Afinal, qual era a independência defendida por Ayn Rand?

“Ninguém consegue nada sozinho!” Essa foi uma das mensagens proferidas em uma palestra da qual participei recentemente. O mais interessante foi o palestrante fazer referência ao objetivismo, sistema filosófico desenvolvido por Ayn Rand, dizendo o seguinte: “Uma vez me disseram que esta frase fere uma das premissas de Ayn Rand… Bom, então sua premissa estava errada.”

Outra vez, li uma frase do empreendedor Shadi Bakour onde o mesmo afirmava: “Não tenha medo de falar com as pessoas sobre suas ideias. Ninguém faz nada sozinho.”

Antes de tudo, é importante destacar a importância que Ayn Rand dava à primazia do indivíduo, ou seja, ela colocava o indivíduo como o centro de tudo, sendo o homem um fim em si mesmo. Isso significa que nenhum homem deve ser um meio para os fins de outros homens, e que cada indivíduo tem suas próprias motivações. É seu direito viver uma vida segundo seus interesses, desde que não viole os direitos dos outros.

Nesse sentido, ela defendia a razão como a ferramenta fundamental para a tomada de decisões, o que levaria os indivíduos a prosperarem, guiando-os para uma vida repleta de realizações. Ela acreditava que as pessoas deveriam buscar seus próprios interesses de forma consciente e racional, evitando serem controladas ou manipuladas pelos outros.

Mas o que tudo isso tem a ver com as frases apresentadas pelo palestrante e Shadi Bakour? Mais do que isso, a qual premissa exatamente o palestrante se referiu? Sua frase (assim como a de Bakour) fere, de fato, esta premissa? Se o leitor ficou curioso, siga comigo até o final deste artigo para que possamos ter uma compreensão mais clara sobre algumas das ideias da autora mais controversa dos últimos tempos – Ayn Rand.

Em um dos trechos do romance “A Nascente”, a autora deixa claro o valor que ela atribuía à independência do indivíduo:

“– Se me quiserem, terão que me deixar fazer tudo sozinho. Eu não trabalho com conselhos.

– Você quer recusar uma oportunidade como esta, um lugar na história, uma chance de fama mundial, praticamente uma chance de imortalidade…

– Eu não trabalho com coletivos. Não consulto, não coopero, não colaboro.”

O trecho acima mostra um diálogo entre Howard Roark, protagonista do romance, e o presidente do comitê de um projeto para o qual Roark foi convidado a participar.

O diálogo é tendencioso, nos levando a crer que, de fato, o indivíduo não deveria participar de qualquer coletivo que seja, como grupos estudantis, empresariais, associações de bairro, etc. Ou seja, este deveria atuar completamente sozinho, independente, isolado e se tornar um verdadeiro eremita. Será?!

Para não cometermos esse equívoco, vale destacar que, embora Rand tenha feito uso da ficção para disseminar seus ideais, ainda assim, trata-se de ficção, o que é de se esperar que haja elementos com boas doses de exagero. Assim, suas obras de ficção devem ser lidas não no sentido literal, mas de modo que sua filosofia seja compreendida na sua essência. Certa vez, como bem me disse um professor objetivista, não que tenhamos que ser como Roark propriamente dito, mas que saibamos tomar decisões com base em seus princípios e valores.

Além disso, no capítulo 13 do volume desta mesma obra, há, no meu entendimento, um dos diálogos mais importantes do livro, entre Roark e Auste Heller (um dos seus clientes que viera a se tornar seu amigo). Na conversa, Roark faz referência ao homem ideal defendido por Ayn Rand. No contexto deste diálogo, Roark vinha enfrentando problemas na captação de novos clientes. Diante desta situação, Auste Heller questiona Roark o que ele pretendia fazer a respeito. Segue:

“– Então o que vai fazer? Não está preocupado? 

– Não. Eu já sabia. Estou esperando. – Pelo quê? 

– Pelo meu tipo de pessoa. 

– Que tipo é esse? 

– Não sei. Ou melhor, eu sei, mas não sei explicar. Muitas vezes desejei poder explicar. Deve haver um princípio que o defina, mas eu não o conheço. 

– Honestidade? 

– Sim… não, apenas parcialmente. Guy Francon é um homem honesto, mas não é isso. Coragem? Ralston Holcombe tem coragem, à sua maneira… Não sei. Não sou vago assim com as outras coisas, mas reconheço meu tipo de pessoa pelos seus rostos. Por algo em seus rostos. Milhares passarão pela sua casa e pelo posto de gasolina. Se, entre esses, uma parar e enxergar, é só disso que eu preciso. 

– Então, no fundo, você precisa das outras pessoas, não é, Howard? 

– Claro. De que você está rindo? 

– Sempre achei que você era a criatura mais antissocial que eu tive o prazer de conhecer. 

– Preciso das pessoas para que me deem trabalho. Não construo mausoléus.”

Estamos então diante de uma contradição? Pois enquanto o primeiro diálogo destaca a importância da independência do indivíduo, o segundo mostra Roark ressaltando claramente sua dependência em relação às outras pessoas.

Ora, lembremos de uma das frases célebres de Rand: “Não existem contradições. Sempre que você achar que está diante de uma, verifique suas premissas. Você vai descobrir que uma delas está errada.” (Ayn Rand)

E de fato, uma delas está! O ponto é: assim como dito pelo próprio Roark na segunda citação, nós precisamos uns dos outros evidentemente, seja para negociar, se relacionar, desenvolver um grande projeto, etc. Os exemplos são diversos. Alguém que se formou em Engenharia Civil, por exemplo, necessita se consultar com um médico quando se vê com problemas de saúde. Ou vice-versa, isto é, um médico necessitará dos serviços de um construtor para que tenha sua casa erguida, obviamente.

Mas o grande “X” da questão, no entanto, reside no fato de que é sempre responsabilidade do indivíduo refletir, criticar, analisar e julgar sobre as informações recebidas, seja por um médico, vendedor, advogado, etc. Deve o indivíduo, por conta própria, chegar à conclusão de que aquelas informações são coerentes, verdadeiras, assertivas ou não. É o indivíduo quem define o que é ou não imoral para ele, o que é ou não do seu agrado, bom ou ruim. E não os outros.

À título de exemplo, considere o caso de João, um jovem talentoso e apaixonado por música desde a infância. Ele possui um dom natural para a composição e a performance, e sonha em seguir uma carreira no mundo da música. No entanto, seus pais têm uma visão diferente para o futuro de João. Eles acreditam firmemente que a medicina é o caminho mais seguro e estável para o sucesso e a estabilidade financeira.

João enfrenta uma encruzilhada entre seguir sua paixão pela música ou ceder à pressão dos pais e ingressar em uma faculdade de medicina. Ele compreende a importância de suas escolhas e a responsabilidade de definir seu próprio caminho na vida.

Mas antes que eu continue, me diga: se você fosse João, qual seria sua escolha?

Já retornamos a essa questão.

Voltemos agora às perguntas levantadas no início do artigo. Isto é, a premissa referida pelo palestrante e o princípio o qual Roark se referiu no primeiro diálogo, é a independência intelectual e moral, ou seja, independência de consciência. E não, a frase proferida tanto pelo palestrante como por Bakour não fere esta premissa, pois, como foi bem exemplificado pelo próprio Roark: 

“– Preciso das pessoas para que me deem trabalho. Não construo mausoléus.”

Finalmente, entendemos agora que a independência defendida por Rand está diretamente vinculada a uma das virtudes mais relevantes do seu sistema filosófico, a racionalidade. Sendo o homem um fim em si mesmo, ele independe intelectualmente e moralmente dos outros e, deste modo, faz uso da sua própria razão.

Em síntese, o indivíduo não é totalmente independente, no sentido amplo da palavra, mas o é no sentido intelectual e moral.

Mas e quanto ao João?

Bom, ao aplicar os princípios de independência intelectual e moral, João decide ter uma conversa honesta e respeitosa com seus pais. Ele compartilha seus sentimentos e explica como a música o completa de uma maneira que a medicina jamais poderia. João apresenta argumentos fundamentados em sua convicção pessoal e na crença de que, ao seguir sua paixão, ele poderá contribuir de forma significativa para o mundo.

Neste exemplo, João ilustra como a independência intelectual e moral o guia na tomada de decisões cruciais em sua vida. Ao escolher trilhar o caminho da música, ele demonstra a importância de viver de acordo com seus próprios interesses e valores, mesmo quando confrontado com expectativas e pressões externas.


Eduardo França

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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