A Armadilha da Mediocracia: Como o PL 8.889/2017 Ameaça a Liberdade e a Inovação no Streaming

A Armadilha da Mediocracia: Como o PL 8.889/2017 Ameaça a Liberdade e a Inovação no Streaming

Nos últimos anos, o Congresso Nacional tem debatido projetos de lei que levantam sérias preocupações sobre a liberdade de expressão e os direitos individuais dos cidadãos brasileiros. Entre esses projetos, destaca-se o Projeto de Lei 8.889 de 2017, que pretende taxar os serviços de streaming e redes sociais, ao mesmo tempo, em que isenta certas plataformas nacionais como, por exemplo, a Globoplay.

O PL 8.889/2017 propõe uma série de medidas que incluem a imposição de cotas de conteúdo nacional e a criação de uma tributação progressiva sobre as receitas das plataformas de streaming. Essas medidas são justificadas como uma forma de promover a produção audiovisual brasileira e garantir a diversidade cultural. No entanto, ao impor restrições e obrigações financeiras desproporcionais a certas empresas, enquanto isenta outras, o projeto de lei cria uma desigualdade de mercado, ameaça a livre concorrência e a liberdade de expressão.

Logo em seu artigo terceiro, o PL 8.889/2017 propõe que “a regulação e fiscalização da atividade de comunicação audiovisual por demanda será de competência da Agência Nacional do Cinema – ANCINE” Brasil (2017). Um exemplo histórico que ilustra os perigos da ampliação dos poderes governamentais é a criação do “Office of Censorship” nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Essa agência foi responsável por implementar censura e propaganda, servindo como um alerta de como o aumento do controle estatal pode levar à repressão da liberdade de expressão  (Sandefur, 2022). No Brasi, entre1964 e 1970, funcionou o Serviço Nacional de Informações (SNI), com o mesmo objetivo. Fato é que economias centralizadas e sistemas coletivistas dependem da coerção, enquanto as economias livres permitem a cooperação voluntária baseada no conhecimento local dos indivíduos​.

Segundo Rand, a busca pelo interesse próprio e pela felicidade individual são fundamentais para o progresso e a prosperidade econômica. Por isso, o capitalismo é o único sistema que reconhece os direitos individuais, incluindo os direitos de propriedade, e todas as relações humanas em uma sociedade capitalista são voluntárias (RAND et al., 2008).​

A imposição de cotas de conteúdo nacional e a criação de barreiras financeiras não só limitam a liberdade de escolha dos consumidores, mas também forçam as empresas a financiar produções que podem não atender aos padrões de qualidade ou às preferências do público. A liberdade é fundamental para a mente racional funcionar e qualquer forma de coerção impede o exercício da razão.

O PL 8.889, ao impor taxas sobre certos serviços e isentar outros, interfere diretamente na liberdade de escolha dos consumidores. Isso resulta em um ambiente de mediocridade, onde a inovação e a excelência são substituídas por uma complacência incentivada pelo estado. Além disso, o PL 8.889 complica desnecessariamente a compreensão e a operação do mercado ao adicionar camadas de regulamentação e restrições. Leis que impõem regulamentações arbitrárias, como as taxas sobre serviços de streaming, introduzem incertezas e ambiguidades que prejudicam a clareza e a eficácia do mercado livre e favorecem a corrupção e a ilegalidade.

Um exemplo ilustrativo é a tributação sobre cigarros no Brasil. Nos últimos anos, o aumento dos impostos sobre cigarros legais resultou em um crescimento significativo do mercado ilegal. Entre 2015 e 2019, o preço do cigarro legal subiu 16,3%, de R$ 6,45 para R$ 7,50, enquanto o cigarro contrabandeado era vendido por um preço médio de R$ 3,00. Especialistas apontam que essa disparidade de preços é reflexo de políticas tributárias como o aumento do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos cigarros em 2012 e a definição de um preço mínimo de venda no varejo, conforme o Decreto 8.656/2016 (Poder360, 2023). O aumento de impostos sobre produtos lícitos frequentemente leva à migração para alternativas ilegais ou piratas, evidenciando como a elevação de tributos pode ter efeitos contraproducentes e prejudicar o mercado legítimo.

Em relação aos serviços de streaming, o aumento dos custos associados a esses serviços em países que adotaram taxas semelhantes às propostas no PL 8.889/2017 tem levado ao crescimento significativo do consumo de conteúdo ilegal. A pirataria, oferecendo acesso gratuito e descomplicado às mídias, atrai consumidores que buscam evitar os elevados custos impostos pelas novas tributações (Bandeira, 2019). 

Esse fenômeno não só prejudica as receitas das plataformas legais, mas também enfraquece os esforços para combater a pirataria e proteger os direitos autorais. A experiência internacional demonstra que medidas como essas tendem a criar um ambiente propício para o crescimento do mercado ilegal, em vez de fortalecer o setor formal e regulamentado.

Além disso, o Marco Civil da Internet estabelece princípios fundamentais de neutralidade da rede e livre-iniciativa (Brasil, 2014), visando garantir que todas as informações na internet sejam tratadas de forma igual, sem discriminação ou cobrança diferenciada por conteúdo, origem ou destino (PACHECO, 2019). 

Esses princípios são cruciais para assegurar que o ambiente digital permaneça livre e competitivo. O PL 8.889/2017, ao introduzir tributações específicas e isenções para determinados serviços, claramente viola esses princípios ao criar um cenário de discriminação e tratamento desigual entre diferentes fornecedores de conteúdo. Isso não apenas prejudica a livre concorrência, mas também limita o acesso igualitário à informação, contrariando os objetivos do Marco Civil da Internet.

Outrossim, ao privilegiar certas empresas, o governo distorce o mercado, prejudicando a competição saudável e impedindo que novos talentos e ideias floresçam livremente. A interferência estatal excessiva na economia é prejudicial tanto à inovação quanto à qualidade dos serviços oferecidos. 

Mises destacou em seus trabalhos que a economia de mercado, caracterizada pela soberania do consumidor e pela liberdade de empreender, é essencial para o desenvolvimento econômico e social. Mises argumentava que a ação humana é sempre racional e propositada, baseada em escolhas individuais que visam alcançar objetivos específicos (LUDWIG VON MISES, 2012). Ele destacava que a economia é uma ciência apriorística, onde o conhecimento é derivado da lógica e não da experiência empírica.

Ao impor regulamentações que favorecem certos players em detrimento de outros, o PL 8.889/2017 viola princípios, como do livre mercado, livre concorrência e da isonomia, comprometendo a integridade do mercado de streaming no Brasil.  Ao forçar os consumidores a financiar produções nacionais, independentemente de sua vontade, o PL limita a liberdade de expressão e o acesso a uma diversidade de conteúdos que reflete as preferências individuais. Ainda, a intervenção do Estado com a taxação de serviços de streaming, distorce o mercado e os sinais de preços, prejudicando a eficiência econômica.

A liberdade de escolha é um princípio fundamental, sendo uma violação grave forçar os consumidores a suportar conteúdos que podem não atender aos seus padrões de qualidade ou interesse. Essa imposição criaria uma demanda artificial para produtos que, de outra forma, poderiam não ser competitivos. 

A economia de mercado deve ser caracterizada pela soberania do consumidor, onde as preferências dos indivíduos dirigem a produção e a oferta de bens e serviços (LUDWIG VON MISES, 2012). A intervenção estatal que distorce essas preferências não só compromete a eficiência do mercado, mas também viola os direitos individuais de escolha e expressão, fundamentais para uma sociedade livre e próspera.

Outro elemento que PL 8.889/2017 traz é a imposição de cota. O catálogo de títulos ofertados por provedores de conteúdo audiovisual por demanda deverá incluir uma cota de títulos produzidos por produtoras brasileiras (Brasil, 2017). O projeto exige que 10% do conteúdo exibido nos streamings seja desenvolvido no Brasil, com pelo menos 10% desse total produzido por produtoras independentes. Além disso, 5% dos filmes exibidos devem ser criados por produtoras geridas por mulheres, negros, indígenas ou quilombolas.

A imposição estatal de cotas e tributações desestimula a busca do progresso e a inovação, ao criar um ambiente onde a meritocracia é substituída por um sistema de recompensas baseado em critérios arbitrários definidos pelo estado e ao obrigar as empresas a financiar produções nacionais, a legislação reduz os incentivos para que produtores e criadores se esforcem para alcançar a excelência e atender às verdadeiras demandas do mercado.

Deve-se lembrar que o self-interest e busca da felicidade são essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade próspera e democrática, pois motiva os indivíduos a criar, produzir e melhorar continuamente. A intervenção Estatal, ao premiar a mediocridade e não a excelência, promove uma cultura de complacência, onde a inovação e a qualidade são sacrificadas em prol de uma agenda política ou ideológica. 

Como observado por Mises, a economia apenas prospera quando os indivíduos são livres para buscar seus próprios interesses e competir em pé de igualdade. 

O PL 8.889/2017 vai em sentido contrário a esse desenvolvimento, com a imposição de cotas e a redistribuição forçada de recursos, levando a um mercado menos dinâmico e menos inovador. Isso não apenas prejudicaria a qualidade das produções, mas também desvaloriza o esforço e a criatividade dos indivíduos que buscam se destacar por seu mérito e inovação.

Adicionalmente, o PL 8.889/2017 pode resultar no aumento dos custos para plataformas de streaming e redes sociais, impactando diretamente os preços para os consumidores (Brasil Paralelo, 2024). Isso pode desestimular o consumo e afetar negativamente a indústria de conteúdo digital. Além disso, a qualidade das produções pode ser comprometida, uma vez que a inovação e a diversidade de conteúdos seriam substituídas por produções alinhadas com a agenda estatal

Portanto, a promoção da mediocracia, onde o estado premia aqueles que não se esforçam para merecer a atenção do público, é um dos principais riscos do PL 8.889/2017. A flexibilidade e a volatilidade do capitalismo são essenciais para fomentar a concorrência e a inovação. 

O PL 8.889/2017 incentiva um ambiente de complacência, onde a inovação e a qualidade são sacrificadas em prol de uma agenda coletiva. Essa abordagem, além de ser injusta, compromete o desenvolvimento de um mercado audiovisual vibrante e competitivo, que poderia prosperar sem a interferência estatal excessiva.

O monopólio dos Correios sobre a entrega de correspondências no Brasil é um exemplo clássico de falta de inovação devido à ausência de concorrência. A empresa, que detém o monopólio legal desde 1969, tem enfrentado críticas por seus serviços ineficientes e lentos. Sem concorrência significativa, não houve pressão para melhorar a qualidade dos serviços ou inovar nas entregas​.

Outro exemplo seria, durante grande parte do século XX, a AT&T manteve um monopólio sobre os serviços telefônicos nos EUA, o que resultou em pouca inovação e altos custos para os consumidores(How Monopolies Form- Barriers to Entry, 2023). Foi só após a intervenção do governo e a divisão da empresa em 1984 que surgiram inovações significativas e melhorias no serviço.

A experiência internacional com a regulação de serviços de streaming e VOD oferece lições valiosas sobre os efeitos negativos da intervenção estatal excessiva. Na Europa, por exemplo, a imposição de cotas de conteúdo nacional em serviços de streaming resultou em um aumento dos custos para os consumidores e uma redução na diversidade de conteúdos disponíveis (LIBERAL, 2023).

Em contraste, mercados como o dos Estados Unidos, onde a intervenção estatal é mínima, mostram como a liberdade de escolha e a competição podem levar a uma maior diversidade e qualidade de conteúdos, beneficiando tanto os produtores quanto os consumidores.

Empresas como Netflix e Amazon Prime prosperaram em um ambiente de livre concorrência, incentivando a inovação e a excelência. A ausência de cotas e tributações excessivas permitiu que essas plataformas investissem em produções originais de alta qualidade, atendendo às demandas de um público diversificado e global.

Portanto, a análise do Projeto de Lei 8.889/2017 revela uma série de preocupações significativas em relação à liberdade de expressão, aos direitos individuais e à integridade do mercado de streaming no Brasil. 

Ao impor cotas de conteúdo nacional e tributações progressivas, o PL interfere diretamente no direito de escolha dos consumidores, forçando-os a financiar produções que podem não atender às suas preferências.

A imposição estatal, ao desincentivar a competição e a meritocracia, viola esses princípios e ameaça a dinâmica de livre mercado que é crucial para a inovação e o desenvolvimento. 

A comparação com experiências internacionais mostra que mercados com menor intervenção estatal prosperam, oferecendo maior diversidade e qualidade de conteúdo aos consumidores.

Conclui-se que, em vez de promover a mediocracia e a intervenção Estatal, é fundamental proteger a liberdade de escolha e incentivar a competição, permitindo que cada indivíduo busque sua própria felicidade e interesse próprio, sem a imposição de preferências estatais que desconsideram a diversidade de gostos e necessidades do público. 

Finalmente, a busca pelo interesse próprio, é o motor que impulsiona a inovação e a prosperidade. Leis como o PL 8.889/2017 são uma ameaça aos direitos individuais e à liberdade de mercado.


*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


Referências

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BRASIL. Congresso. Senado. Projeto de Lei n.º 8889, de 2017. Dispõe sobre a provisão de conteúdo audiovisual por demanda (CAvD) e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2017.

BRASIL. Lei 12.965 de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 abr. 2014.

EDILSON GONÇALES LIBERAL. A regulação de serviços da tecnologia disruptiva: o caso do Netflix – questões sobre estímulo e enforcement para exibição de conteúdo nacional. Contribuciones a las ciencias sociales, v. 16, n. 8, p. 8234–8246, 1 ago. 2023.

FNCP. Aumento de imposto diminui arrecadação, diz estudo. Poder360. 9, agosto, 2023. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/conteudo-patrocinado/aumento-de-imposto-diminui-arrecadacao-diz-estudo/>. Acesso em: 23 maio. 2024.

LUDWIG VON MISES. Human action: a treatise on economics. Mansfield Centre, Martino, 2012.

PACHECO, Vivian Rainha. A atuação das agências reguladoras frente ao novo modelo negocial da internet: serviços de streaming e video-on-demand. 2019. 98 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

RAND, A. et al. Capitalism : the unknown ideal. New York: Signet, 2008.

REDAÇÃO Brasil Paralelo. Assistir a filmes em streamings vai custar mais caro: aprovação do “PL da Globo” pode pesar no bolso e introduzir cotas identitárias nas produções. Brasilparalelo. 22 de maio de 2024. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/noticias/assistir-a-filmes-em-streamings-vai-custar-mais-caro-aprovacao-do-pl-da-globo-pode-pesar-no-bolso-e-introduzir-cotas-identitarias-nas-producoes>. Acesso em: 30 maio. 2024.

SANDEFUR, T. Freedom’s Furies. [s.l.] Cato Institute, 2022.

Socialsci.libretexts.org. How Monopolies Form- Barriers to Entry. Disponível em: https://socialsci.libretexts.org/Bookshelves/Economics/Principles_of_Microeconomics_3e_(OpenStax)/09%3A_Monopoly/9.02%3A_How_Monopolies_Form-_Barriers_to_Entry.

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