Quem foi Voltaire?

Quem foi Voltaire

Quem foi? De onde veio? Onde viveu? O que fez?

Na realidade, Voltaire nem é seu nome. Eu sei, parece estranho, mas calma que eu te explico. Seu nome real é François Marie Arouet, e a necessidade de um pseudônimo surgiu após ser severamente perseguido por enfrentar o absolutismo francês através de seus escritos; dessa forma, cunhou Voltaire, um anagrama de seu nome de nascença.

Nasceu em Paris, França, no dia 21 de novembro de 1694. Descendente de família burguesa, entre 1704 e 1711, foi aluno do Collège Louis-le Grand, em Paris, uma das mais importantes instituições de ensino da França. Iniciou o curso de direito, porém não terminou. Foi um dos homens mais influentes do século XVIII: os monarcas esclarecidos sempre lhe pediam conselhos, seus livros eram lidos em toda a Europa. Juntamente com Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau, foi um dos nomes mais significativos do Iluminismo francês.

Voltaire: o barraqueiro da vizinhança

Apesar de toda sua genialidade, Voltaire não era querido, aliás, era um tanto polêmico: em 1715, escreveu a peça Édipo. Já em 1717, fez sátiras sobre o regente parisiense, o Duque de Orleans. Por conta disso, foi preso na Bastilha pela primeira vez. Por conta disso, em 1818 passou a publicar suas obras com o pseudônimo de Voltaire. Nessa época e após a prisão, fez sucesso com a peça Édipo e tornou-se também um investidor de todo tipo de negócio, desde empréstimo a juros até financiamento de tráfico de escravos. Tornou-se burguês, mas sem os privilégios nobres. No entanto, ele não se afastou da nobreza, o que o colocou em uma briga com outro nobre, o Duque de Sully.

A briga rendeu uma surra encomendada pelo duque ao poeta burguês libertino. Voltaire não deixou barato e desafiou o duque a um duelo, que foi recusado, pois alguém em uma excelente posição na aristocracia não duelaria com qualquer um. O duque poderia mandar Voltaire para a prisão na Bastilha ou para o exílio. A segunda opção foi escolhida pelo escritor, oportunidade que providenciou seu amadurecimento intelectual.

Na Inglaterra, passou a tecer suas críticas políticas e a desenvolver seus escritos filosóficos, além de ter um contato com um modelo político muito liberal em relação ao absolutismo francês. Ficou incrédulo com a pouca diferença política entre nobres e burgueses na Inglaterra e conheceu grandes poetas e filósofos ingleses, além de estudar as teorias políticas liberais de teóricos como John Locke.

Em 1729 ele retornou à França. Mais tarde, suas correspondências trocadas com pensadores, amigos e escritores durante sua estadia na Inglaterra e defendendo e difundindo os ideais de liberdade foram publicadas sob o título de Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas. Os polêmicos escritos foram queimados em praça pública, e Voltaire foi novamente caçado pelo governo, tendo sua prisão decretada. Fugiu novamente e, em 1735, pôde retornar a Paris.

A partir daí sua vida não foi mais tão alarmada quanto antes. Ele continuou suas defesas polêmicas, mas sem ser preso. Tornou-se historiador real em 1745 e foi eleito membro da Academia Francesa no ano seguinte por sua obra. Em 1752 começou a redigir o Dicionário Filosófico e, em 1758, o seu romance mais difundido: Cândido, ou o otimismo. Em 1760, rompeu sua amizade com Jean-Jacques Rousseau. Da meia-idade para a velhice, Voltaire viveu em Ferney – hoje chamada Ferney-Voltaire em sua homenagem – administrando terras e escrevendo sempre escritos polêmicos contra o fanatismo religioso, a favor da liberdade religiosa e da liberdade de expressão.

Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo

Não, essa frase não é de Voltaire. Na realidade, ela foi cunhada por Evelyn Beatrice Hall ao escrever uma biografia do pensador publicada em 1906. Contudo, a razão dessa frase ter ficado tão conhecida é que Evelyn sintetizou brilhantemente o pensamento de Voltaire: a defesa a uma liberdade irrestrita.

Em poucas palavras, ele diz que se você acredita fortemente no direito das pessoas de falarem o que pensam, você defenderá esse direito mesmo quando elas disserem algo que você realmente acha ofensivo ou não quer ouvir. Grande parte de seus escritos atacava as tentativas da Igreja Católica de restringir a liberdade das pessoas da época. Foram desses ataques, inclusive, que surgiu a inspiração para uma de suas mais importantes obras: o Tratado Sobre a Tolerância.

A obra teve base em um caso real. Voltaire, apesar de nunca ter atuado na área de Direito, abriu uma exceção para defender um pai injustamente acusado pelo assasinato de seu filho, o qual havia cometido suicídio. Ocorre que, mesmo com a defesa brilhante de Voltaire, a Igreja Católica, protegida pelo absolutismo da época, manipulou o julgamento porque o pai – agora ocupando o espaço de réu – era protestante, portanto alvo de eliminação pela Igreja. 

Voltaire, revoltado com o abuso de poder tão frequentemente praticado pelas autoridades católicas, escreveu O Tratado Sobre a Tolerância, como uma forma de quase desenhar o que é a liberdade e porque não devemos impedi-la. Nesta obra ele defende que devemos ser tolerantes com a liberdade alheia, ainda que outros discordem de nós ou até nos ofendam; é nela também que ele apresenta a única exceção em que a intolerância não somente é permitida como necessária: devemos impedir que aqueles que impedem a liberdade – extremistas, autoritários, absolutistas – tenham espaço de fala, porque dar espaço a eles seria abrir mão da liberdade dos demais. 

O Cândido, ou o otimismo

O livro conta os infortúnios de Cândido – trocadilho para puro, inocente e ingênuo – depois da expulsão do palácio por tentar beijar sua amada Cunegundes. Com o otimismo irrenunciável de seu professor, Dr. Pangloss, uma ridicularização explícita da teodiceia de Gottfried Wilhelm Leibniz. Ridiculariza também as religiões estabelecidas, a ganância por riquezas, a aristocracia ciosa por status, as guerras imbecis – referência à guerra dos Sete Anos que estava em curso – e as tramas políticas absolutistas.

Com uma linha narrativa espelhada na Bíblia católica, Voltaire conta como desde a queda do paraíso, Cândido morre e ressuscita várias vezes. Em 30 curtos capítulos envolve-se em batalhas, viaja para o reino do Eldorado, enfrenta o terremoto de Lisboa, torna-se peão na mão dos poderosos e, por fim, reencontra sua amada escravizada no Império Otomano. Dedica-se a uma vida pacata e pragmática com o mote “temos de cultivar nosso jardim”.

De todas as obras de Voltaire, acredito que esta retrata melhor tanto sua genialidade quanto seu sarcasmo. A novela satírica de Voltaire é uma sucessão de desgraças, além de demonstrar um hábito frequente do escritor: zombar de figuras importantes à sua época. Além disso, a demonstra outro forte traço do autor: utilizar civilizações antigas, como o Império romano, o otomano, entre diversos outros citados não só nessa obra como em outros contos para retratar o que ele considerava ser exemplar para a modernidade e o que ele considerava que jamais a humanidade deveria repetir.

Por que se interessar por Voltaire?

Para além de sua importância para o Iluminismo e para a teoria liberal, Voltaire é um exemplo de alguém que usou seu espaço para confrontar aquilo que discordava veementemente. Como ele mesmo escreveu: “Todo homem é culpado do bem que não fez”, significando que ficar parado sabendo que pode fazer o bem também é um erro grave.

Outro exemplo é sua lealdade a seus princípios. Voltaire nunca negociou sua verdade em troca de uma vida mais calma; ao contrário, ele deliberadamente escolheu seguir com seus escritos e posicionamentos deveras polêmicos, mesmo sendo preso e exilado, enquanto poderia ter apenas vivido a vida de regalias que sua família havia lhe proporcionado. Ao dizer que “é melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente”, Voltaire demonstra seu completo compromisso com a verdade, a justiça e a liberdade, provando que princípios e a verdade não devem, jamais, ser negociados, e que abrir mão deles seria negligenciar a sua individualidade e a de terceiros.


Lorena Mendes

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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