Imagine viver em um mundo igualitário, onde as pessoas se respeitam e as diferenças não são enxergadas como algo ruim. Nesse lugar, todos têm oportunidades iguais de alcançar seus objetivos e desfrutar de uma sociedade justa para todos.
Justiça é uma palavra que todos conhecem, mas muitos não a vivem; exatamente por causa disso, no decorrer da história pessoas e discursos ganharam atenção de muitos e a ideia de Justiça Social se disseminou no debate público a tal ponto que dentro do guarda chuva dos significados de justiça, é a que mais tende a se aproximar da noção de igualdade.
Ao passar dos séculos, o conceito de justiça se transformou, dada as transformações que ocorreram nas sociedades e nos indivíduos, mas de maneira geral, a ideia de justiça envolve um tratamento imparcial e equitativo, garantindo que as pessoas tenham seus direitos protegidos e com acesso igual às oportunidades disponíveis na sociedade. O dicionário Aurélio diz que justiça é a virtude de dar a cada um aquilo que é seu1.
O filósofo político John Rawls diz que a justiça é a primeira das virtudes. pg 3,2000
Alguns dizem que justiça social equivale a um compromisso do Estado e das instituições em buscar mecanismos para compensar as desigualdades geradas pelo mercado e pelas diferenças sociais2.
O termo justiça social começou a ser usado da maneira como conhecemos hoje por Luigi Taparelli D’Azeglio, um filósofo jesuíta, em seu livro “Saggio teoretico di dritto naturale appoggiato sul fatto”; Antonio Rosmini (1797-1855) contribuiu para introduzir o termo e associá-lo a doutrina a doutrina da igreja.
Edward Gibbon utiliza o termo no sentido de aplicar as normas de conduta em uma sociedade justa3.
Os defensores da justiça social argumentam que a liberdade só é verdadeiramente alcançada quando todos os membros da sociedade têm acesso igualitário à educação, saúde, moradia e outros serviços básicos. Eles veem a desigualdade como uma fonte de injustiça e acreditam que o governo deve desempenhar um papel ativo na correção dessas disparidades.
John Rawls escreveu em 1971 o livro Uma Teoria de Justiça, onde ele discutiu o conceito de justiça e apresentou sua teoria sobre o que seria a justiça social.
A teoria de Rawls envolve estabelecer um status quo inicial que garanta que os acordos básicos sejam equitativos. Nessa posição, pessoas racionais, iguais e livres escolhem e justificam, sob o véu da ignorância, ou seja, sem saber qual será a posição de cada um na sociedade, os dois princípios da justiça que governarão a estrutura básica da sociedade, que visam alcançar os valores de liberdade e igualdade, eles são:
“Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.”
“Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos”. pg 64,2000
Esses princípios devem obedecer uma ordenação serial, o primeiro conceito deve vir antes do segundo e as liberdades básicas iguais protegidas pelo primeiro princípio não podem ser justificadas por maiores vantagens econômicas e sociais. Para ele, nenhuma liberdade é absoluta; mas são ajustadas a modo de formar um único sistema que deve ser o mesmo para todos. pg 65,2000
“Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima – devem ser distribuídos igualitariamente a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos”. pg 66,2000
Rawls tende a se inserir no campo do liberalismo-social ou social-democracia4. Alguns acadêmicos, como o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Amaro Fleck, enxergam ele como parte da fatia progressista do liberalismo5.
Hayek refletiu e escreveu acerca desse tema em A Miragem da Justiça Social, ele defendeu que só as ações dos indivíduos podem ser avaliadas moralmente. Nomeada também de justiça social processual diz que o justo ganhador é aquele que ganha obedecendo às regras anteriormente estabelecidas, independente do fato de esforço, capacidade, ou sorte6.
Em tese, o austriaco quer dizer que uma situação pode ser considerada boa ou má, entretanto, somente a ação humana pode ser considerada justa ou injusta, pois é ela que está debaixo das regras gerais de justiça, regras essas que estão contidas nos ordenamentos jurídicos, as famosas leis.
“A sociedade humana é um fato, um processo natural, ao contrário de uma sociedade comercial ou civil que depende de objetivos, resultante da vontade de seus membros, expresso num pacto ou convenção. Na sociedade humana, só por metáfora se fala em pacto social; nela nascemos, não a escolhemos ou organizamos.”7
Os exemplos de Friedrich Hayek e John Rawls são pequenos dentro do enorme guarda chuva chamado liberalismo. Merquior fala que há vários tipos históricos de credo liberal, e com isso se criou vários discursos com esse cunho; o conceito de liberdade tende a mudar de pessoa para pessoa8. O conceito de justiça (e justiça social) também mudou entre cada pensador.
No entanto, é possível perceber que os dois autores entendem justiça social por uma perspectiva diferente de seus defensores, pois ambos colocam a liberdade e o indivíduo como algo importante para a conquista da igualdade, mesmo com algumas divergências visíveis de um para outro, Rawls afirma a participação do indivíduo na adoção dos princípios de justiça, enquanto Hayek diz que somente a ação do indivíduo pode ser avaliada moralmente, pois somente elas estão sob a lei.
Um aspecto que difere liberais de não-liberais, é o indivíduo, ele é a régua que mede a moral dos adeptos dessa filosofia política e assegura a manutenção dessa tradição de pensamento.
Para concluir, muitos liberais concordam que exista a necessidade de alcançarmos um tipo de justiça social como sociedade, mas é possível perceber que o indivíduo como ser autônomo aparecerá em destaque, pois o mais importante para o liberalismo é o indivíduo e a liberdade, cada qual como responsável por suas escolhas e por alcançar seus objetivos.
*As opiniões do autor não representam a posição do Damas enquanto instituição.
- miniaurélio Século XXI Escolar. pg 410. ↩︎
- Ver ↩︎
- GIBBON, EDWARD. O declínio da Queda do Império Romano. pg 41.
↩︎ - MACEDO, UBIRATAN BORGES. Liberalismo e Justiça Social. pg 92 ↩︎
- Curso Livre de Filosofia Política. Aula 11: O Liberalismo igualitário de John Rawls. jan de 2022. Você encontra em:https://open.spotify.com/episode/3YfBza2arP15aFlE436hpf?si=aa26646792fb43d3 ↩︎
- MACEDO, UBIRATAN BORGES. Liberalismo e Justiça Social. pg 93
↩︎ - MACEDO, UBIRATAN BORGES. Liberalismo e Justiça Social. pg 106 ↩︎
- MERQUIOR. O Liberalismo Antigo e Moderno. pg 193 ↩︎