Combate às Fake News ou censura? Uma análise jurídica da atuação do TSE nas eleições de 2022

Combate às Fake News ou censura? Uma análise jurídica da atuação do TSE nas eleições de 2022

INTRODUÇÃO: 

Neste tocante, muito há se discutido se as decisões emitidas pelo TSE, no fulcro de combater a desinformação em massa, não têm se exacerbado e, em certa medida, cometido atos de censura, ou se, frente ao contexto nacional atual, essas medidas fazem-se cabíveis para uma eficaz repressão às notícias falsas, justificando tais atos em termos jurídicos sem que figure uma violação indevida à liberdade de expressão alheia. 

Com esta problemática, o trabalho vincula-se em realizar uma análise crítica frente aos recentes atos adotados pelo TSE, observadas as nuances causadoras das repercussões e, a priori, um arcabouço jurídico basilar aos quais seus desenvolvimentos jurídicos se fundam.

ARCABOUÇO JURÍDICO ALICERCE DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO: 

À luz de Soares (2012, p. 60), a liberdade de expressão é figurada como um direito humano intrínseco à própria dignidade do indivíduo, pois faz-se instituída como um dos pilares de resguardo à liberdade (artigo 5º, caput, CF) e à democracia (artigo 1º, caput, CF). Neste sentido, em detrimento aos dispostos autoritários de seus antecessores, a Constituição Federal de 1988 expressa a liberdade de expressão como um direito fundamental e legítimo (artigo 5º, IX, CF), bem como também a resguarda contra potenciais atos de censura (artigo. 220, §§1º e 2º, CF). Especialmente no que condiz à censura prévia, no qual, segundo o professor. Eduardo Luiz Santos Cabette (2015) “[…] se pensa em um controle preventivo das comunicações que se pretende veicular.” E essa tal modalidade demonstra-se incabível em um estado democrático de direito (JUSBRASIL, 2015). 

Todavia, há de se valer que o direito à liberdade de se expressar interage com a incidência de outros direitos que fizerem-se conflitantes, tal qual o direito à honra (artigo 5º, X, CF) e suas ramificações. Sendo assim, faz-se necessária esta ponderação, que o ato de se expressar vincula o emissor ao que foi dito, de modo a responsabilizá-lo por quaisquer violações à direitos de terceiros (OLIVEIRA; GOMES, 2019, p. 105-106 apud SILVA, 2017, p. 247). 

Por fim, salienta-se, com o entendimento de José Afonso da Silva (2017, p. 249), que o direito de informar faz-se ocorrente dada a sua indissociável natureza com o direito coletivo à informação (art. 5º, XIV, CF), e nesse aspecto, afigura-se de interesse público que esta informação seja confiável, objetiva, imparcial e que não se desrespeite seu sentido original, sob pena de não se configurar que haja de fato a informação, mas uma violação deste direito, uma deformação (apud OLIVEIRA; GOMES, 2019, p. 106). 

Dado os informes acima, resta evidente que a propagação de notícias falsas figura uma clara violação ao direito coletivo à informação, bem como, a depender da natureza da notícia, ainda poderia resultar em violações a outros demais direitos, especialmente se configurada esta lesão em relação aos eventos de cunho eleitoral, dada que a veiculação de notícias falsas portam o poder de viciar o puro consentimento dos cidadãos ao elegerem seus candidatos influidos por fake news. Com isso, pelo embasamento apresentado, imputa-se à veiculação consciente de notícias falsas como feito de abuso indevido da liberdade de expressão, sendo -obviamente- passível a ocorrência de sua limitação em favor de outros direitos e interesses de natureza individual e/ou coletiva. 

DISCUSSÕES: 

A ADAPTAÇÃO DO TSE FRENTE ÀS CRESCENTES FAKE NEWS E OS PROBLEMAS QUANTO À FORMA DO DISPOSITIVO QUE FUNDAMENTA SUAS SANÇÕES: 

Com o decorrer das eleições presidenciais de 2022, o TSE, presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, precisou adaptar-se à uma nova onda de notícias enganosas referentes ao contexto eleitoral, ao ponto que, na eleição presidencial, ocorrera uma suspeita de 12.573 casos de fake news repassadas à análise das plataformas sociais que estas foram veiculadas, o que representa um aumento de 1.671% em relação às eleições municipais de 2020, que haviam registradas apenas 752 suspeitas de fake news repassadas às plataformas (G1, 2022). 

Registrado esse contexto, o presente tribunal, à despeito dessas dificuldades (que nos termos emitidos pelo presidente do TSE eram “crescentes e agressivas”) editou a Resolução Nº 23.714 do TSE, atribuindo a si, mediante o artigo 4º, o poder de suspender perfis, contas e canais em mídias sociais se estes fossem “caracterizados pela publicação contumaz” de fake news, bem como evitar que essas pessoas retornem à plataforma por outros perfis. Vê-se: 

Art. 4º. A produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, autoriza a determinação de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais, observados, quanto aos requisitos, prazos e consequências, o disposto no art. 2º. 

Parágrafo único. A determinação a que se refere o caput compreenderá a suspensão de registro de novos perfis, contas ou canais pelos responsáveis ou sob seu controle, bem assim a utilização de perfis, contas ou canais contingenciais previamente registrados, sob pena de configuração do crime previsto no art. 347 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral. 

Contudo, a edição desta Resolução resultara em uma completa desobservância dos dizeres do caput do artigo 105 da Lei Eleitoral, que estipula: 

Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos.

Neste sentido, observa-se que, para que o TSE possa expedir instruções, este deverá cumprir 3 (três) requisitos: fazê-lo até o dia 5 de março do ano da eleição; ater-se à regular lei já existente; e, de modo algum, restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das já previstas na lei. Em suma, nota-se que o tribunal, pelo artigo 4º da Resolução ora citada, violou esses 3 (três) preceitos, uma vez que: editou a resolução na data de 20 de outubro de 2022, bem após os 5 de março no qual deveria se restringir; usurpou a competência do legislador ao realizar tal estipulação; e, sobretudo, criou sanção diversa das previstas em lei. 

AS CRÍTICAS À ATUAÇÃO SANCIONATÓRIA DO TSE E OS PROBLEMAS QUANTO À MATÉRIA DE SUAS SANÇÕES: 

Segundo Augusto Aras (2022, p. 16), o Procurador-geral da República (PGR), este fundamentara, na PI AJCONST/PGR Nº 743894/2022 -a que submete a Resolução Nº 23.714 do TSE à apreciação de sua inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (STF)-, que a configuração da censura prévia presente no ato sancionatório dar-se-á pela interdição/suspensão total da atividade dos perfis, contas e canais em mídias sociais dos sancionados, gerando prejuízos à liberdade de expressão; manifestação do pensamento; do exercício profissional; e dos direitos de informar e de ser informado (arts. 5º, IV, IX e XIV, e 220, caput, ambos da CF). 

Ou seja, compreende o PGR que a natureza da sanção, justamente por impossibilitar o uso do ambiente virtual suspendido, faz-se configurável a censura, uma vez que a sanção não se restringiu em lidar com fatores oriundos da responsabilização pelo que fora dito, mas 3 atingiu a própria dignidade da pessoa, haja vista que o fulcro é tornar inviável que este retorne a se expressar em seu espaço virtual afetado, como se, caso ainda tivesse possibilidade de se manifestar ali, fazê-lo-ia com fake news de forma reiterada. Portanto, faz-se a punição logo de modo a calá-lo e, assim, evitar que volte a cometer o ilícito. Caso não, não se fundaria a suspensão/bloqueio total dos perfis. 

Há de se comentar quanto ao artigo 3º da Resolução de Nº 23.714 do TSE, que dita: 

Art. 3º. A Presidência do Tribunal Superior Eleitoral poderá determinar a extensão de decisão colegiada proferida pelo Plenário do Tribunal sobre desinformação, para outras situações com idênticos conteúdos, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 2º, inclusive nos casos de sucessivas replicações pelo provedor de conteúdo ou de aplicações.

Ou seja, o dispositivo mencionado autentifica o Presidente do TSE a possibilidade de, monocraticamente e de ofício, estender os efeitos sancionatórios de uma decisão à uma outra causa que, embora seja “idêntica”, não foi provocada. Novamente pelo entendimento de Augusto Aras (2022, p. 37-38), tal medida atribui um nível de discricionariedade desmedida, pois aufere “carta branca” à Presidência do TSE em distribuir sanções sob fundamentação genérica baseada em: “situações com idêntico conteúdo”, fatores que não se ampara no duplo grau de jurisdição e nem nos princípios do juiz natural (XXXVII, art. 5º, CF), da colegialidade (art. 39, da Lei de Nº 8.038/90) e do devido processo legal (LIV, art. 5º, CF).

Ademais, o PGR (2022, p. 36) também aponta este dispositivo como violador direto do princípio constitucional da tipicidade estrita (art. 5º, XXXIX, CF), uma vez que só deveria ocorrer a cominação de multa mediante estipulação legal em sentido estrito, bem como que deveria haver a necessidade de seus devidos legitimados (art. 96 da Lei Nº 9.504/97 c/c art. 24, VI, CE), vedada a atuação de ofício do juiz (ne procedat judex ex officio). 

O ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL QUANTO À CENSURA DE CARÁTER PRÉVIO: 

Nos entendimento do próprio Alexandre de Moraes (2018, p. 2), aquele em posse da Presidência do TSE -instituição que pratica a censura prévia objeto de crítica do presente trabalho-, este sustenta, como ministro do STF e relator na ADI de Nº 4.451/DF, que a liberdade de expressão faz-se uma garantia fundamental cujo não deve sofrer óbices de censura, mesmo que arraigada de opiniões “duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias” e ainda que errôneas. 

No julgamento da ADPF 130/DF de 2009, no qual o STF julgou inconstitucional a antiga lei de imprensa por entender que esta previa atos de censura, percebe-se os dizeres da ministra Cármen Lúcia (2009, p. 99) “não apenas para o cidadão, mas para a garantia da cidadania em relação a quem eventualmente exerce os cargos, inclusive os cargos políticos, a liberdade de imprensa é mais que imprescindível para se ter uma verdadeira democracia”. Cumula-se este arguido com os dizeres na ementa desta mesma ADPF: “A ‘plena’ liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia”. 

Neste tocante, resta consagrada que, sendo considerada a existência da censura prévia organizada pelo TSE em sua forma errônea de combater fake news, este gera rupturas à democracia sob o pretexto de combater a desinformação e resguardar essa mesma democracia, baseando-se em uma contradição jurisprudencial em sua atuação, um verdadeiro paradoxo jurídico. 

CONCLUSÃO: 

Há de se valer que é sabida a necessidade indissociável da liberdade de expressão, de manifestação do pensamento, de imprensa e seus resguardos contra a censura como intrínsecos à própria democracia, de modo que faz-se incabível a incidência de censura prévia. 

É perceptível o alto índice de notícias falsas veiculadas com o intuito de viciar a consciência das pessoas para que, embasado nessas fakes news, tenham seu voto influenciado, resultando na consideração da ameaça à democracia devida a alta incidência do compartilhamento do conteúdo enganoso. 

Nota-se que, como medida de repressão à veiculação das fake news, o TSE editou a Resolução nº 23.714, atribuindo a si poderes para suspender perfis, contas e canais de redes sociais que sejam flagrados compartilhando notícias falsas de forma “contumaz”, bem como de agir de ofício para imputar sanção em caso diverso do julgado pelo colegiado, caso estes sejam “idênticos” entre si. 

Reitera-se que essa medida lesa a própria democracia, haja vista a violação à tipificação estrita, ao duplo grau de jurisdição e ao devido processo legal, no que se refere a agir de ofício. E à liberdade de expressão, de manifestação de pensamento, do exercício profissional, de informar e ser informado e ao estado democrático de direito, no que se refere a atribuir a punição de suspensão completa da conta como forma de sanção. Bem como a incidência das lesões geradas ao artigo 105 da Lei Eleitoral na formação dessa Resolução. 


André Vieira

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição

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