“Na Venezuela se vive uma liberdade genuína”
Foi com essa frase, que o jornal espanhol El País começou seu artigo de 1976 sobre os milhares de imigrantes vindos de regimes ditatoriais na América do Sul, e mesmo da própria Espanha, que buscavam na Venezuela um porto seguro para prosperar. Foi por essa época que os venezuelanos ficaram conhecidos em Miami como “dame dos” (me dê dois), numa brincadeira sobre o quão baratos pareciam os produtos em relação à sua renda.
Com o 4° maior PIB per capita do mundo nos anos 50, a Venezuela parecia, enfim, ter encontrado o elemento que faltava na sua história, a estabilidade democrática. Por 3 décadas, essa junção entre um país prospero pela riqueza do petróleo abundante e da estabilidade social, promoveu profundas mudanças, em especial na educação e no combate a pobreza, que ao final dos anos 70 chegou a menos 15%, cerca de metade do índice brasileiro na época.
Em 10 de novembro de 2022, a pesquisa nacional de condições de vida (ENCOVI), coordenada pela Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) – privada – e referência na Venezuela diante da falta de números oficiais, situou em 53% a população em pobreza extrema e em 81,5% o percentual que se encontra em situação de pobreza. O que poderia explicar tal situação?
A resposta seria um controle de câmbio muito forte que o próprio Hugo Chávez impôs em 2003 durante uma altíssima inflação de 30% na Venezuela. Ele teria “ressuscitado” uma empresa estatal que controlava quem ia conseguir comprar dólares, e isso é nacionalizar as importações de alimentos, ou seja, você só consegue importar se o governo deixar você comprar dólares. Esse controle de moeda não chegou a reduzir a inflação, pois ela voltou a subir de forma gradativa, chegando a 40% em 2008, e atualmente chega a 700%. Outro fator da crise no país seria o controle de preços (tabelamento de preço) que foi instalado em 2000 na Venezuela a qual aumentou a escassez de alimentos. Foi a mesma medida que o ex-presidente José Sarney tomou no Brasil levando à escassez da carne e do leite nos mercados.
Mas de onde vem a inflação da Venezuela? A resposta seria devido a uma gestão desastrosa nas contas públicas do país. No ano de 2012, quando o barril de petróleo estava a 120 dólares pelo mundo e na Venezuela 103 dólares, o governo já armava um déficit de 17%, e isso fez com que a moeda venezuelana ficasse mais desvalorizada, gerando a inflação. Ao invés de soltar o câmbio e deixar as pessoas importarem, empreenderem e acabar com o controle de preços, o governo Chávez aumentou os controles destruindo ainda mais a economia da Venezuela, fazendo com que os únicos alimentos que pudessem ser importados fossem os que o governo trouxesse, e isso fez com que o poder fosse concentrado para Chávez.
Vale lembrar que a economia da Venezuela era boa antes do Chávez assumir. O problema é que em 1999, ano que o Chávez assumiu, os produtos que a Venezuela exportou, exceto o petróleo, somaram 4.3 bilhões de dólares com o total de 20 bilhões de exportações. Só que em 2013, no auge do petróleo, as exportações venezuelanas caíram para 3.11 bilhões de dólares, e em 2015 caiu para 3 bilhões de dólares. Comparando com o Cazaquistão, tendo em vista que as duas nações são bem similares pelos fatos de ambos dependerem da exportação de petróleo e o custo de mineração deles serem parecidos, o salário mínimo no Cazaquistão é de 434 dólares por mês. É notório que não é um exemplo de país, mas o Cazaquistão possui 3% de pobreza e a Venezuela possui 83%. Inclusive, até 2019 o governante do Cazaquistão era um ditador autoritário que assumiu o poder em 1990, ou seja, assim como a Venezuela falta democracia no Cazaquistão, e ainda assim, o salário mínimo no Cazaquistão é de 434 dólares por mês.
Por incrível que pareça a desigualdade no Cazaquistão é menor do que a Venezuela, ainda que eles não tenham olhado para a população mais pobre, enquanto o tema mais relevante para o governo Chávez teria sido esse assistencialismo aos pobres. Claro que existe uma justificativa lógica para explicar tal fenômeno que é o índice de facilidade de fazer negócios. O Cazaquistão ocupava 25° posição, estando uma posição abaixo da Irlanda. Já a Venezuela estava na 197° posição, apenas acima da Eritréia e da Somália. Então produzir riqueza no Cazaquistão é mais fácil, enquanto que na Venezuela chega a ser um “crime”.
Dito isso, a queda econômica da Venezuela também veio através de medidas políticas totalitárias de Chávez como a de confiscar produções, confiscar propriedades de seus adversários e de nacionalizar toda a produção. Isso nos leva a um ponto primordial da crise no país que é o socialismo, porque é uma ideologia impossível de ser implementada. Até o próprio Ludwig Von Mises já tinha descrito totalmente em seu artigo em 1920 afirmando que não tem como o socialismo funcionar, porque quando o governo controla os preços, a moeda e proíbe trocas regulando o mercado, ele trava o sistema de preços e impede o cálculo econômico fazendo com que o mercado não seja aquecido.
Nas eleições que Nicolás Maduro teria supostamente “ganhado”, quanto aos seus opositores: Henrique Capriles teve seus direitos políticos cassados por 15 anos, Leopoldo Lopez estava em prisão domiciliar e Antônio Ledezma estava refugiado em Madrid. Ou seja, não existia oposição ao Maduro nessas eleições especificamente.
Por 3 anos o banco central da Venezuela não publicava nenhuma estatística oficial sobre a evolução da atividade econômica, dos preços e do comércio exterior do país. Claro que o governo socialista teria que esconder a miséria de sua economia, não só para seus próprios cidadãos, mas também para seus sabujos ideológicos espalhados por todo o planeta, os quais, até então, podiam escudar na falta de dados oficiais para opinar sobre a calamidade que vive este falido experimento socialista.
Vale ressaltar que, o colapso econômico da Venezuela é muito anterior às sanções impostas pelo governo americano. Até meados de 2017, não havia nenhuma sanção econômica contra a Venezuela, mas sim, sanções pessoais contra alguns membros da alta hierarquia do governo venezuelano. Sanções essas que envolviam o congelamento de ativos e proibição de entrada nos EUA. Apenas em agosto de 2017 que o governo americano implantou uma medida que pode ser razoavelmente considerada uma sanção econômica: cidadãos americanos foram proibidos de comprar títulos do tesouro venezuelano, bem como títulos emitidos pela PDVSA, a estatal petrolífera venezuelana.
Nações se desenvolvem independentemente da intervenção econômica, e não por causa dela. A Venezuela é um dos exemplos do quanto o Estado pode levar um país a falência de forma gradativa. O ano de 2023 começou com um novo governo extremamente intervencionista e que já sinalizou que não possui e nem se importa com a responsabilidade fiscal. É sempre importante nos lembrarmos da história e de exemplos de outros países, para que não tomemos as mesmas ações e não fiquemos ludibriados com ações demagogas e populistas de governos intervencionistas.
*As opiniões do autor não representam o Damas de Ferro enquanto instituição.