“Ecchi desnecessário”. Essa é a expressão usada por muitos brasileiros para criticar o excesso de innuendos sexuais existente em mangás, animes, ou jogos japoneses. Eu, porém, ouso não apenas defender o ecchi, mas dizer que atacá-lo é imperialismo cultural.
Em 2019, a professora e pesquisadora em sociologia e gênero pela universidade de Musashi, Yuki Takahashi, publicou um artigo na Gendai Business Online intitulado “a verdadeira natureza do mal estar das jovens que abandonam o feminismo”, abordando uma das recentes polêmicas: “Uzaki-chan quer passear”, a história sobre o universitário solitário Shinichi Sakurai, forçado a sair por aí com Hana Uzaki, uma garota vívida, o enchendo para passear com ela por aí, pois ela quer torná-lo mais sociável. O problema dessa história? Uzaki tem cara de garota fofinha mas peitos gigantescos.
O curioso é que os japoneses não se importam muito com a sexualidade da história em si. Veem a garotinha com peitões forçando o rapaz a se socializar como só “engraçado”, e houve até mesmo campanhas de doação de sangue baseadas no anime (basicamente a Uzaki-chan tirando sarro de você por não doar sangue). No ocidente, porém, a história é outra, e muitos criticaram as proporções da personagem numa caça às bruxas.
Dentre as reclamações, vários começaram a “consertar” Uzaki-chan, redesenhando-a como uma “mulher normal”. Uma das respostas, porém, é minha principal inspiração para este texto: um japonês reclama que a imagem “consertada” na verdade parece uma pessoa branca, enquanto a Uzaki-chan original parece muito mais uma mulher japonesa para ele. Peitos a parte, a magreza extrema de Uzaki-chan não é nada incomum no Japão, onde menos de 5% da população é obesa e menos de um terço está acima do peso.
Mulheres também gostam de ecchi?
A resposta ocidental veio por meio de censuras e traduções erradas em localização, onde frases e cenas são alteradas de seu contexto original para se tornarem mais palpáveis. Um dos animes que sofre com isso é “A empregada Dragão da dona Kobayashi”, uma história sobre uma programadora que, bêbada, encontra e faz amizade com uma dragoa, que se apaixona por ela e decide trabalhar como sua empregada. O foco é aceitar pessoas diferentes e os valores da família, mas chama atenção por seus constantes peitões balançando e um garoto envergonhado com ditos peitões balançando.
Parece machista, não? Acredite ou não, é uma história feita pela Kyoto Animation, um estúdio majoritariamente feminino, feito para ser o estúdio onde mulheres poderiam trabalhar. A história é desenhada, dirigida, e dublada por essas mulheres com muito amor, e elas não são as únicas. 70% dos autores de mangá no Japão são mulheres, e 60% dos autores +18 do Japão são mulheres. Como um todo, só não é um tema tão problemático para eles.
Países diferentes, limites diferentes
Isso não significa, claro, que o Japão seja esse “mega paraíso dos depravados sexuais”. Apenas que as sensibilidades deles são diferentes das nossas. Eles se espantam conosco igual quando o assunto é violência, e qualquer jogo violento envolvendo membros decepados, por exemplo, é vista de forma muito mais séria do que um americano veria. Os chineses são outro exemplo disso, pois são proibidos por lei de terem ossos expostos em jogos.
O Brasil não é exceção: quando tivemos as últimas olimpíadas no Brasil, os estrangeiros reclamam muito que éramos barulhentos nos estádios e que vaiamos adversários. Nós somos animais barulhentos e eles são civilizados? Não. Só temos sensibilidades diferentes.
Porque a nossa cultura deveria mudar pela sensibilidade dos estrangeiros? Os torcedores de futebol tem de ficar quietinhos e não torcer como sempre torceram porque alguém do outro lado do mundo acha feio? É por isso que quem deve se incomodar e lidar com o ecchi na cultura japonesa são os japoneses, não nós.
Resistência à opressão estrangeira
Ken Akamatsu, autor do mangá ecchi Love Hina, é um forte opositor da cultura do politicamente correto, a qual ele critica há anos como imposição cultural do ocidente querendo destruir a cultura japonesa. Ken não está sozinho, tendo sido eleito na última eleição japonesa sob a bandeira de impedir que os ocidentais censurem e apaguem a cultura japonesa.
O Ecchi japonês pode nos parecer estranho, vulgar, e até mesmo criminoso. Mas temos a liberdade para consumí-lo ou não, e há inúmeras obras da cultura japonesa sem ele. Ninguém nos força a consumí-lo, então é só não consumir.
Dizer que gosta de mangás, animes, e jogos japoneses mas que eles não deveriam ter ecchi seria como dizer que gosta de funk mas que ele deveria ser mais moralista, menos sexual, e ter música clássica tocando ao invés do onipresente “tchu tcha tcha chun chun tcha”. Aliás, lembra quando a elite brasileira passou a levar música clássica para as favelas para apresentá-los à “alta cultura” ao invés de funk? O resultado foi o surgimento de novos funks com música clássica misturada.
Esse é o lado belo da cultura. Ela não morre, se transforma. Se as outras culturas não estão fazendo nada de errado, não podemos impor a elas que abandonem suas sensibilidades em nome das nossas, que nem moramos lá. Fazer isso seria imperialismo cultural. Talvez daqui há 20 anos ecchi não exista mais, mas, até lá, eu defendo o ecchi como uma parte válida da cultura japonesa.