Precisamos Ouvir o Som da Liberdade

Precisamos ouvir o Som da Liberdade

Há algumas semanas o filme “Som da Liberdade” foi lançado e com ele vieram diversas polêmicas, as quais foram criadas com um único objetivo: negar a realidade que foi jogada em nossa cara de forma tão crua. Contudo, eu entendo essa fuga, às vezes parece mais fácil fugir do que enfrentar o problema.

Só que o “mais fácil” não é o certo, e devemos sempre buscar o correto, o verdadeiro, o moral, ainda que vá contra o rumo que a sociedade decidiu tomar – talvez principalmente quando for contra a maioria. Estamos negociando vidas inocentes. Sim, estamos, na 1ª pessoa do plural, porque costumamos tratar o assunto como uma “pauta sensível” e, quando o assunto é abordado, logo a pessoa é chamada de conspiracionista, louca ou exagerada.

Se até esse momento você está se perguntando “mas que assunto delicado é esse?” apenas continue a leitura. O filme retrata, de forma resumida, a situação do tráfico de escravos infantis (principalmente para fins sexuais), e as nobres ações de Tim Ballard para salvar o maior número possível dessas crianças – se você está buscando um exemplo a ser seguido nesse âmbito, acredito que ele seja a meta.

“Ah, mas isso é filme, eles exageram os números”. Será que exageram? O Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que 200 mil pessoas desapareceram no país entre 2019 e 2021 – em média 183 pessoas desaparecidas por dia – sendo que crianças e adolescentes representam mais de 30% dessa quantia. O filme, claro, toma como base a realidade estadunidense e colombiana (países onde a história se passa), mas é mais fácil sentir os fatos quando analisamos eles no nosso contexto.

Mesmo com os números exorbitantes, ainda é possível seguir negando a situação, afinal, quem disse que pessoas desaparecidas têm a ver com o tráfico humano? Pois acredite, a chance de um desaparecido ter sido vítima desse crime é maior do que se imagina. Segundo a ONU, o tráfico humano movimenta cerca de 32 bilhões de dólares por ano. No Brasil, entre 2012 a 2019, foram registradas 5.125 denúncias de tráfico humano no Disque Direitos Humanos e 776 denúncias na Central de Atendimento à Mulher. Entre os anos de 2010 e 2022 foram contabilizadas 1.901 notificações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (SINAN). Além disso, 60.251 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão entre 1995 e 2022, segundo dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.

Talvez a parte mais complexa disso é que esses números não representam a totalidade de casos existentes no país. A suposição é de que o número seja bem maior, uma vez que não há um sistema unificado de coleta de dados sobre o tema. Os registros atuais são feitos por órgãos do governo e de instituições que não podem ser somados, considerando que não são utilizados os mesmos critérios para o registro das situações de tráfico.

O filme tem uma cena muito marcante, que inclusive dá nome ao longa, onde as crianças hispânicas, recém-libertas, unem-se numa roda e começam a cantarolar: esse era o som da liberdade. A alegria de se verem livres daquela tortura – psicológica e física – que outras pessoas cruelmente impuseram sobre elas. A cena, descrita assim, talvez pareça simples; mas as crianças devem ser assim mesmo, sem complicações, acreditando que um joelho ralado é o pior mal do mundo – e pudera elas estarem certas.

O fim desse artigo é simples: alertar, espalhar a mensagem, mostrar que não é irreal e tampouco está distante de nós. Pessoas não são propriedade, e a escravidão é talvez a forma mais cruel de anular o indivíduo. Seja a pessoa que fala sobre, que se posiciona contra, não permita que mais vidas sejam destruídas num piscar de olhos, perdendo os pais, a família, a infância, assim, num segundo de distração, confiando inocentemente num estranho aparentemente tão gentil. Precisamos buscar o som da liberdade, manter vivo o sorriso alegre e inocente dos pequenos – como deve ser. Deixem as crianças serem crianças, e protejam as que estiverem ao seu redor.


Lorena Mendes

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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