A descentralização de poder é um benefício inquestionável quando relacionado à competência estatal, ainda mais referente a administração de comunidades remotas onde a realidade é completamente distinta das demais, precisando assim, de uma certa gestão específica. E assim encontramos um descaso grande quanto a esse debate, pois não há interesse genuíno de grande parte dos burocratas em considerar os efeitos de um poder totalmente desconexo da realidade dos indivíduos de uma certa comunidade. Esse fato é totalmente manifestado no problema de distritos querendo desmembrar de suas respectivas sedes administrativas, sem a devida atenção por parte do governo para resolver suas causas.
Mas afinal, o que é emancipação política-administrativa?
Emancipação Política-administrativa acontece quando um local (estado ou município) deixa de estar subordinado a um outro (sede), tendo o poder de se autogerir, ou seja, quando um distrito, por exemplo, se desliga de seu local de origem criando assim um novo município, tendo então,todo controle dos recursos ali desenvolvidos e aplicando de acordo com as necessidades locais.
É importante destacarmos aqui a questão dos distritos pois, há vários deles espalhados pelo nosso país com capacidade econômica e populacional de um possível município, onde suas lutas por desmembramento são negligenciadas pela vigência federal, como no caso de Icoaraci-Belém PA que tem aproximadamente 400 mil habitantes e ainda não teve sua emancipação.
Pronto, sabemos o que é emancipação, e quais são as vantagens dela?
Como citado nos parágrafos acima, a falta de uma administração a nível local, provoca uma certa incompetência quanto aos serviços prestados à região, pois geralmente, se leva em consideração as demandas da sede em detrimento das demandas dos “bairros” subordinados, ainda mais quando esses bairros ficam muito distantes.
Portanto, a primeira vantagem se apresenta na praticidade para os cidadãos reivindicar suas necessidades à gestão local, sem precisarem se deslocar por longas distâncias. E essa vantagem não só se apresenta como acessibilidade para reivindicações, como também, para resoluções de problemas simples como atualização de documentos ou a emissão dos mesmos, já que geralmente, instituições responsáveis por esse tipo de atividade se encontram no centro da sede.
Importante destacar também os benefícios econômicos que vem com esse novo município, onde se torna mais atraente para investimentos e desenvolvimento, já que as burocracias são menores comparadas às que se tinham antes. E isso acarreta em criação de novos empregos e também, melhoria no fornecimento de produtos e serviços, oriundos da competição de mercado.
É sempre bom lembrar, que para isso acontecer de maneira mais assertiva, é essencial que se tenha um sistema jurídico folgado quanto a leis econômicas, permitindo facilidade de empreender, de abrir negócios e de fazer contratos trabalhistas com menos regulações.
Devemos considerar a importância da saúde e qualidade de vida que se pode ter após o desmembramento, pois como dissemos, os recursos para serviços básicos muitas vezes não chegam a esses distritos e quando chegam, são sempre a quem do que deveriam ser. Há falta de hospitais, onde pequenos postos de saúde assumem procedimentos complexos que não são seu dever, para suprir a demanda.
Quando se tem a autogestão, é possível oferecer um sistema de saúde mais eficiente e também fornecer serviços de saneamento básico, diminuindo os níveis de infecções virais causadas pelo consumo de água contaminada sem tratamento, por exemplo, folgando assim o setor de saúde dando espaço para resolver problemas mais complexos.
Na área da educação há diminuição da evasão escolar, pois os recursos para esse setor são bem direcionados, levando em conta a realidade educacional daquela população. E criando incentivos para escolas e universidades particulares fornecerem cursos profissionalizantes tornando a mão de obra local mais produtiva e qualificada.
Quanto à qualidade de vida, é possível se ter uma comparado com a de grandes centros. Geralmente municípios pequenos têm um custo de vida menor, um contato maior com a natureza e bons serviços básicos de saúde. O fato de ser pequeno permite que atividades simples como ir ao trabalho, ir ao mercado ou até mesmo resolver pendências no centro sejam feitas sem um deslocamento grande. A segurança é outro motivo, pois os índices de criminalidade são menores comparado a metrópoles.
Como nem tudo são flores, há desvantagens também. bom, depende!
Uma das críticas relacionadas a criação de novos municípios através de desmembramentos é o aumento de custos para a união, pois esse novo município virá com uma máquina pública com gastos a mais do que se tinha antes. Ainda mais quando se tem interesse político de uma certa elite em distribuir cargos públicos para parceiros, elevando as despesas do município colocando o mesmo em dívidas. Ou seja, uma cidade insustentável. Porém, já existe um contraponto a essa afirmação equivocada, de novos gastos, que abordaremos mais à frente.
A carga tributária para os moradores vai ser maior, devido a regularização de propriedades, de veículos e as regularizações trabalhistas, por isso a importância de ter pessoas com princípios liberais na linha de frente do poder legislativo, para diminuir o peso dessas futuras regulações.
Mas o que a lei fala sobre Emancipação Política Administrativa?
A 25 anos atrás houve uma Emenda Constitucional do parágrafo 4 do artigo 18 da Constituição Federal de 1988, onde atribui aos Estados a criação, a fusão,a incorporação e o desmembramento de municípios, dentro do período determinado pela lei complementar federal.
Para essa realização, o primeiro passo é uma representação dirigida à Assembleia Legislativa do estado, assinada por no mínimo 100 eleitores, residentes ou domiciliados na área que deseja ser desmembrada, com as respectivas firmas reconhecidas (registradas em um cartório de notas).
A Assembleia requisitará um Estudo de Viabilidade que sua finalidade é levantar dados que comprovam que o distrito terá todos os requisitos exigidos pela Lei para ser um município. Requisitos esses que abrange população, território, viabilidade econômico-financeira, viabilidade político-administrativa e viabilidade sócio-ambiental urbana.
Alguns dados, a Casa deve solicitar a Fundação IBGE (população, número de residências e formação de centro urbano),ao TRE (eleitorado) e também, ao órgão fazendário estadual (arrecadação).
Após aprovada na Assembleia Legislativa do Estado, é passado para o Tribunal Regional Eleitoral para marcar o plebiscito, fator determinante, pois é ele que dirá se os eleitores tanto da área a ser desmembrada, tanto do município de origem estão de acordo com esse desmembramento.
A elaboração da lei estadual criando o novo município, só poderá ser admitida com o voto favorável da maioria dos eleitores que comparecerem às urnas. E logo em seguida, o resultado é avaliado pelo TSE homologando o resultado.
Com a homologação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), passa-se ao Governador do Estado o ato de assinar a Lei da criação do novo município. O novo município só poderá ser instalado com a posse do prefeito, vice-prefeito e vereadores na eleição municipal que ocorrerá simultaneamente com a de outros municípios já existentes. Caso contrário, ficará sob a administração do município de origem até que seja feita a eleição.
Agora vem a bomba!
A Lei Complementar Federal até então não foi votada, impossibilitando os Estados de criar seus municípios. Isso faz 25 anos e já foram elaborados vários projetos de lei complementar sem sucesso. E isso traz atrasos na autonomia dos Estados.
O PLP N° 137/15 é o projeto de lei complementar mais recente, que aguarda entrar na pauta da Câmara, onde traz todos os requisitos para criação de municípios, entre eles definindo características que os distritos devem ter para serem bem relatados no estudo de viabilidade, trazendo assim, legitimidade que o mesmo é auto sustentável, derrubando a crítica sobre mais gastos para união.
É importante destacarmos aqui que existe o FPM (Fundo De Participação Dos Municípios), onde a união passa 22,5% da arrecadação líquida do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para os municípios de acordo com o número de habitantes. Ou seja, em caso de desmembramento, só vai ter direcionamento desses recursos de acordo com os membros desse novo município refutando assim, mais uma vez, os críticos que não querem “dividir o pão”.
Apesar de tudo isso, aconteceram eventos que é bom frisarmos aqui.
Como já falamos, para conter a “farra dos municípios” dos anos 90, onde 1.405 municípios foram criados, em 1996 foi feita uma Emenda Constitucional do parágrafo 4 do artigo 18 da Constituição Federal (EC 15/1996), limitando o poder dos Estados de criarem municípios através da fusão ou desmembramento, por uma lei complementar federal estabelecendo o período da criação desses municípios. Sem essa lei complementar, nada feito.
Acontece que após essa emenda, foram criados novos municípios no País. Entre eles, podemos citar aqui o caso de Balneário Rincão-SC, que teve seu processo de emancipação tendo o plebiscito com 53,20% dos votos favoráveis, e em seguida sendo criado pela Lei Estadual n° 12.668 de 3 de Outubro de 2003, sancionada pelo então Governador da época Luiz Henrique da Silveira, porém, foi impedida por inconstitucionalidade.
Em 2008 foi feita uma Emenda Constitucional do artigo 96 na ADCT da Constituição (EC 57/2008), onde convalidou-se os atos de criação de municípios até 31 de dezembro de 2006, então Balneário Rincão teve o direito de realizar eleições, na qual em 2012 se tornou município.
Desde então, não se pôde criar mais municípios com segurança jurídica, já tendo declarado o STF em 2021, qualquer lei estadual criando novos municípios será inconstitucional.
Voltando para os dias de hoje, vejamos o caso de Castelo Dos Sonhos.
Castelo de Sonhos, distrito de Altamira no Pará, é o distrito mais longe de sua sede no país, a 970 km. Devido a essa distância, o distrito encontra dificuldades de crescimento e infraestrutura, tendo um caso de abandono de sua sede.
Castelo de Sonhos já possui uma comissão de emancipação, que trabalhou fortemente para cumprir todos os requisitos da Lei de criação de novos municípios, onde apresentou antecipadamente o Estudo de Viabilidade à ALEPA (Assembleia Legislativa Do Estado do Pará) na qual teve seu parecer favorável ao desmembramento. E agora, está apenas no aguardo para a realização do plebiscito.
É importante destacarmos o caso desse distrito que expõe o quão urgente é essa Lei Complementar, pois é a prova evidente do quão prejudicial é a falta de autonomia local. Mesmo com seus 31 anos de existência e com 21 mil habitantes, a cidade tem uma infraestrutura ruim, sem asfaltamento, sem saneamento básico e principalmente, sem os títulos de propriedade de seus moradores, com custos altos para adquirir os mesmos, pois envolve o deslocamento até a sede onde se localiza o cartório de registro de Imóveis.
Todos esses fatos mostram a necessidade de uma solução, pois é apenas um dos vários casos no país que mostram a qualidade de vida de vários indivíduos, sendo piorada por falta de reconhecimento da lei.
O que podemos fazer?
A importância de levarmos a pauta a debate nacional é gritante, pois estamos em ano de eleições para presidente, deputados federais e estaduais, governadores e senadores. E é um ambiente propício para se ter temas que terão efeitos estruturais para o país, e nada mais justo que termos esse tema em específico, que traz mais liberdade para regiões remotas e assim mais desenvolvimento.
Podemos promover esse debate, ajudando grupos emancipalistas existentes ou criando novos grupos, escrevendo artigos, criando eventos de exposição das problemáticas, divulgando vídeos e posts descrevendo as realidades desses distritos. O efeito dessa luta será efetivo na melhora de vida de dezenas de milhares de indivíduos, pois são os mesmos, a essência do debate. A liberdade é a pedra fundamental para a edificação do desenvolvimento dos indivíduos.