Resenha: Hate, Nadine Strossen

Nadine Strossen nasceu em 18 de agosto de 1950 em Nova Jersey, escreveu, ensinou e defendeu extensivamente nas áreas de direito constitucional e liberdades civis. Ela lançou Hate em 2018 na época em que as discussões acerca da criação de leis em prol do combate dos “discursos de ódio” estavam em alta.

Os termos “discurso de ódio” e “crime de ódio” tem como ideia central englobar visões de ódio e discriminatórias contra grupos específicos, principalmente aqueles que sofreram com isso historicamente. Entretanto, as pessoas ampliaram o significado, e agora qualquer mensagem que a maioria das pessoas discorda ou rejeita, já é considerada discurso de ódio

Se tivermos como pressuposto a não popularidade de uma ideia para censurá-la, até os antinazistas, por exemplo, poderiam ser censurados em uma comunidade que simpatiza com ideias nazistas. É a liberdade de expressão, portanto, que permite o questionamento de ideias muitas vezes absurdas, mas que a maioria em determinada época pode concordar.

Atualmente equiparam discursos com violência e isso é preocupante. Já que o fato de encontrar ideias contrárias e muitas vezes de fato odiosas é o que gera discussão e a possibilidade de debate através de análise e refutação.

Outro ponto importante é que alguns estereótipos discriminatórios proferidos muitas vezes são mais pela ignorância ou insensibilidade do que por sua malevolência. Então o combate dessas ideias deve ser feito de modo adequado para cada situação e para cada pessoa, usando o diálogo certo.

Já que permitir que o governo puna o discurso considerado de ódio baseado no dano minimamente alcançado, levará a uma caça às bruxas.

Discursos sobre questões raciais, como privilégios dos brancos ou racismo, são considerados discursos de ódio pelo grupo contrário. Mas, isso não é uma regra apenas para esses grupos, isso é aplicável para diferentes grupos nas mais variadas situações, basta apenas que o grupo que está recebendo esse discurso sinta-se ofendido e seja contrário a manifestações dessas opiniões.

Essas pressões oriundas de grupos coletivistas acabam se transformando em leis e eis aqui o maior erro dos indivíduos: deixar que o governo controle suas opiniões, sendo que essas não prejudicam ou violam os princípios naturais dos seres humanos. Também, como é impossível limitar o que é e o que não é discurso de ódio em um caráter neutro, acaba que a análise do discurso fica a cargo da maneira como é feita a denúncia e como as autoridades analisam, tendo caráter subjetivo.

Isso não quer dizer que o discurso de ódio não tem consequências negativas para quem é proferido, mas em caráter universal, o poder dado ao governo em censurar a expressão dos indivíduos tem consequências muito severas e irreversíveis em diferentes níveis na liberdade individual. Podendo, inclusive, prejudicar os grupos mais vulneráveis e minoritários que o governo deveria proteger — o que, na prática, se confirma.

Entretanto, historicamente verifica-se que a liberdade de expressão deixa os indivíduos aptos a se proclamarem contra as injustiças do governo. O exemplo disso é os abolicionistas, eles eram atacados pelos seus discursos para combater o racismo e a escravidão, esses ataques vinham de pessoas que censuravam e cometiam esses crimes. A liberdade de expressão serviu como arma para mudar uma cultura mundial e, mesmo que tenhamos vestígios dessas culturas em nossa sociedade atual, é através da liberdade de expressão que podemos modificá-la. A parte assustadora dessa lógica é que os defensores das leis contra o discurso de ódio utilizam os mesmos argumentos daqueles que eram contra os abolicionistas. Outro exemplo é analisar a manifestação da comunidade LGBT, que necessita da liberdade de expressão para alterar a cultura tradicional da sociedade inserida, bem como buscar o fim de leis que impedem a busca pela felicidade.

Um dos espaços que mais podemos perceber a censura, nos dias atuais, é a universidade — principalmente as públicas. Para além de normas institucionais, os próprios estudantes e professores estão defendendo a punição para quem utilizar o discurso de ódio. Mesmo que algumas universidades privadas mantenham a defesa da liberdade de expressão na base dos seus valores, é notável que as contrárias detêm um poder relevante nas mudanças culturais da nossa sociedade.

Então, quais razões nos levariam a ser contrários a essa punição? Bom, como afirma Nadine, a missão do livro é explicar os motivos que nos levam a defender a liberdade de expressão perante a lei e que isso deve incluir o discurso de ódio, considerando o governo como principal inimigo, mas fazendo observações sobre o setor privado que alimenta o poder governamental sobre as escolhas individuais. O primeiro ponto é que, como mencionado anteriormente, as justificativas para a criminalização do discurso de ódio são as mesmas utilizadas historicamente contra grupos que expressavam ideias contrárias ao pensamento geral da sociedade. Pesquisas apontam que a liberdade de expressão é uma das ferramentas mais importantes na construção do indivíduo. Assim, afirma Nadine que “a fala tem um valor positivo aumentado e um potencial negativo reduzido quando contrastada com a maioria das formas de conduta o que lhe garante, portanto, uma proteção especial” (p. 17).

A liberdade de expressão é a base para quem busca os direitos democráticos e a igualdade perante a lei. Nos últimos anos os países que defendem a democracia mantêm suas guerras acirradas contra os defensores das leis do discurso de ódio, pois conhecem o estrago que concordar com elas trouxe para diferentes sociedades ao longo da história. Mas, existem Estados que se dizem democráticos que estão tentando colocar essas leis do discurso de ódio em prática, mesmo tendo conhecimento das consequências negativas para a sociedade, talvez, pelos motivos que levaram alguns países a regimes totalitários no último século.

Muitas empresas privadas estão aderindo a essas questões relacionadas à defesa das leis do discurso de ódio, sendo que eles serão os primeiros a sofrerem com as opressões governamentais. Podemos pegar como exemplo a punição que o ex-presidente dos EUA sofreu ao manifestar sua opinião no Twitter, ou as contas do Instagram que estão sendo atacadas diariamente pelo algoritmo, pois tem alguma manifestação que esses consideram discurso de ódio.

Ao finalizar o primeiro capítulo, a autora deixa duas justificativas éticas sobre a importância de sermos contrários à aplicação de leis contra o discurso de ódio. Sendo a primeira que não há evidências de que o discurso de ódio, se protegido constitucionalmente, trará benefícios para a sociedade — mas tem registros provando o contrário. Segundo, mesmo que a primeira estivesse comprovada, não haveria redução real de danos. E, por último, mesmo que as duas anteriores estivessem erradas, deveríamos nos opor às leis por ferirem diretamente a democracia e a liberdade de expressão.

Importante mencionar que a neutralidade do ponto de vista e os princípios de emergência são essenciais para proteger a expressão e, em particular, pontos de vista divergentes. Nesse caso, a única questão que resta é se devemos — ou podemos — fazer uma exceção especial para “discurso de ódio” protegido constitucionalmente.

Já que na própria Constituição dos EUA já se encontram situações em que a liberdade de expressão apresenta exceções como: no setor privado, regulamentações com ponto de vista neutro, instalações para fins especiais, discurso do governo, ameaças verdadeiras e explícitas, incitação punível, palavras de combate, assédio, facilitador de conduta criminosa.

Então, o governo não pode regular o “discurso de ódio” apenas por sua mensagem ser desfavorecida, perturbadora ou temida. Mas o governo pode restringir a “incitação ao ódio” quando direta, demonstrável e iminente causar certos danos sérios específicos e objetivamente determináveis

Fora isso, existem aqueles que defendem maior regulamentação da liberdade de expressão e que são a favor da formulação de leis contra “discurso de ódio”. Entretanto, ao formular tais leis várias incógnitas começam a aparecer:

Qual lista de características está correta? A definição da União Europeia de “discurso de ódio” ilegal contém uma lista típica: “raça, cor, religião, descendência ou origem nacional, ou étnica”. Outras leis delineiam muitas características adicionais, incluindo (em ordem alfabética) idade, classe, origem familiar, situação familiar, situação financeira, gênero,…

As “leis de discurso de ódio” deveriam punir declarações sobre certos eventos históricos? Por exemplo, a muitos países proibiram a negação do Holocausto e outras declarações sobre isso, até com pena de prisão.

O tamanho e a natureza do público importam? Ou seja, a lei deve ter como alvo o discurso proferido especificamente a um único indivíduo ou a um pequeno grupo de indivíduos, ou deve também punir expressões generalizadas de ideias, incluindo aquelas abordadas em uma palestra, entrevistas na mídia, site ou publicação?

Deve ser avaliado o orador ou o alvo do discurso? Alguns defensores dessas leis afirmam que elas não devem ser aplicadas de forma neutra a todos os alvos do discurso. Ao contrário, devem proteger apenas indivíduos ou grupos historicamente menosprezados. Esta abordagem seletiva também é altamente problemática na prática, como exemplo, se um homem branco que nunca chegou à faculdade deprecie um homem negro com Ph.D., neste caso, levar-se-ia em conta a questão racial ou de desigualdade financeira e educacional para definir quem seria protegido?

No ambiente acadêmico, as regras de “discurso de ódio” devem ser aplicadas da mesma forma que em outros ambientes ou por ser um local de frequente discussão de ideias essas leis teriam que ser mais brandas?

Funcionários públicos e candidatos políticos deveriam ser isentos das leis de “discurso de ódio” devido à importância de ouvir seus pontos de vista?

A lei deve impor sanções punitivas, como multas monetárias ou prisão, ou deve, em vez disso, adotar uma abordagem educacional?

Que demonstração de danos as leis devem exigir? De acordo com as leis de “discurso de ódio”, porém, o discurso é punido apenas por sua tendência prejudicial. Essa abordagem de responsabilidade objetiva é muitas vezes aplicada ou defendida considerando apenas a percepção do reclamante sobre o discurso desafiado sem considerar o estado mental do falante. Por exemplo, professores já foram punidos e até demitidos, meramente por proferir termos depreciativos durante discussões de classe, mesmo que o fizessem para tornar pedagogicamente pontos pertinentes.

Sobre o dano do discurso odioso e como respondê-lo, Nadine Strossen não nega que a fala tem impacto potencial sobre nós, inclusive que o “discurso de ódio” contribui a danos psíquicos e emocionais a algumas pessoas depreciadas. Entretanto, depende de todos os fatos e contextos, incluindo as características e circunstâncias individuais do falante e do indivíduo que recebe a informação. Ou seja, o modo como o discurso é visto depende tanto da intenção de quem fala quanto de quem escuta ou lê determinado termo ou expressão. Alguns especialistas, inclusive afirmam que, pelo menos em algumas circunstâncias, a saúde mental das pessoas é realmente prejudicada por protegê-las de uma fala à qual têm reações psíquicas negativas, incluindo “discurso de ódio” constitucionalmente protegido. Ou seja, esse dano potencial não é muito bem claro nem entre especialistas.

De todo modo, a ideia é que podemos — e devemos — elevar nossa capacidade de resistir ao potencial doloroso de palavras odiosas, discriminatórias direcionadas a nós, enquanto também nos tornamos mais sensíveis a tais palavras direcionadas aos outros.

Devemos educar os indivíduos ao receber a informação, saber lidar ou lutar com ela.

A autora cita um estudo de Laura Leets da Universidade de Stanford- Departamento de Comunicação. Ela recrutou judeus e LGBT estudantes universitários para ler várias mensagens anti-semitas e homofóbicas, respectivamente, e perguntou como eles responderiam se tivessem sido os alvos dessas mensagens odiosas. A grande parte deles disse que responderia com silêncio. Essa arma poderosa que não valorizamos que pode ser recebida como desdém, ao mesmo tempo que nega aos oradores detestáveis a atenção que procuram e muitas vezes obtêm gerando controvérsia.

Outro método já bem difundido hoje chamado contra-fala ou contra-discurso em que ocorre uma contraposição orgânica e social contra os discursos considerados de ódio, sem ser necessário haver leis. A autora cita um caso de Daniel Alves, um jogador de futebol brasileiro que recebeu um gesto racista quando um espectador jogou uma banana nele, no meio do campo, e posteriormente a essa situação outro jogador postou uma imagem de si mesmo comendo uma banana, usando a hashtag #Somostodosmacacos, essa hashtag se espalhou rapidamente e milhares de pessoas postaram selfies comendo banana em apoio espontâneo.

Um problema relacionado com a defesa do contra-discurso por aqueles que são alvo do “discurso de ódio” é que é indiscutivelmente injusto esperar que as pessoas suportem esse fardo; com efeito, isso impõe às vítimas do discurso pelo menos parte da responsabilidade de retificar seus potenciais danos. Embora este seja um problema significativo, existem considerações para compensação. Em primeiro lugar, é claro que esses indivíduos não têm o dever de se envolver em contra-discursos. Em segundo lugar, outras pessoas em nossa sociedade, que estão comprometidas com a igualdade e a dignidade individual, têm a responsabilidade moral de condenar o “discurso de ódio” e expressar apoio às pessoas a quem o discurso é direcionado. Terceiro, o tempo, o esforço e a energia que as pessoas menosprezadas gastam para se engajar no contra-discurso podem ser vistos como um investimento sólido que trará benefícios para eles pessoalmente, bem como para todos os envolvidos.

Diante desse problema, ela cita Barack Obama “pode não parecer justo, mas… se você quiser tornar a vida mais justa, deve começar com o mundo como ele é.”

Também é importante haver interação e divulgação nas mídias, instituições governamentais e do setor privado deveriam mostrar sempre mais diversidade e interação entre todos os grupos sociais. Além disso, a forma efetiva de reduzir atitudes negativas das pessoas em relação a membros de qualquer grupo social é dar-lhes uma oportunidade de se conhecerem uns aos outros. Então, quanto mais o ambiente for diversificado, mais respeito e diminuição da discriminação teremos. Além de uma estratégia educacional de transmitir informações precisas e positivas sobre grupos tradicionalmente marginalizados.

Outro ponto que a Nadine levanta é que podemos evitar o uso de algumas palavras em uma apresentação escrita ou oral para não provocar reações negativas de alguns leitores ou membros da plateia, desnecessariamente chateando-os e também desviando da questão sendo discutida. Ou dando “alertas gatilhos”, alarmando uma audiência que alguém irá usar linguagem ou discutir um tópico que possa chatear alguns que ali estão.

Por fim, um pedido de desculpas não coagido tem imenso poder, palavras conciliadoras, na forma de desculpas sinceras, podem ter benefícios psicológicos e fisiológicos positivos, então se as pessoas fossem incentivadas a se desculparem ao perceber que tiveram atitude discriminatória, isso também ajudaria no combate ao “discurso de ódio”.

Todas essas medidas alternativas de se lidar com o ‘discurso de ódio’ são mais efetivas do que criar leis que combatam isso.

Primeiro que defender essas leis é a mesma ideia de defender que video-games sejam proibidos por incitar violência, Bíblia e Alcorão por incitar ódio entre religiões e livros diversos por incitar ao suicídio, preconceito, etc.

Segundo que essas leis não diminuem a discriminação ou violência entre grupos, um exemplo foi que durante a ascensão dos nazistas ao poder, havia leis criminalizando o discurso odioso e discriminatório na Alemanha sendo aplicadas mesmo contra os principais nazistas, alguns até cumpriram penas de prisão. Mas ao invés de suprimir a ideologia antissemita dos nazistas, esses processos ajudaram eles a ganhar atenção e apoio. Outro exemplo, a Grã-Bretanha quando adotou sua primeira lei de “discurso de ódio” em 1965. Recordando sua própria experiência pessoal de ataques racistas, Kenan Malik (escritor que nasceu na índia) observou que a década seguinte desta lei “foi provavelmente a mais racista da história britânica”, envolvendo até racistas que procuravam asiáticos para espancar.

Terceiro, a lei quando estrita leva as várias incógnitas que mencionamos, e quando é vaga abre brecha para injustiças ao colocar o Estado para definir o que é discurso de ódio ou não.

Quarto, as leis do “discurso de ódio” deixam três opções para aqueles que se inclinam a fazer um discurso odioso e discriminatório, algumas dessas expressões serão conduzidas à clandestinidade (“feita debaixo dos panos”); outros serão camufladas numa retórica mais sutil e outras permanecerão inalteradas, ou talvez até mesmo aumentadas, à medida que os oradores procuram a publicidade que resulta da acusação.

Até a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) em 2015 emitiu um relatório incitando fortemente as nações europeias a buscarem respostas não censuráveis ao “discurso de ódio”. O que é curioso já que nas últimas décadas, muitas nações europeias promulgaram leis de “discurso de ódio” com o incentivo de órgãos regionais, incluindo a ECRI. Então se eles estão percebendo o erro que cometeram, cabe a nós não cairmos no mesmo.

Notas finais da autora: durante muito tempo ela acreditou que esse assunto já estava acabado, que todos haviam entendido que a censura por leis a falas preconceituosas não ajudam grupos marginalizados, porém, deparou-se que vários estudantes e outros membros da sociedade defendendo a derrubada da liberdade de expressão que consta na Constituição dos EUA em sua primeira emenda. Então, alega ser importante a retomada de assuntos como esse para ficarmos alertas e não deixemos passar ideias desastrosas.


Stephanie Teixeira

1 comentário em “Resenha: Hate, Nadine Strossen”

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