uma avalanche de leis e decretos, mas não aboliram oficialmente a Constituição de Weimar; chegaram até a deixar meio intactos os serviços públicos, entretanto, após a promulgação das Leis de Nurembergue, ficou evidente que não respeitavam as próprias leis. Na União Soviética, promulgaram em 1936 uma constituição que seria, o que a autora cita: “um véu de frases e preceitos liberais encobrindo a guilhotina escondida no fundo”,  isso foi aclamado na Rússia e no exterior como o fim do período revolucionário. 

Perceptível então que existe uma Constituição de fachada que é completamente ignorada e há uma relação de poder entre o Estado e o Partido, uma seria a autoridade aparente e a outra a real, de modo que muitos descreviam a máquina governamental do regime totalitário como fachada importante, a esconder e disfarçar o verdadeiro poder do partido, ademais, havia a transferência contínua do poder.

“A única regra segura num Estado totalitário é que, quanto mais visível é uma agência governamental, menos poder detém; e, quanto menos se sabe da existência de uma instituição, mais poderosa ela é. De acordo com essa regra, os sovietes, reconhecidos por uma constituição escrita como a mais alta autoridade do Estado, têm menos poder que o partido bolchevista; o partido bolchevista, que recruta abertamente os seus membros e é reconhecido como classe governante, tem menos poder que a polícia secreta.”

Como exemplo, na Alemanha nazista houve a duplicação de órgãos publicos, na Rússia, havia multiplicação na própria polícia secreta, que possuía uma rede extremamente complicada e bem ramificada de agentes, na qual um departamento está sempre ocupado em supervisionar e espionar o outro.

Polícia Secreta

Caracterizam os regimes totalitários a importância da polícia como único órgão do poder e o desprezo em relação ao poder do Exército, já que este era visto como pouco confiável, por isso esses agentes secretos do movimento tinham mais influência, confiança e atuação. Antes de subir ao poder, o movimento totalitário dispõe de polícia secreta e de serviço de espionagem com ramificações em vários países, e depois de subir ao poder, os agentes recebem mais dinheiro e autoridade que o serviço de espionagem militar convencional, e tornam-se muitas vezes chefes secretos de embaixadas e de consulados no exterior.

E, as vítimas da agressão dessa polícia secreta, tratadas como rebeldes, já que o governante totalitário conduz a polícia no pressuposto de que haverá um governo mundial e os territórios serão dominados e ocupados por meio da polícia.  Nos primeiros estágios do regime totalitário, a polícia secreta e as formações de elite do partido desempenham um papel de excessiva crueldade dos seus métodos: eliminação de inimigos e caçar oponentes, chegando ao fim com a liquidação da resistência aberta e secreta sob qualquer forma organizada; isso ocorreu por volta de 1935 na Alemanha e aproximadamente 1930 na União Soviética.

Fora a polícia secreta, havia colaboração da própria população na denúncia de oponentes políticos, e esse esquema de denúncia era organizado de modo a criar um sistema onde todos poderiam ser agentes policiais e onde cada indivíduo se sentia sob constante vigilância. 

Domínio Total 

O domínio total classifica toda a humanidade como se fosse apenas um indivíduo e isso só é possível quando toda e qualquer pessoa seja reduzida à mesma identidade de reações, os movimento totalitários seguiram esse objetivo através da doutrinação ideológica das formações de elite e do terror absoluto nos campos.

E os campos de concentração não eram utilizados apenas para exterminar pessoas e degradar seres humanos, mas também serviam para essa experiência de eliminar toda espontaneidade como expressão da conduta humana, transformando a personalidade humana numa simples coisa, em algo que nem mesmo os animais são.

Dentro dos próprios campos de concentração havia subdivisões que tratavam o destino daqueles que ali estavam, e citando Arendt “O verdadeiro horror dos campos de concentração e de extermínio reside no fato de que os internos, mesmo que consigam manter-se vivos, estão mais isolados do mundo dos vivos do que se tivessem morrido, porque o horror compele ao esquecimento.”

Ideologia e Terror

Diferenciou-se ao longo da obra o totalitarismo de outras formas de opressão política, como a ditadura ou a tirania, já que o totalitarismo cria instituições políticas inteiramente novas e destrói todas as tradições sociais, legais e políticas do país. O governo totalitário sempre transforma as classes em massas, transfere o centro do poder do Exército para a Polícia Secreta e estabelece uma política exterior que visa abertamente o domínio mundial.

O terror só pode reinar absolutamente sobre homens que se isolam uns contra os outros, por este motivo uma das preocupações fundamentais de todo governo tirânico é provocar esse isolamento, é certamente o seu solo mais fértil e sempre decorre dele. E o terror só se torna total quando está independente de toda oposição; totalmente supremo quando ninguém mais lhe barra o caminho. 


Stephanie Teixeira

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