Afinal de contas, o que faz com que o raciocínio liberal seja diferente de outras escolas de pensamento filosófico, digo isso em sentido puro do termo, afinal de contas, por que alguns filósofos são considerados “liberais” e outros não?
Trata-se de uma questão que vai além do termo “liberdade”, afinal de contas, pessoas diferentes, com intenções diferentes, dizem defender as mesmas coisas, porém no fim das contas, elas estão defendendo coisas radicalmente diferentes. Marx e Adam Smith apregoavam a defesa da liberdade.
A perda do sentido dos termos
No primeiro capítulo de “O caminho da servidão”, obra de F.A Hayek, publicada durante o período da segunda guerra mundial, Hayek demonstra com bastante acurácia o processo pelo qual os socialistas perverteram o sentido original da palavra liberdade, segundo Hayek, a ideia de liberdade, que originalmente como proposta pelos filósofos liberais (que possuem uma perspectiva de liberdade diferente dos filósofos clássicos, por exemplo) era a ideia de “não coerção”, que implicava na concepção de que, grosseiramente falando, o indivíduo só é livre quando não é impedido pelo Estado de realizar as suas potências, isso não interferindo na sua propriedade privada, ou seja, o indivíduo é livre se possui liberdade de propriedade.
No entanto, Hayek demonstra como, através de discursos tanto socialistas quanto progressistas, o sentido original do termo foi se alterando de “não ser impedido de” para “ter”, ou seja, o indivíduo só passou a ser considerado “livre”, caso possuísse a liberdade para, não a liberdade de.
Essa é a filosofia que estabelece a base para a ideia que mais tarde viria a ser conhecida como “liberalismo social”, que, grosseiramente, estabelece que o indivíduo “precisa ter acesso” a certos direitos como educação, moradia, condições básicas de existência, para de fato ser livre.
Murray Rothbard, em sua obra “A ética da liberdade”, assim como Hayek, mostra como a alteração do termo liberdade acabou enfraquecendo a filosofia de pensamento liberal, afinal o liberalismo, como demonstrado por Hayek, enfatiza a liberdade do indivíduo em possuir a sua propriedade privada, porém o liberalismo em momento algum promete ou enfatiza que o indivíduo deva ter tal propriedade, a diferença crucial entre ambas as formas de pensamento está no que Isaiah Berlin denomina de liberdade positiva e liberdade negativa, sendo a primeira uma forma de liberdade onde você precisa ter certas coisas para ser livre e a segunda onde você não pode ser impedido de fazer certas coisas.
Voltando às origens
Certo, mas agora que compreendemos que o próprio sentido, como dado pelos filósofos liberais, de liberdade mudou ao longo do tempo, seja por perversão do termo original ou até mesmo pela própria natureza dinâmica da língua e das ideias, o que seria o grande diferencial dos liberais perante outras escolas de pensamento.
Bom, o que irá classificar um liberal como liberal, seria a perspectiva individualista com a qual ele realiza o seu raciocínio, em outras palavras, a epistemologia liberal, que seria a forma com qual os liberais interpretam o conhecimento e a realidade parte do indivíduo, não de aspectos metafísicos ou coletivos, não que os liberais não aceitem essas classificações também, porém todas as suas análises partem do indivíduo.
Sendo assim, por que Marx não é liberal? Bom, ele não faz parte de uma análise individualista da realidade, o que isso significa? É simples, autores como Marx utilizam outros óculos para enxergarem a realidade, por conseguinte suas conclusões diferem daqueles por essência daquilo que os liberais irão enxergar.
Marx era ignorante acerca do liberalismo? Não! Porém, ele certamente discordava do método de análise, mas vamos sair do campo teórico e tentar dar um exemplo mais prático do que isso significa.
Imagine duas pessoas, uma acredita que o problema da pobreza é a falta de oportunidades para os mais pobres, sendo assim ela irá focar as suas atenções em criar oportunidades, como através de ONG ‘s, projetos comunitários, incentivos comunitários e coisas do tipo. Vamos supor que essa pessoa acredite que o fato dos pobres nascerem em um local pobre, não lhe dará as ferramentas para sair dessa realidade, ou seja, o meio os influencia a sua condição e aqueles que conseguiram sair dessa realidade ou tiveram a sorte disso ou são exceções. Pessoas assim, que acreditam que o meio determina o indivíduo, estão classificadas naquilo que Thomas Sowell vai chamar de “visão irrestrita”, ou seja, acreditam que o meio pode determinar o indivíduo, sendo assim, basta mudar o meio, que por consequência iremos mudar o indivíduo.
Agora pensemos em uma segunda pessoa, essa pessoa acredita que o problema da pobreza é natural da condição humana e que para superar a pobreza precisa-se esforçar-se e capacitar-se para vencer as adversidades da vida. Essa pessoa reconhece os problemas e as desvantagens de se nascer em uma favela, por exemplo, no entanto ela enxerga que a única solução pra isso é o esforço individual, ou seja, ela seria contra as ações da primeira da pessoa, de ONG ‘s, projetos comunitários, incentivos comunitários? Não! Porém, a essência do seu diagnóstico difere radicalmente da primeira pessoa, segundo o exemplo que demos de Thomas Sowell, essa pessoa estaria classificada em uma tipo de “visão restrita”, sendo assim o indivíduo não é determinado pelo ambiente, ele é naturalmente falho e com defeitos, logo não importa o quanto tentemos mudar o ambiente, nunca iremos mudar a essência do indivíduo, logo se uma pessoa pobre se esforçar para trabalhar ela consegue sair da pobreza, mesmo que em sua condição ela tenha mais dificuldade para fazer isso.
Perceba uma coisa, não estamos tratando de certo ou errado aqui, estamos apenas apresentando perspectivas diferentes, você provavelmente pode concordar com um ou com outro ou até mesmo com os dois, afinal Sowell indica que cada um de um pouco de visão restrita e irrestrita em relação a diversas coisas, você pode ter uma visão restrita sobre casamento, mas irrestrita sobre educação, por exemplo.
O papel dos liberais
Mas onde os liberais se encaixam nisso, quando os liberais vão tomar alguma análise do mundo, eles sempre vão partir do indivíduo, ou seja, eles não vão partir de estruturas ou conceitos fora da realidade individual para determinar suas consequências.
Mesmo que um liberal tenha uma visão mais irrestrita, ele irá partir do indivíduo para fazer a sua análise acerca da realidade.
Como estabelece Margareth Thatcher, não existe essa coisa chamada “sociedade”, o que existe são homens e mulheres que interagem diariamente entre si. Os coletivos são apenas abstrações que facilitam o nosso entendimento, eles de fato “não existem”.
Como liberal, você irá partir desse pressuposto.
*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.