John Newton: De Negociante de Escravos a Pastor Abolicionista

John Newton: De Negociante de Escravos a Pastor Abolicionista

Richard Turnbull1

A história da conversão de John Newton é lendária. Seus hinos, como “Amazing Grace”, favoritos perenes. Seu coração de pastor, exemplar. Sua luta pela abolição do tráfico negreiro, monumental. Mas nada disso veio rápido ou facilmente.

John Newton (1725-1807) é uma figura central no avivamento e no despertar evangélico inglês. Ele é um dos primeiros exemplos de um ministério evangélico estabelecido na segunda metade do século 18, envolvendo trabalho pastoral, escrita de hinos e até mesmo orientando pessoas como William Wilberforce. No entanto, Newton começou como um marinheiro, não convertido, conhecido por zombar da autoridade e negociar escravos. Sua conversão a Cristo, no entanto, iniciou uma lenta, mas constante transformação. Como diz o epitáfio de sua lápide, que ele mesmo compôs:

João Newton… outrora infiel e libertino, servo de escravos na África foi, pela rica misericórdia de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, preservado, restaurado, perdoado e designado para pregar a fé que há muito se esforçava para destruir.

John Newton nasceu em 24 de julho de 1725, filho de John e Elizabeth. Sua mãe era devota, seu pai regularmente ausente no mar. Sua mãe morreu antes de seu sétimo aniversário; seu pai casou-se de novo rapidamente. O próprio Newton estava destinado a uma carreira no mar, e houve inúmeras viagens e embarcações, uma recrutação forçada e até uma deserção. Aos 21 anos, ele entrou no emprego de Amos Clow e, assim, começou seu envolvimento direto com o tráfico de escravos, através do qual prosperou. O pai de Newton, que continuava preocupado com o bem-estar de seu filho, enviou um navio para a costa africana para procurá-lo. Newton, atraído por uma história inventada de um legado e pela história não inventada de seu amor por Polly Catlett (sua eventual esposa), juntou-se ao Galgo e voltou para o outro lado do Atlântico.

A bordo, extraordinariamente, mas por providência divina, Newton pegou uma cópia do clássico cristão de Thomas à Kempis, A Imitação de Cristo. Ele nunca havia encontrado nada parecido, e começou a se perguntar se as afirmações cristãs poderiam ser verdadeiras. Em 10 de março de 1748, Newton foi acordado em sua cabine por uma tempestade, as madeiras podres do navio quebradas pelas ondas e a água da enchente rodopiando em sua cabine. Um homem foi arrastado ao mar e o navio ficou bastante danificado. Como ele registrou em sua Narrativa Autêntica, publicada em 1765, foi quando ele começou a orar e ler as escrituras. Newton viu seu encontro espiritual no Galgo como sua experiência de conversão, “um dia muito a ser lembrado por mim”, “naquele dia o Senhor enviou do alto e me livrou das águas profundas”. No entanto, ele sabia que entendia pouco e experimentou muitos contratempos e retrocessos. Foi nos sete anos seguintes que sua vida e convicções cristãs seriam moldadas.

Talvez seja difícil para nós entender por que Newton continuou a capitanear navios negreiros após sua “conversão” – primeiro o Brownlow (como segundo comandante), depois o Duque de Argyle e duas viagens no Africano. De fato, em sua Narrativa Autêntica, não há reflexões sobre os males do tráfico negreiro; essa condenação viria depois. Casou-se com Polly em 1750 e correspondeu-se com ela em sua última viagem à África, dizendo-lhe que estava orando por ela e lendo as escrituras. Nessa viagem, ele também conheceu um comerciante cristão (não de escravos), Alexander Clunie, que orientou Newton na fé. Ele então se familiarizou com George Whitefield, primeiro em Londres e depois em Liverpool, descrevendo-se como um metodista pela primeira vez. (“Metodista” foi usado nesta época para descrever todos os evangélicos, em vez de descrever uma denominação separada.) Como ensinavam os metodistas, a santificação – um crescimento na santidade e na maturidade cristã – é um processo e, para o marinheiro e comerciante de escravos Newton, levou algum tempo.

Newton sentia-se cada vez mais atraído pelo ministério ordenado, mas tinha menos certeza sobre qual denominação. Ele tinha algumas objeções à Igreja da Inglaterra, mas estas se abrandaram sob a influência de outros ministros. O caminho, no entanto, não foi simples. Para obter a ordenação, você precisava de um posto, testemunhas de caráter e um bispo disposto. O último deles foi o mais problemático para Newton. Inicialmente foi-lhe recusada a ordenação pelo bispo de Chester e depois pelo arcebispo de York.

Qual era o problema? Embora Newton se sentisse bem disposto em relação à Igreja da Inglaterra, ele também deixou claro que não estava ligado a nenhuma denominação em particular e expressou dúvidas sobre o batismo infantil e a aparente suposição de salvação no serviço funerário. Ele também estava preocupado com uma oposição regente aos evangélicos dentro da Igreja.

Ele recebeu várias ofertas para aceitar nomeação em igrejas independentes e estava perto de aceitar uma de uma igreja presbiteriana, quando um aristocrata evangélico, o Conde de Dartmouth, interveio. Ele havia lido a autobiográfica Narrativa Autêntica de Newton e ficou impressionado. Ele controlou a nomeação para um cargo em Olney em Buckinghamshire e a ofereceu a Newton. Newton foi novamente rejeitado pelo bispo de Lincoln e pelo arcebispo de York, mas então Dartmouth implorou diretamente ao bispo de Lincoln, que concordou em entrevistar Newton – que passou a expressar suas dúvidas sobre a liturgia. Finalmente, em 29 de abril de 1764, Newton foi ordenado, após uma saga de sete anos. Ele declarou que sua “única esperança está no nome de Jesus”. O herói mundial da história, no entanto, é Lord Dartmouth, impedindo que os bispos lavem as mãos completamente em relação a Newton.

Newton esteve no cargo em Olney de 1764 a 1779. Os evangélicos tinham o dom de revitalizar ministérios paroquiais moribundos. Newton era conhecido por seus paroquianos; andava pelas ruas, não com roupas de clérigo, mas com a jaqueta de marinheiro. Ele os visitou. Ele apoiava e cuidava dos pobres e necessitados, escrevia cartas, assegurava o fornecimento de Bíblias onde fosse necessário e estudava as escrituras por si mesmo. Ele pregou duas vezes em um domingo, outras três vezes na semana, e deu uma palestra nas noites de domingo. Ele não era naturalmente um grande pregador e às vezes era despreparado e não muito cuidadoso  no que dizia.

Central para o ministério de Newton Olney foi seu relacionamento com William Cowper (1731-1800). Cowper (pronuncia-se “Cooper”) foi um dos maiores poetas ingleses do século 18, mas que enfrentou uma longa luta contra a doença mental. Sua profunda e duradoura amizade com Newton produziu os Hinos de Olney. A angústia mental de Cowper era muito profunda e incluía o tempo em um asilo. Ele ficou sob os cuidados de uma família evangélica, os Unwins, e depois que seu marido morreu, Mary Unwin e seus dois filhos, com Cowper como inquilino, se mudaram para uma propriedade ao lado da reitoria de Newton em Olney. Newton estendeu a mão para seu visitante deprimido com compaixão cristã e encorajamento prático, e às vezes era chamado para a casa Unwin às 3 da manhã para acalmar Cowper. Durante uma crise de grave desespero mental que se abateu sobre Cowper em 1773, Newton anotou em seus diários que “Meu querido amigo ainda anda na escuridão. Dificilmente consigo conceber que alguém em estado de graça e favor com Deus possa estar em tão elevado sofrimento”.

Newton trabalhou com Cowper para escrever hinos, culminando na publicação dos Hinos de Olney (1779). Isso implicou uma divisão tripla, com 141 hinos sobre textos selecionados das escrituras, 107 sobre progresso e mudanças na vida espiritual e 100 sobre vários outros assuntos. A escrita de Newton era caracterizada pela simplicidade, ritmo e facilidade de cantar. Cowper sempre foi o poeta. Exemplos ainda cantados hoje incluem “How Sweet the Name of Jesus Sounds” de Newton e “Jesus Wherever Your People Meet” de Cowper com seu lembrete de que Cristo não está confinado por muros (a própria libertação que Jesus ofereceu a Cowper). E, claro, há “Amazing Grace” – escrito para um culto para o Dia de Ano Novo, 1º de janeiro de 1773.

Olney, porém, o ministério não foi fácil, com os números na igreja e nas reuniões de oração começando a cair. Depois de 15 anos, as pastagens frescas acenaram. O ministério de Newton tornou-se mais conhecido e apreciado, é uma oportunidade que se abriu para Newton obter um posto na cidade de Londres, o distrito comercial e bancário, onde a presença evangélica era fraca. Em 1779, foi nomeado para a reitoria de St. Mary, Woolnoth, uma igreja que se localizava à sombra do Banco da Inglaterra. Em seu primeiro sermão, ele descreveu a Bíblia como “o grande repositório das verdades que será a tarefa e o prazer da minha vida colocar diante de vocês”. O ministério de Newton atraiu um número crescente de ouvintes, e logo uma galeria teve que ser construída na igreja para acomodá-los.

Quando William Wilberforce era um menino, sua tia e tio o trouxeram para conhecer Newton em Olney. No final de 1785, quando Wilberforce tinha 26 anos, ele escreveu a Newton solicitando uma reunião particular. O próprio Wilberforce era um homem convertido e transformado, mas lutava para decidir se permaneceria na vida pública como membro do parlamento ou ingressava no ministério. Wilberforce estava tão ansioso para ser visto que andou duas vezes pela praça onde Newton morava antes de bater à porta. No início de 1786, Newton escreveu a Cowper sobre Wilberforce, dizendo que “espero que o Senhor faça dele uma bênção, tanto como cristão quanto como estadista”.

Foi um divisor de águas. Wilberforce tornou-se um visitante regular de sábado e congregador assíduo aos domingos. Newton tornou-se um defensor público do movimento abolicionista quando, em 1787, colaborou com Wilberforce e outros na formação da Sociedade Antiescravista e, em janeiro de 1788, publicou seu panfleto altamente influente Pensamentos sobre o tráfico de escravos africanos, descrevendo os horrores que tinha visto. Nisso, Newton reconheceu seu envolvimento pessoal e responsabilidade, e se arrependeu. Sua experiência pessoal o colocou em uma posição forte para fazer campanha, o que ele fez com Wilberforce pelos 19 anos seguintes. Embora ele talvez estivesse atrasado para entrar em cena, tanto a opinião pública evangélica quanto a opinião pública geral estavam mudando. A abolição do tráfico de escravos teve sucesso no ano em que Newton morreu.

Ao contrário de Wilberforce, Newton não era um político ou um estadista, mas ele era pastor. Ao contrário de Whitefield, ele não era um grande orador, mas ele falou fortemente. Talvez o mais importante, Newton tinha uma história profunda, que o formou e moldou ele na campanha contra o tráfico de escravos. Ele também exemplificou a relação um tanto desconfortável entre os evangélicos e a Igreja da Inglaterra – os primeiros estavam comprometidos com a igreja estabelecida, mas estavam muito à vontade em uma capela independente. A pregação do evangelho libertador de Jesus Cristo era o que mais importava. Este Newton sabia, e com o tempo provou ser um grande exemplo, poderosamente usado por Deus.


Artigo original: https://rlo.acton.org/archives/124988-john-newton-from-slave-trader-to-abolitionist-pastor.html

Autor: Richard Turnbull

Tradução: Fernanda Safira Ferreira – @fernandaasafira

Revisão: Victor Vieira Cabral – @victor.vieira__


Referências

TURNBULL, Richard. John Newton: John Newton: From Slave Trader to Abolitionist Pastor. Religion & Liberty Online, 19 out. 2023. Disponível em: https://rlo.acton.org/archives/124988-john-newton-from-slave-trader-to-abolitionist-pastor.html. Acesso em: 17 nov. 2023.

Notas de Rodapé

  1. Rev. Dr. Richard Turnbull is the director of the Centre for Enterprise, Markets and Ethics and a trustee of the Christian Institute. He holds a degree in Economics and Accounting and spent over eight years as a Chartered Accountant with Ernst and Young and served as the youngest ever member of the Press Council. Richard also holds a first class honours degree in Theology and PhD in Theology from the University of Durham. He was ordained into the ministry of the Church of England in 1994. Richard served in the pastoral ministry for over 10 years. He was also for 7 years the Principal of Wycliffe Hall, Oxford. He has authored several books, is a Fellow of the Royal Historical Society and a visiting Professor at St Mary’s University, Twickenham.
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