Agro é fome?

Com o advento das eleições, os nervos chegaram à flor da pele nos eleitores mais bitolados, e certas palavras de ordem tem se tornado lemas de campanha para ambos os extremos políticos.

Talvez você já tenha visto nas redes sociais ou escutado que “Agro é fome”, “O agronegócio não produz comida. Produz commodities”, como disse Kelli Maffort, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ou até “é incontestável a redução de área na produção de alimentos para o mercado interno” como disse Sílvio Isoppo Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), que é também diretor de Sistemas Alimentares e Agroecologia do Instituto Fome Zero.

Pois bem, dentre os milhares de setores do agronegócio que podem ser citados como exemplo, para desmistificar as falácias anteriormente expostas, será usado apenas a agropecuária. É de suma importância ressaltar que a produção agropecuária não para no produto final, mas abarca toda uma cadeia de produção “pré, dentro e pós porteira”, e toda essa geração de empregos, que fazem a roda da economia brasileira girar, é de responsabilidade da produção de, por exemplo carne, como mostra os dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) abaixo:

Você já reparou que a carne vem embalada em uma bandeja de isopor envolvida por um plástico filme? E esses dois produtos vem do beneficiamento do petróleo, como o diesel do caminhão que transporta o gado da fazenda para o frigorífico, depois para o mercado, agora, imagine os milhares de trabalhadores das milhares de fábricas para gerar as embalagens. Apenas como um exemplo, o setor de carne moveu mais de 747 bilhões de reais em 2021, tudo isto abrangendo toda cadeia produtiva até a carne chegar à sua mesa, gerando emprego e renda para milhões de famílias em todo Brasil, o que possibilita as pessoas terem poder de compra, melhorando a qualidade de vida, logo também a qualidade e quantidade de alimento que as famílias consomem.

Percebendo então que a agroindústria é gigantesca, representando 10% do PIB nacional, gerando milhões de empregos em toda sua cadeia de produção, ainda assim há quem diga que, por exemplo: os pecuaristas não visam o mercado interno, apenas focando no lucro e deixando ao léu o povo brasileiro. O que, segundo os dados da ABIEC, se revela o oposto, pois do total de carne produzida, 73,93% ou 7,63 milhões TEC (tonelada equivalente carcaça) tiveram como destino o mercado interno, enquanto 26,07% foram destinados às exportações.

Então, quando a senhora Kelli Maffort do MST, afirma que o agronegócio “não produz comida”, está cometendo uma falácia, pois além da geração de milhares de empregos a milhares de brasileiros, as commodities tão criticadas, são usadas para justamente alimentar o gado, e neste caso, tanto o destinado ao corte quanto ao leite. É justamente o gado leiteiro, que é em sua maioria originário de agricultura familiar ou de pequeno porte; “O Brasil tem, hoje, cerca 1,2 milhão de propriedades que se dedicam à atividade leiteira. Do total, 955 mil são classificadas como de agricultura familiar, com áreas entre 5 hectares e 100 hectares. Eles respondem por quase 89% de toda a produção leiteira procedente de unidades de agricultores familiares”, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no Boletim da Agricultura Familiar.

Depois de todas estas desmistificações, talvez ainda digam que a pecuária ocupa milhões de hectares que aumentam ano após ano, ou como disse o professor Sílvio Porto, que há “redução de área na produção de alimentos para o mercado interno”, ou que as terras destinadas à produção de grãos poderiam ser substituídas e usadas para “plantar produtos orgânicos de qualidade”, abastecendo o mercado interno e etc. Bem, desde 2008, a produtividade por hectare no Brasil vem subindo, em detrimento na extrema queda nas aberturas de novas áreas de pastagem, isso significa que as áreas anteriormente já produtivas estão se tornando ainda mais, sem a necessidade da abertura de novas áreas para pastagem, isso sendo fruto do aumento de tecnologia, pesquisa e aprimoramento das técnicas de manejo, que aumenta a produtividade e baixa o custo para o produtor.

Fonte: Relatório 2021 Abiec.

Um ponto importantíssimo a se destacar, é que apenas 28.10% da área de terra do Brasil é destinada ao agronegócio (aqui englobamos a produção de carnes e grãos) e 41,64% ainda é de mata virgem, um número fantástico quando comparamos por exemplo com a Europa, onde apenas 3% da área total de florestas é de mata nativa, segundo a EEA (Agência Ambiental Europeia).

Fonte: Relatório 2021 Abiec.

Para finalizar, este estudo feito pela Universidade de Oxford no mostra dados de mais de 150 anos, onde as barras vermelhas mostram a mortalidade por fome, em relação ao crescimento da população mundial durante este período. Visto desta forma, a tendência é ainda mais notável. O gráfico mostra a taxa de mortes por fome em todo o mundo, expressa como o número de pessoas que morrem a cada ano por 100.000 pessoas da população mundial. O gráfico apresenta essa taxa média em cada década desde 1860. Podemos ver que a taxa de mortalidade pela fome caiu para níveis muito baixos na segunda metade do século 20 em diante, justamente o período de ascensão das tecnologias e técnicas aplicadas ao agronegócio e a alta produção.

Fonte: Mortalidade da fome a longo prazo. Our World in Data; Oxford University.

Portanto, podemos ver a gigantesca importância da pesquisa de dados concretos para estabelecermos posições acerca de quaisquer temas, principalmente no contexto atual em que nos encontramos, em que todo dia vemos novos casos de violência cometidos entre apoiadores de políticos distintos e muitos dados inventados ou expostos sem contexto pela internet a fim de contribuir com a narrativa deturpada de quem quer elevar a imagem de seu “político de estimação”, de seu movimento favorito ou de ideologias torpes.


Nicola Aguilla

Fontes

Relatório 2021 da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec): https://www.abiec.com.br/publicacoes/beef-report-2021/

BBC News: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50162105#:~:text=No%20entanto%2C%20florestas%20ocupam%20hoje,mata%20nativa%2C%20segundo%20a%20EEA.

Produção de leite, uma atividade com as digitais da agricultura familiar: https://www.milkpoint.com.br/artigos/producao-de-leite/producao-de-leite-uma-atividade-com-as-digitais-da-agricultura-familiar-228301/#:~:text=O%20Brasil%20possui%2C%20aproximadamente%2C%201,classificados%20como%20de%20Agricultura%20Familiar

Boletim Agricultura Familiar da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento): https://www.conab.gov.br/agricultura-familiar/boletim-agricultura-familiar/item/download/43269_be41c99afa4ea30c507b4f9e017d0e85

Mortalidade da fome a longo prazo, Our World in Data; Oxford University:

https://ourworldindata.org/famine-mortality-over-the-long-run

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