Resenha – Imperialismo: A 2ª Parte de Origens do Totalitarismo

Nesta resenha de Origens do Totalitarismo, tratar-se-á do Imperialismo descrito na segunda parte da obra, em que os pontos principais giram em torno da emancipação política da burguesia, o pensamento racial antes do racismo, raça e burocracia, os movimentos de unificação, o declínio do Estado-nação e o fim dos direitos do homem. 

Os apoiadores da política expansionista imperialista

A partir de 1884, o imperialismo iniciou sua política de expansão – a autora orienta que a palavra “expansão” foi substituída ao longo do tempo, e pós segunda guerra, para “extensão” ou “união” – e essa política era vista como a solução de todos os problemas,  apoiada por detentores do capital, bem como por camadas do partido socialista, lembrando que as década de 1860 e 1880 foram marcadas por depressões e instituições fragilizadas. 

Havia um mercado doméstico saturado, falta de matérias-primas e crises crescentes, o que levou a exportação do capital. A burguesia queria expandir suas atividades econômicas, então começou a apoiar políticas expansionistas, mesmo que a princípio (pré-imperialismo), seus integrantes acreditassem em ideias mais liberais e demonstrassem hostilidade ao público. Neste ponto, Hannah Arendt faz uma análise do pensamento que reinava: “Somente o acúmulo ilimitado de poder podia levar ao acúmulo ilimitado de capital”, e vincula-se com o que Hobbes expôs “o interesse privado e o interesse público são a mesma coisa”, a autora ainda reitera, em diversas passagens, que Hobbes mostra as facetas do homem  burguês nesta época. 

Ademais, os programas imperialistas influenciaram algumas fileiras do partido socialista, o que, como consequência, gerou a aliança entre a ralé e o capital, chocando diretamente com a doutrina da luta de classes. A ralé niilista e a burguesia de Hobbes apoiando o imperialismo como a cura das instituições frágeis e a divisão da sociedade. 

O pensamento racial

Ressalta-se que o Estado-nação não ornava com esse pensamento difundido, devido a um caráter mais nacionalista, além de suas leis não se aplicarem tão bem aos povos conquistados, ou seja, a estrutura política era transplantada e não expandida as colônias.

A partir do tópico acerca do imperialismo, a autora analisa as questões relacionadas ao racismo e o pensamento racial antes do racismo. A expansão imperialista trouxe um convívio de povos diferentes e começou-se a discutir sobre a ideia de raças, o que culminou na hierarquização das mesmas com base nas teorias científicas da época, chegando assim ao racismo. 

Percebe-se que existia, portanto, teorias raciais sendo discutidas bem antes de Hitler chegar ao poder e estabelecer isso fortemente como ideologia. Importante então frisar que nem toda ideia torna-se ideologia, que depois é lapidada para tornar-se arma política. Sobre as teorias raciais, alguns cientistas dessa época não estavam em busca da verdade ou realizavam pesquisas sérias, basicamente utilizavam como alicerce um pensamento vinculante e atrativo, embasando e devolvendo as massas, “ciência para a massa”.

Hannah Arendt cita alguns conceitos e teorias científicas e filosóficas que atuavam influenciando a população:  niilismo, romantismo, “super homem”, personalidade nata relacionando com o embate entre nobreza e burguesia em ascensão, hereditariedade, darwinismo social, entre outros que são explicados na obra com mais profundamente. 

O imperialismo continental dos Movimentos de Unificação. Nacionalismo Tribal?

Em retrospectiva, enquanto os demais países buscavam uma dominação e colonização pelo mar, como mencionado, um imperialismo ultramarino, o pangermanismo e o paneslavismo buscavam uma expansão do poder por terra, um imperialismo continental, e pregavam ideias como “Estados Continentais”, que foram incorporadas até certo ponto pelos Nazistas e Soviéticos. “O nazismo e o bolchevismo devem mais ao pangermanismo e ao paneslavismo (respectivamente) do que a qualquer outra ideologia ou movimento político” inicia Arendt acerca dos movimentos de unificação.

A força motora desse imperialismo continental é o nacionalismo tribal, em que a necessidade de buscar uma identidade nacional era tão intensa que fazia com que os nativos vissem os naturalizados e demais povos como inferiores. Além disso, relacionam esse pensamento com a religião, como observa-se nos pan-eslavistas que acreditavam que os russos eram o “único povo divino dos tempos modernos” e os pan-germanistas austríacos que acreditavam, comparando com a  fala de Hitler na segunda guerra, que “Deus todo poderoso construiu nossa nação. Ao defendermos sua existência, estamos defendendo o Seu trabalho”. Foi a natureza do tribalismo que virou a chave do antissemitismo como centro de uma ideologia que perpetuou naquela população.

A ilegalidade e a queda do sistema partidário

Uma característica marcante nos movimentos de unificação foi o desprezo pela lei, uma herança da ilegalidade, valendo-se de decretos – mais vantajosos quando se tem um domínio por vastos territórios com populações diversas e principalmente numa política de opressão, já que ignora os estágios intermediários até a aplicação. Desse modo, não há mais diferença entre os fins e os meios, e o indivíduo é colocado como segundo plano frente o geral e o universal, reflexo da influência de Hegel para o pan-eslavismo russo e de Marx para o bolchevismo em questão de organização das massas. 

Diversos elementos, como os mencionados, impactaram no declínio dos Estados-nação, e algo importante que declinou juntamente com eles foi o sistema partidário. A princípio, o sistema partidário pressupõe que cada partido se define como parte do todo, esses partidos teriam interesses diferentes e o Estado atuaria aplicando o interesse de todos, conciliando-os até certo ponto, porém, os partidos continentais começaram a justificar seus interesses como os interesses gerais da humanidade. Assim, encerra um período relativamente curto de um sistema partidário desacreditado por grande parte da comunidade europeia.

Declínio do Estado-Nação e dos Direitos do Homem. 

Neste momento de declínio dos Estado-nação, é perceptível o fim também dos direitos do homem. Visto que a primeira guerra gerou consequências catastróficas, com diversas crises, fome e reorganização de alguns territórios. Consequências ruins já esperadas ao encerramento de uma guerra foram ainda mais trágicas com os tratados firmados em seguida, tratados estes que juntaram vários povos em um só Estado, como os eslovacos na Tchecoslováquia ou os croatas e eslovenos na Iugoslávia, o que gerava revolta, um grande  jogo arbitrário que dava poder a uns e a servidão aos outros. 

Os refugiados eram muitos e a problemática era que essa questão, devido a complexidade, não se resolvia nem com a repatriação e muito menos com a naturalização. A repatriação falhou, já que nenhum país queria aceitar esses indivíduos; já a naturalização mostrou que as pessoas naturalizadas eram equiparadas aos estrangeiros comuns, e como o naturalizado já havia perdido a sua cidadania anterior, essas medidas simplesmente os ameaçavam a voltar ao estado de apátridas. Uma curiosidade, até bem evidente, era que dentre as minorias, judeus e armênios corriam o risco maior, e em pouco tempo exibiram a mais alta proporção de apátridas.

Os judeus tiveram papel importante tanto na história da “nação de minorias” como na formação dos povos apátridas, não apenas em virtude de suas conexões internacionais, como também porque não constituíam maioria em país algum, ou seja, eram considerados a única minoria cujos interesses só podiam ser defendidos por uma proteção garantida internacionalmente. Arendt até menciona que, depois da guerra, chegou-se a pensar que a questão judaica foi realmente resolvida, por meio de um território colonizado e depois conquistado, mas, isso meramente produziu uma nova categoria de refugiados, os árabes.

“A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados da vida, da liberdade ou da procura da felicidade, nem da igualdade perante a lei ou da liberdade de opinião — fórmulas que se destinavam a resolver problemas dentro de certas comunidades — mas do fato de já não pertencerem a qualquer comunidade. Sua situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas sim de não existirem mais leis para eles; não de serem oprimidos, mas de não haver ninguém mais que se interesse por eles, nem que seja para oprimi-los. Só no último estágio de um longo processo o seu direito à vida é ameaçado; só se permanecerem absolutamente “supérfluos”, se não se puder encontrar ninguém para “reclamá-los”, as suas vidas podem correr perigo. Os próprios nazistas começaram a sua exterminação dos judeus privando-os, primeiro, de toda condição legal (isto é, da condição de cidadãos de segunda classe) e separando-os do mundo para ajuntá-los em guetos e campos de concentração; e, antes de acionarem as câmaras de gás, haviam apalpado cuidadosamente o terreno e verificado, para sua satisfação, que nenhum país reclamava aquela gente. O importante é que se criou uma condição de completa privação de direitos antes que o direito à vida fosse ameaçado.”

Stephanie Teixeira

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