O amor venceu!

O amor venceu!

No capítulo 6 de “A virtude do egoísmo”, Ayn Rand – escritora e filósofa nascida na Rússia e posteriormente naturalizada nos Estados Unidos, notória por sua criação do sistema filosófico chamado Objetivismo – nos convida a pensar sobre como a preferência estética de um indivíduo pode refletir suas premissas e valores mais profundos. Em suas palavras:

“A alma do homem cuja peça favorita é Cyrano de Bergerac é radicalmente diferente da alma daquele que prefere Esperando Godot.

Paralelamente, uma frase bastante dita pelos apoiadores do governo Lula após o resultado da eleição de 2022 foi justamente: o amor venceu! Essa expressão reflete uma ideia sedutora, porém perigosa.

Tendo isso em vista, meu propósito com este artigo é explorar mais a fundo a referida citação de Rand. Mais especificamente, minha intenção é conectá-la à expressão: “o amor venceu!”, tão difundida após a eleição 2022 no Brasil. Ao traçar esse paralelo, pretendo destacar como algumas ideias que, por vezes, são assumidas automaticamente como certas pela maioria das pessoas, podem refletir valores destrutivos daqueles que os adotam passivamente.

Antes de tudo, o que o leitor diria de alguém que discorda das limitações e imperfeições intrínsecas do homem, (isto é, da “Visão trágica” – termo cunhado por Thomas Sowell, pensador conservador americano) mas que o retrata como um ser heroico e capaz? Ou ainda, de alguém que defende o uso da razão em detrimento da soberania das ideias tradicionais? De alguém que considera o indivíduo como a unidade básica da sociedade, ao invés de colocar a família e a comunidade como o centro de tudo. Certamente, não é um conservador. Esse alguém a quem eu me refiro, é Ayn Rand. Sua rejeição à fé e ao altruísmo é diametralmente oposta à religiosidade conservadora.

Esta análise é importante para que o leitor não faça interpretações equivocadas do tema já de início, levando-o a perceber o texto como meramente conservador. Pelo contrário, o artigo busca proporcionar uma compreensão mais profunda do assunto, incentivando-o a fazer questionamentos que vão além das discussões apresentadas aqui.

Feito esse preâmbulo, gostaria de chamar a atenção do leitor para um movimento que têm ganhado popularidade entre os jovens como uma forma de humor na internet: os vídeos de NPC (Non-Playable Character, ou Personagem Não Jogável, em tradução livre). Nesses vídeos, as pessoas interpretam papéis de personagens fictícios, geralmente estereotipados ou caricatos, como se fossem um NPC de um jogo de vídeo game, adotando comportamentos repetitivos, frases clichês ou reações previsíveis. 

O fenômeno de vídeos de NPC, que se tornou popular no Brasil, foi iniciado pelo youtuber Felipe Bressanim, conhecido como Felca, com uma base de seguidores de mais de 3 milhões no YouTube. Usando seu talento para o humor, ele começou a transmitir lives interpretando NPCs no TikTok, inicialmente como uma brincadeira. O que começou como uma piada logo se tornou um fenômeno viral na internet.

A demanda por esse tipo de conteúdo foi tanta, que Felca conquistou mais de 1 milhão de seguidores na plataforma graças às suas transmissões de NPCs. Um de seus vídeos anunciando as lives alcançou 1,8 milhão de curtidas e ultrapassou 14,5 milhões de visualizações em aproximadamente uma semana. Esse sucesso rapidamente inspirou muitos outros a tentarem replicar o modelo do youtuber em todo o país.

Por outro lado, raramente notícias referentes à descoberta de um novo composto químico ou sobre inovações tecnológicas, e como essas descobertas podem ser úteis na vida das pessoas, atraem um interesse genuíno das pessoas e em alta escala.  Quando muito, são acompanhadas de uma preocupação infundada a respeito. À título de exemplo, olhemos para a forma como as I.A’s estão sendo tratadas atualmente. É comum encontrarmos noticiários em que essa nova tecnologia é vista como algo ruim, que ameaça substituir o emprego dos trabalhadores, interfere em questões éticas ou ainda, apresenta riscos à existência humana.

Recentemente, Aloizio Mercadante – presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) –, discursou sobre a inteligência artificial (IA), que mostra um reflexo das preocupações destacadas no parágrafo anterior. Ele enfatiza a necessidade de avaliar os riscos da IA no mercado de trabalho, mencionando preocupações com a automatização de tarefas e a possível perda de controle dos processos (InfoMoney).

Mercadante ressalta que, embora a IA traga benefícios, como a capacidade de analisar dados com precisão e rapidez, também apresenta riscos significativos. Ele destaca preocupações sobre a perpetuação de preconceitos e discriminação baseados nos conjuntos de dados, a possibilidade de comportamento imprevisível e a ameaça à segurança dos sistemas de informação, incluindo a manipulação e desinformação, semelhante aos desafios observados com as fake news na internet e seu impacto na democracia.

Não é minha intenção nesse texto discutir os impactos da IA propriamente dito, mas chamar a atenção do leitor quanto ao viés negativo que muitas vezes é dado à tecnologia, fazendo-o refletir quais as reais motivações das pessoas frente a isso. As declarações do Mercadante sobre os desafios éticos, a perda de controle e os riscos associados à IA corroboram a ideia de que há uma tendência a destacar os aspectos negativos das inovações tecnológicas, em vez de enfatizar seu potencial transformador para a sociedade. 

Na sua obra, A nascente, Ayn Rand retrata, por exemplo, a história de Gail Wynand, magnata da mídia, proprietário do jornal “Banner” e um dos homens mais poderosos e influentes do romance. Seu poder e riqueza não são meramente produtos do acaso, mas fruto de uma habilidosa interpretação do comportamento humano. Veja, por exemplo, um trecho da obra de Ayn Rand, onde Wynand define o futuro do Banner:

“A primeira campanha do Banner foi um apelo por contribuições em dinheiro para uma causa beneficente. Duas histórias foram publicadas, expostas lado a lado, utilizando a mesma quantidade de espaço: uma sobre um jovem cientista em dificuldades, morrendo de fome em um sótão e trabalhando em uma grande invenção; a outra sobre uma camareira, amante de um assassino que fora executado, esperando o nascimento de seu filho ilegítimo. Uma delas foi ilustrada com diagramas científicos; a outra, com a foto de uma jovem de boca aberta, exibindo uma expressão trágica e roupas desarrumadas. O Banner pediu aos seus leitores que ajudassem esses dois infelizes. Recebeu 9,45 dólares para o jovem cientista, e 1.077 dólares para a mãe solteira. Gail Wynand convocou uma reunião de toda a sua equipe. Colocou sobre a mesa o jornal com as duas histórias e o dinheiro arrecadado para os dois fundos. – Há alguém aqui que não entenda? – perguntou ele. Ninguém respondeu. Ele disse: – Agora todos vocês já sabem que tipo de jornal o Banner será.”

Ok, até agora, parece evidente que a preferência da maioria recai sobre os vídeos de NPC no TikTok, em vez de despertar um interesse entusiasmado pelas mais recentes inovações tecnológicas globais. Contudo, as razões por trás dessa escolha podem não estar completamente claras.

Bom, aqui a coisa começa a ficar um pouco mais profunda. Quem nunca ouviu uma das expressões abaixo? “O amor é incondicional, é perdão e compaixão.” “Sofrer é bom. Não se queixem. Aguentem, curvem-se, aceitem. Fiquem agradecidos por Deus tê-los feito sofrer.” “Os últimos serão os primeiros.” “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”. “Somos apenas grãos de poeira, e isso é maravilhoso, pois nos coloca no nosso devido lugar, nos ensina humildade e nos convida à reflexão sobre o que é realmente importante.”

O que todas essas frases nos ensinam? Que a mediocridade é uma virtude. Que aceitar o que há de mais desprezível, pequeno e insignificante na humanidade, é o melhor a se fazer. Precisamos ressignificar o sofrimento, pois somos incapazes de enfrentá-lo. Que não importa o quão baixo seja o indivíduo, é seu dever perdoá-lo e amá-lo incondicionalmente. Mais do que isso, essas frases expressam a exaltação da mediocridade disfarçado de amor incondicional pela humanidade. Mas quem disse que para amar não há condições? Há um velho ditado bastante assertivo nesse sentido. “Quem ama todo mundo, não ama ninguém.”

Vejam esse outro trecho de A nascente, onde Wynand, em um diálogo com Dominique – uma das protagonistas do romance – fala um pouco mais sobre aqueles que amam todos. 

“Falo daquele que alega que o porco é o símbolo do amor pela humanidade, a criatura que aceita qualquer coisa. Na verdade, a pessoa que ama a todos e que se sente à vontade em todos os lugares é aquela que realmente tem ódio pela humanidade. Ela não espera nada dos homens, portanto nenhuma forma de depravação pode perturbá-la. – Você se refere àquele que diz que há algo de bom nos piores entre nós? – Refiro-me à pessoa que tem a insolência obscena de alegar que ama igualmente o homem que fez aquela estátua sua (da Dominique) e ao que faz balões do Mickey Mouse para vender nas esquinas. Refiro-me à pessoa que ama os homens que preferem o Mickey Mouse à sua estátua… e há muitas desse tipo. Refiro-me a quem ama Joana D’Arc e as vendedoras das lojas de vestidos da Broadway com igual fervor.”

Wynand nos expõem uma comparação entre a excelência e o medíocre, deixando claro que alguém que ama essas duas coisas em igual intensidade, está na verdade sacrificando a excelência ao trazer para o nível da mediocridade. Vejam, não é o medíocre que perde com isso, mas a excelência. Ou seja, o diálogo acima nos sugere que ao nivelar os padrões de apreciação, a sociedade pode correr o risco de desvalorizar conquistas notáveis, obras de arte excepcionais e realizações verdadeiramente extraordinárias.

Não me parece fazer sentido que alguém que busque a desvalorização das conquistas dos outros, ame a todos. Mas, no entanto, ele ama o que há de mais baixo na humanidade. Ao reverenciar o medíocre nas pessoas, ele não as ama, mas as odeia. Se uma pessoa está na lama e eu digo a ela que não há nada de mal nisso, mas que na verdade está tudo bem ao invés de retirá-la desta situação, eu estou aqui evidenciando meu desprezo por ela, ou a amando?

Paralelamente, uma frase bastante dita pelos apoiadores do governo Lula após o resultado da eleição de 2022 foi justamente: o amor venceu! Essa expressão reflete uma ideia sedutora, porém perigosa. Ao explorarmos às nuances do amor incondicional e sua relação com o medíocre, percebemos, na verdade, uma motivação intrínseca dos que o proclamam, de reverência ao que há de mais baixo e insignificante nas pessoas, bem como um forte ressentimento ao extraordinário. Eis o sacrifício da excelência pelo emocionalismo petista.

Nesse contexto, figuras como a ex-ministra e eleita senadora Marina Silva (Rede) se pronunciaram. Ela usou as redes sociais para proclamar que “o amor venceu” e destacou que, apesar dos desafios à frente, estavam determinados a “reconstruir o país”. Além disso, André Janones, em seu perfil no Twitter, enfatizou que haveria a descriminalização da cultura, uma valorização dos menos favorecidos, uma atenção especial ao meio ambiente, e prometera que o Brasil recuperaria seu respeito internacional. Em sua mensagem, ele resumiu: “O AMOR VENCEU O ÓDIO!” (Fonte Eleições 2022).

Finalmente, gostaria de chamar a atenção para um trecho onde Wynand dá a sua definição de amor:

“– Amor é reverência, e adoração, e glória, e o olhar voltado para cima. Não um curativo para feridas sujas.”

E complementa:

“Aqueles que falam do amor da forma mais promíscua são os que nunca o sentiram. Eles fazem um tipo de sopa rala, com simpatia, compaixão, desprezo e indiferença geral, e a chamam de amor.”


Eduardo França

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


Referências

DURÃES, Mariana. Apoiadores comemoram a vitória de Lula: “O amor venceu”. 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/30/apoiadores-comemoram-vitoria-de-lula.htm. Acesso em: 16 set. 2023.

WATKINS, Don. Ayn Rand influenciou os conservadores mais do que eles admitem, mas menos do que a esquerda acredita. 2018. Disponível em: https://objetivismo.com.br/artigo/ayn-rand-influenciou-os-conservadores-mais-do-que-eles-admitem-mas-menos-do-que-a-esquerda-acredita/. Acesso em: 16 set. 2023.

HIRST, Joel D. Por que algumas pessoas odeiam Ayn Rand? 2017. Disponível em: https://objetivismo.com.br/artigo/por-que-algumas-pessoas-odeiam-ayn-rand/. Acesso em: 16 set. 23.

ESTADÃO. Brasil precisa avaliar riscos de inteligência artificial ao mercado de trabalho, diz Mercadante.: rede brasileira de inteligência artificial vai concentrar debates e intervenções relacionadas à nova tecnologia. Rede Brasileira de Inteligência Artificial vai concentrar debates e intervenções relacionadas à nova tecnologia. 2023. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/carreira/brasil-precisa-avaliar-riscos-de-inteligencia-artificial-ao-mercado-de-trabalho-diz-mercadante/. Acesso em: 08 jan. 2024.

Rand, A. (2022). A Virtude do Egoísmo. Editora: LVM. São Paulo.

Rand, A. (2019). A Nascente. Editora: Vide Editorial. São Paulo. 

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