Demônio Paternalista

E quando as carnes estiverem magras, 

E só restar por último pele e ossos,

Eu sei que irá procurar nossas palavras, 

E os velhos rituais nossos,

Com nossas velhas magias ladras,  

Roubando entre fundos de poços.

Nós que somos a última maravilha ,

Mestranda na arte de dominar.

De corpos fazemos as vezes pilha, 

Pra o seu ânimo limar.

Somos continente e as vezes ilha,

Brincamos de eliminar.

Mas quando você for sofrer,

Por favor venha e me chame, 

Quando estiver perto de morrer, 

A mim declame e se derrame,

Fazendo seu amor por mim crescer, 

Em hinos que irei cantar e reter.

Vamos, sangre na minha presença,

Que na última hora vou lhe socorrer.

Vá na agonia mais intensa,

Que eu mesmo pude lhe prover. 

E depois peça licença,

Pra educadamente agradecer. 

Sofra num ritual de anos, 

E leve trocados da previdência social,

Só foi possível nestes termos e planos,

Graças a baixa produtividade geral.

Porque guiando rituais insanos,

Não te dei o mais essencial.

Porque te quero sempre por perto, 

Sendo meu mais fiel concubino,

Pensando que tudo fora de mim é incerto,

E que lucrar é um ato sovino.

Nunca estando a nada aberto,

E a fechar-se mais te inclino.

Sou o coração do teu nacionalismo,

Isso se ainda o tiver .

Sou tão popular quanto Getulismo,

Estou até em quem não quer.

Sou sempre um novo acordo cataclismo,

Com o New Deal que puder.

Tentando resolver o que causei,

Causando nova coisa que já sei, 

Que há de ser tão pior quanto.

Vistam-se e se cubram no meu manto, 

Louvem tudo quanto fui e virei, 

Alcem-me num patamar de santo.

É crime rasgar minhas bandeiras.

É crime tripudiar meus símbolos.

Eu que torturo de mil maneiras,

Eu que sou meus próprios vínculos.

Eu que sou meu guia e viseiras,

E uso corpos como pisos vinílicos.

Venha parir num hospital público,

Que eu um dia pude prometer.

Largue qualquer potencial pudico,

Pois talvez seja necessário se espremer, 

Nesta fila de tamanho rústico,

Que eu sempre deixo crescer. 

E se você conseguir resistir,

Ao ponto de não morrer,

A loucura em ti vai vestir,

E uma sequela vai nascer.

Com pouco lhe indenizarei

Lhe fazendo esquecer o que causei

Venha para mim sempre adestrado, 

E disposto a me defender. 

Eu que te largo adoentado,

E só ensino o significado de se render. 

Eu que apeteceria de ti prostrado,

Sem jamais poder ascender 

Venha diante de mim sempre pedinte.

Eu que não sendo pai criarei a redoma, 

Treinando-te á aceitar com requinte,

Tudo que lhe poda e lhe doma.

Noticiando como justiça no dia seguinte,

Mastigando a propaganda que lhe coma.

Venha, diante de mim ajoelhado.

Eu que tomo tua mente e teu corpo,

Te mantendo civil e castrado,

Enquanto te arrasto andando torto,

Eu que refleto teu estado,

Estado-nação que te quer morto.


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