William Wilberforce: Abolicionista, Reformista e Evangélico

William Wilberforce: Abolicionista, Reformista e Evangélico

“O Deus Todo-Poderoso colocou diante de mim dois grandes objetivos… a supressão do comércio de escravos e a reforma dos costumes.”

Em 24 de fevereiro de 1807, a Câmara dos Comuns votou, por 283 votos a 16, a favor do fim do comércio de escravos em todos os territórios britânicos. O resultado foi um testemunho da tenacidade, zelo e compromisso do mais proeminente membro evangélico do Parlamento no final do século XVIII, William Wilberforce (1759-1833). Foi uma longa jornada.

Wilberforce representa a fase mais madura do Renascimento Evangélico. A sua conversão em 1785 levou-o a fazer campanha não só contra a escravidão, mas também por reformas morais mais amplas na sociedade. O seu envolvimento nas principais organizações evangélicas levou, entre outras coisas, a uma batalha contra os vícios sociais e pessoais; a criação de um jornal evangélico, o Christian Observer; e a publicação de um tratado teológico amplamente popular, A Practical View.

William nasceu em 1759 em uma próspera família de mercadores e comerciantes em Hull, um porto na costa leste da Inglaterra. Seus primeiros anos foram dominados pela vida empresarial da família. Aos sete anos, William ingressou na Hull Grammar School. Em poucos meses, um novo diretor entrou em cena, Joseph Milner, cuja família se tornou uma parte importante da vida evangélica em Hull e exerceu grande influência sobre William.

O pai de William, Robert, morreu em 1768, aos 39 anos. Sua mãe, Elizabeth, incapaz de lidar com a situação, enviou-o para morar com um tio, também chamado William, em Londres, onde ele frequentou a escola. Seu tio William e sua esposa, Hannah, eram evangélicos comprometidos e até assumiram a responsabilidade, no início do verão de 1771, de conhecer John Newton em sua reitoria em Olney, o que, como veremos, era um relacionamento que fecharia o ciclo na vida adulta em uma reviravolta da providência. No entanto, esta exposição precoce à fé não foi apreciada pela sua mãe e pela família em geral, e Elizabeth retirou William dos cuidados do seu tio.

De volta a Hull, o jovem William foi atraído pelas atrações do teatro, bailes, cartas, jogos e concertos, à medida que a influência da religião gradualmente se esgotava. Em 1776, Wilberforce ingressou em Cambridge. Aqui, ainda cercado pelo vício e pela embriaguez e sem nenhum apego à piedade, conheceu e fez amizade com William Pitt, o futuro primeiro-ministro. Esta amizade foi importante e duradoura, mas não isenta de tensões. Foi nesta altura que Wilberforce decidiu tornar-se membro do Parlamento e, em 1780, com a idade extraordinariamente jovem de 21 anos, foi eleito para o Parlamento por Hull como independente.

Em 1784, Wilberforce partiu em uma viagem pela Europa na companhia de Isaac Milner (1750-1820), o irmão mais novo de Joseph Milner, o diretor de Hull, que agora iniciava uma ilustre carreira acadêmica em Cambridge. Enquanto estava fora, Milner apresentou a Wilberforce The Rise and Progress of Religion in the Soul, de Philip Doddridge. Doddridge foi um dos primeiros defensores do Renascimento Evangélico entre independentes e não-conformistas, um teólogo e um escritor de hinos. Seu tratado enfatizou o autoexame, a oração, a devoção, a diligência, a prudência, a providência divina e, de fato, a certeza da morte e do julgamento. Esses foram os temas clássicos do renascimento. Milner considerou-o um dos melhores livros já escritos e desafiou Wilberforce a estudá-lo. Wilberforce também começou a estudar o Novo Testamento Grego com Milner e, no outono de 1785, após voltar a Londres, sua conversão estava completa. Wilberforce falou de seu “senso de minha grande pecaminosidade por ter negligenciado por tanto tempo as indescritíveis misericórdias de meu Deus e Salvador”.

Wilberforce iniciou imediatamente uma campanha pela reforma da sociedade. Ele estabeleceu uma sociedade voluntária que eventualmente se tornou a Sociedade para a Supressão do Vício e fez campanha contra jogos de azar, a prostituição, a indecência e a embriaguez. No entanto, ele vacilou. Qual era o chamado de Deus para sua vida? Deveria permanecer no Parlamento? Wilberforce tornou-se membro da congregação de St Mary, Woolnoth, à sombra do Banco da Inglaterra, no coração da cidade de Londres. O reitor era John Newton, que havia deixado seu cargo em Olney. Wilberforce procurou o conselho de Newton, mas há a história de que ele estava tão nervoso e excessivamente preocupado com sua reputação pública que caminhou várias vezes pela praça onde Newton morava antes de bater à porta. Com o relacionamento finalmente restabelecido, Newton insistiu que Wilberforce permanecesse na vida pública. Em 1788, eles faziam campanha juntos contra o comércio de escravos.

Os Quakers formaram originalmente um comitê antiescravidão em 1783, mas houve muita sobreposição e colaboração com o grupo evangélico emergente em torno de Wilberforce. O Comitê para a Abolição do Comércio de Escravos foi formado em 1787, e Wilberforce concordou em assumir a causa no Parlamento.

Em janeiro de 1788, Newton, ex-capitão de um navio de comércio de escravos, tornou-se um defensor público do movimento abolicionista quando publicou seu panfleto sensacional e altamente influente “Pensamentos sobre o comércio de escravos na África”. Não há dúvida de que o remorso foi um dos motivos por trás da publicação, com Newton comentando que “eu fui uma vez um instrumento ativo em um negócio que agora faz meu coração estremecer”. Seu testemunho foi de vital importância na conversão da opinião pública à causa abolicionista. A Sociedade Abolicionista adquiriu cerca de 3.500 exemplares do panfleto, distribuindo-os aos membros de ambas as Câmaras do Parlamento.

O primeiro discurso de Wilberforce no Parlamento contra o comércio de escravos, em 12 de maio de 1789, foi uma obra-prima de eloquência, clareza e fluência, apesar de estar doente. A saúde pobre, incluindo uma fraca visão, o atormentaram durante toda a sua vida, mas ele estava determinado a apresentar evidência primárias das depredações do comércio de escravos perante o Parlamento. Ele falou por cerca de três horas e meia. Sabia que era muito pouco provável que meros apelos à moralidade cristã funcionariam. Teve que persuadir a Câmara de que a abolição do comércio não era apenas desejável, mas consistente com os interesses de uma nação e império comerciais, negociantes e marítimos. Wilberforce apelou à justiça, à liderança internacional e à ideia de comércio livre com base em verdadeiros princípios comerciais. Quanto ao comércio de escravos, argumentou: “A natureza e todas as circunstâncias deste comércio estão agora abertas para nós; não podemos mais alegar ignorância, não podemos evitá-la.” As forças pró-escravidão agiram para postergar. Na realidade, a abolição não seria rápida.

O centro geográfico da campanha de Wilberforce contra o comércio de escravos e, na verdade, de outras campanhas evangélicas no Parlamento era uma propriedade em Clapham, a cerca de cinco quilômetros do Parlamento, no centro de Londres. Aqui, o rico banqueiro evangélico Henry Thornton (1760-1815) comprou uma propriedade, Battersea Rise House, em 1792, ampliou-a e construiu outras propriedades no terreno. Vários comerciantes e políticos evangélicos proeminentes, incluindo William Wilberforce, mudaram-se para a propriedade. Enquanto morava lá, Wilberforce, em 1797, casou-se com Barbara Spooner. Nos 10 anos seguintes, eles tiveram seis filhos. Um reitor evangélico foi contratado para a igreja paroquial, e o grupo congregou, orou e fez campanha junto. Henry Thornton descreveu Wilberforce como “uma luz que não deveria ser mantida em segredo”. Clapham tornou-se uma potência evangélica, e o grupo é conhecido historicamente como a Seita de Clapham, mas na época apenas como “os santos”.

A campanha ocorreu tanto dentro como fora do Parlamento, com os evangélicos no centro da ação. Em 18 de abril de 1791, Wilberforce apresentou novamente na Câmara dos Comuns uma moção em favor da Abolição do Comércio de Escravos. Desta vez ele falou durante quatro horas – os discursos parlamentares naquela época eram maratonas de conteúdo e estilo. Ao encerrar seu discurso, Wilberforce declarou:

Nunca, nunca desistiremos até que tenhamos apagado este escândalo da história Cristã… e extinto todos os vestígios deste maldito tráfico… uma vergonha e desonra para este país.

A votação foi contra Wilberforce.

Os ativistas tiveram que ser pacientes e tenazes. Wilberforce apresentou projetos de abolição ao Parlamento ano após ano, entre 1794 e 1799, apenas para vê-los rejeitados. Os Lordes permaneceram contra, e agora Pitt e sua administração tornaram-se um pouco menos simpáticos. Wilberforce não apresentou projetos de lei de abolição entre 1800 e 1803, e o Comitê de Abolição até deixou de se reunir. Mas os santos não desistiram. Em maio de 1804, o Comitê de Abolição reuniu-se pela primeira vez desde 1797, com Wilberforce e seu companheiro de campanha Granville Sharp reunindo-se com outros oito evangélicos e Quakers.

Os abolicionistas agora ressurgiram e partiram para a matança. A maré estava virando. A hesitante administração Tory de Pitt deu lugar a um governo Whig sob George Grenville. Devemos notar que a filiação partidária era muito mais frouxa do que é hoje. Wilberforce e companhoa anunciaram sua intenção de propor novamente um projeto de lei de abolição. Os panfletos voltaram a fluir das canetas, e os abolicionistas evangélicos agora anunciavam cada vez mais alto a ideia do julgamento divino sobre a nação. Granville Sharp referiu-se aos furacões nas plantações do Caribe como julgamentos de Deus. Outro, James Stephen, referiu-se à ameaça da França como um sinal da ira divina contra a nação pelo envolvimento no comércio de escravos. A própria punição da França foi a revolução.

O próprio primeiro-ministro Grenville propôs a abolição na Câmara dos Lordes. O governo estava agora totalmente ao lado. Na Câmara dos Comuns, Wilberforce foi aplaudido de pé. A votação foi aprovada em 23 de Fevereiro de 1807, embora demorasse mais alguns meses até que fosse formalmente implementada.

Wilberforce foi um homem usado por Deus, embora em determinado momento de sua vida tenha se afastado da “religião vital”. No entanto, Deus, na sua providência, colocou-o em contato com pessoas e famílias que exerceriam influência evangélica, incluindo os Thornton e, claro, John Newton. William Wilberforce passou a abraçar os princípios centrais da fé e derramou essas convicções no seu tratado best-seller, publicado em 1797, A Practical View. Fez campanha no Parlamento pela reforma moral e, claro, contra os males do comércio de escravos. Com os escritos teológicos de Wilberforce (embora ele não fosse um teólogo treinado) e de outros, e a fundação em 1802 do jornal Christian Observer, o protestantismo estava ao mesmo tempo amadurecendo e mudando a sociedade.

Ao longo de 2023, analisamos várias das principais personalidades do renascimento evangélico da Inglaterra, desde nomes conhecidos como John e Charles Wesley e George Whitefield, até pioneiros como William Grimshaw e estrategistas e ativistas que vão desde a Condessa de Huntingdon para John Newton e Hannah More. O que une esses indivíduos díspares? Talvez três coisas. Primeiro, a paixão por uma fé verdadeira e viva que transforma o coração. Em segundo lugar, uma visão holística do amor de Deus pelo mundo que não via contradição entre a fé pessoal e uma sociedade transformada. Em terceiro lugar, uma tenacidade que levou estes indivíduos a nunca desistir, a nunca desistir por Cristo. Agradecemos a Deus pelo grande Renascimento Evangélico, pelo despertar, e oramos para que Deus possa agir novamente.


Artigo Original: William Wilberforce: Abolitionist, Reformer, Evangelical

Escrito por: Richard Turnbull

Traduzido por: Lídia Araújo

Revisado por: Gabriel Ari

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