Trajetória Filosófica da Liberdade: Da Antiguidade às Revoluções

Trajetória Filosófica: Da Antiguidade às Revoluções

A discussão sobre a definição do que é, e sobre a limitação da Liberdade, em nossa história, se retrata desde os antigos gregos, gerando sempre grandes embates intelectuais entre os filósofos e intelectuais do mundo. O termo tem sua origem no latim “libertas” e no grego “eleutheria“. Seu conceito etimológico, em suas raízes antigas, estava relacionado a condição do indivíduo que possui o direito de fazer escolhas autonomamente. Mas como a filosofia, principalmente a grega, é necessitada de definição precisa de conceitos, torna a etimológica defasada.

Autonomia e Liberdade são totalmente ligadas e relacionadas na filosofia, especialmente nas ideias de pensadores como Platão (Arístocles) e Aristóteles. Para Platão, por sua concepção provida da ideia de polis, a Liberdade é interpretada como a capacidade de autogoverno e autodeterminação, uma condição em que os indivíduos têm a possibilidade de conduzir suas vidas de acordo com a razão e a virtude.

Esse sentimento de autonomia, levou a Grécia a obter uma grande conquista (por mais que Sócrates e Platão discordassem disso) no processo de externalização dessa condição do indivíduo, a democracia ateniense. Ela, por sua vez, surgiu mostrando que a pessoa humana era autogovernada, autodeterminada, e que isso poderia ser aplicada à polis, assim como outrora pensou a concepção platônica sobre Liberdade.

Para Aristóteles por sua vez, como um filósofo que seguia a corrente do naturalismo, tendo em vista sua teoria do “naturalismo político aristotélico” e suas definições sempre atreladas à natureza do indivíduo e dos objetos de estudo, considerava que a Liberdade é a capacidade de decidir-se a si mesmo para um determinado agir ou sua omissão [Aristóteles, citado por Rabuske (1999, p. 89)].

Em outras palavras, a Liberdade pode ser entendida como a capacidade de agir em conformidade com a própria natureza racional e de exercer as virtudes que levam ao bem-estar e à Eudaimonia (a felicidade plena). Para ele, a Liberdade não era uma mera matéria de escolha aleatória, mas sim a habilidade de discernir e agir de acordo com a excelência moral e o desenvolvimento humano contínuo.

Por lógica, inibir e/ou restringir a pessoa humana de ter seu ato formal de escolha gera, quase que instantaneamente, uma ferida em sua essência. A impossibilidade de agir de acordo com suas vontades e aspirações pode levar a um sentimento de frustração e insatisfação, pois os indivíduos se veem impedidos de perseguir seus objetivos e interesses.

Essa restrição da Liberdade reduz a capacidade dos indivíduos de tomar decisões racionais e agir com base em sua própria razão, resultando em uma perda de autonomia e independência podendo até mesmo limitar as oportunidades de crescimento intelectual e emocional.

A Liberdade é intrinsecamente ligada à dignidade humana. Quando um ser humano é tratado como mero objeto ou tem sua Liberdade violada, lhe causa sofrimento emocional, pode criar um sentimento de ansiedade e desesperança, e ainda leva à sensação de estar aprisionado ou sem escolha, logo sua dignidade é diminuída, e ele pode ter sua humanidade reduzida a uma condição de servidão, escravidão.

Para evitar que essa redução na humanização do ser acontecesse, o Direito nasceu, sendo um instrumento essencial que assegurou a Liberdade dos indivíduos e como resposta em forma de tentativa de sanar a ferida da Liberdade, protegendo-a contra coerções arbitrárias e o abuso de poder. Através de seu uso e dos princípios e definições de Justiça, que na perspectiva aristotélica é uma virtude que precisa estar ligada à Liberdade, emanaram aquilo que é substancial do Direito, que foram as primeiras materializações da associação da essência da dignidade da pessoa humana.

Após a experimentação rudimentar grega com a amplificação da Liberdade e sua externalização através da democracia ateniense, foi a vez dos romanos de desenvolver e aperfeiçoar, dessa vez não o lado político, mas sim, o Direito dentro do Império Romano que ficou conhecido na história por seu sistema jurídico avançado com leis, procedimentos e hierarquias na tentativa de controlar esse cerceamento de Liberdades dentro da sociedade e garantir, a tão cobiçada e importante na sociedade romana, honra de seus cidadãos.

Em um sistema jurídico que prese a Liberdade individual, os cidadãos têm a garantia de que seus direitos serão respeitados e que poderão exercer suas Liberdades sem medo de retaliação ou opressão. Apesar da tirania vigente no período, o indivíduo humano conseguiu mesmo assim satisfazer debilmente sua potência de Liberdade, exemplo disso são alguns poucos direitos naturais e fundamentais dos cidadãos que foram resguardados.

O Direito tinha o papel de zelar pelas matérias fundamentais dos cidadãos, surgindo e desenvolvendo pensadores voltados para o debate da preservação das Liberdades alheias e criando instituições como tribunais, órgãos de que atuaram nessa defesa, e outros mecanismos judiciais para garantir que qualquer violação desses seja adequadamente tratada e julgada.

Mas, da mesma forma que o ser humano acertou quando gerou os conceitos e tentou defender esse sentimento natural de Liberdade, na mesma dose ele errou, e após toda a produção grega e seu desenvolvimento, sua noção ficou perdida e esquecida por séculos enquanto passou-se pelo período medieval que veio. Com isso se testemunhou uma cultura de dominação militar intensa que levou a população europeia a se submeter e ser submetida à regimes que levaram ao declínio da autonomia política e individual e ao soterramento na história do que um dia já foram as instituições democráticas da Grécia antiga.

O poder político estava cada vez mais concentrado em monarquias absolutas e governos autocráticos. Nesse contexto, a Liberdade política e a participação ativa dos cidadãos foram substituídas por estruturas hierárquicas rígidas de quase impossível ascensão e sistemas de governo totalitários, reduzindo a ênfase na Liberdade individual como elemento-chave da vida política.

A sociedade feudal predominante na Idade Média também estava baseada em relações hierárquicas, como a relação senhor-vassalo e a servidão. Os servos tinham pouca ou nenhuma Liberdade em relação à sua condição e ao seu senhor. Nesse contexto, a Liberdade era vista como um privilégio concedido por uma posição de poder ou como uma busca espiritual, em vez de ser inerente a todos os seres humanos. 

Essa situação começou a mudar com os burgueses que começaram a vender os excessos de produção dos feudos nos burgos, dando início à uma versão rudimentar e que ainda viria a ser o capitalismo. Tais transações comerciais permitiram um leve acúmulo de riqueza e uma possível ascensão dentro da sociedade. Não eram nobres (muito pelo contrário, sempre foram classes rivais) mas suas capacidades de renascimento do comércio, por mais dificultadas que foram pela nobreza, os deixavam em patamares de riquezas que incomodava a aristocracia.

No entanto, a sociedade da época ainda era dominada por governos absolutos, e a chama gritante desesperada para atender ao pedido da natureza humana que ansiava por Liberdade veio à tona incendiando a Europa em revoltas e revoluções no que se iniciou sendo a época do Iluminismo e das Revoluções Industriais.

Quando ocorreram tais conflitos dos indivíduos se revoltando contra as figuras estatais, clamou-se por Liberdade, fraternidade e igualdade entre as camadas sociais, requisitando o fim dos privilégios de classes (por mais que isso nunca tenha acontecido até mesmo atualmente), e exigindo que a Justiça fosse aplicada de maneira uniforme e sem distinção de nobres e plebeus. 

Estabeleceu-se assim por força bruta uma resposta à altura de todo o cerceamento deste sentimento humano durante séculos, depondo dos tronos aqueles que acreditavam que só por usar um círculo de metal na cabeça, possuíam o direito de renegar a capacidade de, assim como Aristóteles pensou, decidir-se a si mesmo para um determinado agir.

Em resumo, conclui-se que mesmo com os avanços e retrocessos através da história; mesmo com os períodos de trevas na humanidade; mesmo com o histórico de dominação de outros povos; a pessoa humana é inerentemente livre, e a sua natureza querendo se desenvolver continuamente foge da privação causada a sua dignidade, se voltando assim à sua essência racional e virtuosa. Busca sempre preencher este vazio que a ferida do cerceamento do ser deixou, tentando alcançar o máximo de sua potência que a Liberdade pode provê-lo.


Enzo Pompeu

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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