Os Três Liberalismos: Francês, Inglês e Alemão

Os três liberalismos: francês, inglês e alemão

A história do liberalismo é marcada por diferentes correntes e pensamentos que influenciaram os movimentos políticos e sociais ao redor do mundo. Entre as principais correntes do liberalismo, destacam-se o liberalismo francês, inglês e alemão, cada qual com suas características. Neste artigo, iremos aprofundar acerca das suas raízes históricas e filosóficas, seus autores e suas contribuições para essa grande corrente de pensamento política e econômica chamada Liberalismo.

O Liberalismo Francês

Nome da Pintura: Liberdade Liderando o Povo – por Eugène Delacroix

O liberalismo francês¹, surgiu no início do século XIX na França (óbvio), em meio a um cenário de mudanças políticas e sociais, especialmente devido a Revolução Francesa ao final do século anterior. Em meio a Restauração² (1815-1830), o liberalismo francês floresceu novamente, com a criação de diversas sociedades liberais e do surgimento de líderes políticos comprometidos com a causa liberal, como Benjamin Constant (1767-1830) e François Guizot (1787-1874)¹. Eles defendiam uma maior participação política, a liberdade de imprensa e a liberdade econômica, bem como o respeito pelos direitos individuais, ideais essas que vão servir de base para o Liberalismo como um todo.

Durante o reinado de Louis Philippe I, de 1830 a 1848, a França adotou políticas liberais que incentivaram o livre comércio e a industrialização no país³. Contudo, após a Revolução de 1848 e a abdicação de Louis Philippe I do trono, a França experimentou um curto período de governo liberal antes de cair nas mãos do autoritarismo sob o Segundo Império⁴ (1852-1870). Ao final do século XIX, uma Terceira República foi estabelecida e trouxe uma nova fase liberal.

Já no século XX, mais especificamente a partir de 1930, com a ascensão do socialismo e do facismo, o liberalismo e a democracia na França e no mundo estavam sendo ameaçados. Após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, o papel do liberalismo na França arrasada pela guerra foi importantíssimo para a reconstrução do país⁵ e a defesa dos valores humanos e democráticos.

Dentre os contribuintes do Liberalismo Francês, podemos citar um dos filósofos mais influentes do liberalismo, Alexis de Tocqueville⁶ (1805-1859), famoso por suas obras “A Democracia na América” e “O Antigo Regime e a Revolução”. Ele defendia a ideia de que a liberdade política e econômica eram fundamentais para o progresso social e acreditava na ideia que a democracia poderia levar à tirania da maioria.

 Outra personalidade francesa importante foi Jean-Jacques Rousseau⁷ (1712-1778). Ele acreditava que a liberdade individual só poderia ser atingida através da igualdade social. Para Rousseau, as desigualdades sociais criam desequilíbrios de poder que acabam limitando a liberdade individual. Para combater essas desigualdades, ele defendia que o Estado interviesse na economia para garantir uma distribuição mais justa de recursos entre a população.

Também podemos citar Charles de Montesquieu⁶ (1689-1755). Ele foi um defensor da separação entre os poderes e da limitação do controle do Estado. Na visão de Montesquieu, o poder deve ser separado entre diferentes instituições a fim de evitar que uma única pessoa ou grupo tenha controle total. Essas idéias serviram de fundamento para o desenvolvimento do sistema democrático moderno (executivo, legislativo e judiciário).

Por fim, vale ressaltar que o Liberalismo francês incentivou o livre comércio e a industrialização, impactou a política internacional, defendendo o direito à autodeterminação dos povos, e serviu de base para os sistemas democráticos modernos utilizados por grandes nações livres. Esses são só alguns dos benefícios trazidos pelo Liberalismo para o mundo. 

O Liberalismo Inglês

Folha de rosto da obra de Adam Smith intitulada “A Riqueza das Nações”, numa edição de 1828, em Edimburgo

O Liberalismo como conhecemos teve sua origem na Inglaterra no final do século XVII, período em que acontece a ascensão do Iluminismo e a Revolução Gloriosa de 1688⁸, que resultou no fim da monarquia absolutista e na implantação de uma monarquia parlamentar, resultando na assinatura da Declaração de Direitos no ano seguinte, garantindo a liberdade individual, a liberdade de imprensa e o direito à propriedade privada a toda população. Permitiu também que o povo que não tinha raízes na nobreza pudesse participar ativamente da vida política, tendo suas demandas representadas pelo Parlamento.

No século seguinte, o Liberalismo continuou a se crescer na Inglaterra, especialmente graças ao economista e filósofo Adam Smith⁹ (1723-1790), autor da obra “A Riqueza das Nações”, um dos livros mais influentes sobre economia da história. Neste livro, ele argumenta que a economia de livre mercado é a melhor forma de promover a prosperidade e o bem-estar geral. Smith defende a ideia de que a concorrência no mercado gera inovação e eficiência, permitindo que as pessoas busquem maximizar seu próprio interesse econômico, o que por consequência, leva ao crescimento econômico.

Durante o século XIX, a Inglaterra se tornou a maior potência econômica e política do mundo. O país adotou políticas de livre mercado e abertura econômica internacional, estabelecendo acordos de zona de livre comércio do mundo, como por exemplo os Tratados de Comércio e Navegação em 1810 entre Portugal e Inglaterra¹⁰ e o Tratado franco-Inglês de 1860 entre França e Inglaterra¹¹. 

Dentre os principais filósofos liberais ingleses, além de Smith, podemos citar John Locke¹² (1632-1704), considerado um dos principais pensadores do liberalismo clássico e um dos mais influentes na história da filosofia política, defendia que o poder político deveria ser limitado e que a sociedade deveria ser governada por um contrato social, onde os indivíduos renunciam a parte de sua liberdade em troca da proteção e segurança que o Estado pode proporcionar. Sua filosofia influenciou a Declaração de Independência dos Estados Unidos e as Constituições de vários países¹³.

Outro filósofo e jurista chamado Jeremy Bentham¹⁴ (1748-1832), fundador do utilitarismo, defendia que a moralidade de uma ação é determinada pelo seu grau de utilidade, ou seja, pela sua capacidade de promover a felicidade geral da sociedade. Bentham também foi um forte defensor do liberalismo econômico e da democracia representativa, e suas ideias influenciaram a elaboração de leis e políticas públicas na Inglaterra e em outros países. 

Essas são apenas algumas das contribuições do Liberalismo inglês para o mundo. As ideias de liberdade individual, direitos humanos, limitação do poder do Estado e livre mercado influenciaram a formação dos Estados Unidos da América¹³ e de diversas nações europeias. Resumindo, o Liberalismo inglês teve um impacto significativo na história e na evolução do pensamento político moderno.

O Liberalismo Alemão

Ludwig von Mises

O Liberalismo Alemão chegou de forma tardia no final do século XVIII. Fortemente influenciado pelo Iluminismo e pelas revoluções americana de 1776 e francesa de 1789, durante esse período a Alemanha passou por diversas mudanças políticas, econômicas e sociais que influenciaram a ascensão do liberalismo no país¹⁵.

Uma das maiores influências para a difusão do Liberalismo na Alemanha foi a Escola de Economia Austríaca, tendo entre seus autores Friedrich Hayek¹⁶(1899-1992). Economista e filósofo austríaco, acreditava que a intervenção estatal na economia prejudicava o funcionamento do mercado. Ele defendia a liberdade individual e econômica como fundamentais para o desenvolvimento da sociedade. Em sua obra mais renomada, “O Caminho da Servidão”, Hayek critica o planejamento centralizado e defende a livre competição como a melhor maneira de alcançar a prosperidade econômica e social. Ele também ganhou um prêmio Nobel de Economia em 1974.

Outro nome de peso da Escola de Economia Austríaca foi Ludwig von Mises¹⁷(1881-1973), um dos maiores defensores do liberalismo clássico, escreveu várias obras que são consideradas importantes para o pensamento econômico liberal, incluindo “Ação Humana” e “O Socialismo”. Ele também foi um forte crítico do intervencionismo estatal na economia, defendendo a ideia de que o mercado livre é o melhor meio de promover o progresso econômico e social. 

Em seu trabalho “Nação, Estado e Economia” lançado em 1919, Mises faz uma reflexão sobre a ordem política apropriada para tempos de paz¹⁸. Partindo do contexto da Grande Guerra (1914-1918), Mises aponta em seu estudo que além do surgimento de um forte nacionalismo, a guerra foi responsável pela implantação de diversos modelos de controle socialistas nos países envolvidos, como nacionalização de indústrias, controle da agricultura e racionamento. Após a assinatura do Tratado de Versalhes, que foi um golpe economico muito duro para a Alemanha, Mises teme pela ascensão de um governo nacionalista, como uma vingança pelas sanções impostas, e afirma que a melhor opção para a Alemanha em crise é o liberalismo. Contudo, sabemos o que aconteceu depois.

Após a ascensão e queda do Nazismo, a Alemanha se viu novamente em um marasmo econômico. Contudo, ocorreu um fato que mudou a realidade alemã e se tornou um caso perfeito de como o liberalismo pode transformar nações. Arquitetado por Ludwig Erhard (1897-1977), discípulo de Wilhelm Roepke (1899-1966) – sendo este discípulo de Ludwig von Mises, Erhard ao se tornar Diretor da Administração Econômica Bizonal, em 1948 realizou uma reforma monetária¹⁹, revogou os gargalos econômicos implantados pelos aliados na Alemanha, resultando em um salto econômico sem precedentes. Entre junho de 1948 até o começo de 1949, houve um aumento de 143% com relação às áreas econômicas beneficiadas pelas medidas de Erhard¹⁹. Esse fato foi apelidado de “o milagre econômico alemão”.

Entre as contribuições do liberalismo alemão para o mundo podemos incluir o fortalecimento da democracia parlamentar, o desenvolvimento da economia de mercado, a promoção dos direitos individuais e a liberdade de expressão. A defesa desses valores também influenciou o processo de integração europeia, em que a Alemanha desempenha um papel importante como líder e um modelo de democracia.

Considerações Finais

O liberalismo francês, inglês e alemão contribuíram para a formação de nações democráticas ao longo da história até os dias de hoje. Cada visão teve suas particularidades, mas todas tinham algo em comum: a defesa da liberdade individual e do Estado de Direito. 

De forma geral, os principais benefícios trazidos pelo liberalismo para a humanidade foram a limitação do poder do Estado, a proteção dos direitos individuais, a liberdade de expressão, a liberdade econômica, a liberdade de imprensa e a propriedade privada. O liberalismo contribuiu para o avanço da ciência, da cultura, da tecnologia e do comércio a nível mundial. Também incentivou a competição, a inovação, o empreendedorismo e consequentemente o crescimento econômico, marcas registradas de sociedades capitalistas.

Hoje em dia, ainda há muitas pessoas que desconhecem a história do Liberalismo e os benefícios que ele trouxe para o mundo. Nós, como libertários e conscientes acerca do tema, temos o dever de conscientizar as pessoas dos avanços trazidos pelo liberalismo, e assim buscar quebrar velhos preconceitos, em especial aqueles surgidos em meios a correntes socialistas. O liberalismo sempre foi e sempre será a melhor organização política e econômica.


Evanilson Ferreira

Referências

Por ordem de aparição no texto:

1 CASSIMIRO, Paulo Henrique Paschoeto. O Abismo do Tempo ; História, Liberalismo e Democracia no Pensamento Político Francês (1789-1848). 2016. 281 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

2 AULA ZEN. Restauração Francesa Bourbon. Disponível em: <https://aulazen.com/historia/restauracao-francesa-bourbon/>. Acesso em: 10 mai. 2023.

3 ESCOLA, Equipe Brasil. “Rei Luís Filipe I da França”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/biografia/luis-filipe-franca.htm. Acesso em 10 de maio de 2023.

4 PORTO EDITORA. Segundo Império Francês. Porto: Porto Editora. Disponível em <https://www.infopedia.pt/$segundo-imperio-frances>. Acesso em 1o mai. 2023.

5 JUDT, Tony. Pós-Guerra: Uma história da Europa desde 1945. Tradução de José Roberto O’Shea. Objetiva, 2008. Disponível em <https://books.google.com.br/books?id=y8H0JLbm670C&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>. acesso em 10 mai. 2023.

6 FERREIRA, Marcelino José Alves. Tocqueville, Montesquieu e o Estado Liberal. Jusbrasil, 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/35034/tocqueville-montesquieu-e-o-estado-liberal>. Acesso em: 10 mai. 2023.

7 PORFíRIO, Francisco. “Jean-Jacques Rousseau”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/jean-jacques-rousseau.htm. Acesso em 10 de maio de 2023.

8 PISSURNO, Fernanda Paixão. Revolução Gloriosa. InfoEscola. Disponível em: <https://www.infoescola.com/historia/revolucao-gloriosa/>. Acesso em: 10 de maio de 2023.

9 BEZERRA, Juliana. Adam Smith. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/adam-smith/. Acesso em: 10 mai. 2023

10 SOUSA, Núbia Macedo. (2021). O Comércio Internacional no Século XIX. Jusbrasil. Recuperado em 16 mai. 2023, de https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-comercio-internacional-no-seculo-xix/876548862.

11 Mundo Educação. Os Tratados de 1810. Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/os-tratados-1810.htm>. Acesso em: 10 mai. 2023.

12 John Locke. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/john-locke/. Acesso em: 10 mai. 2023

13 Mackenzie. Como o Iluminismo influenciou a independência dos Estados Unidos? Disponível em: <https://blog.mackenzie.br/vestibular/materias-vestibular/como-o-iluminismo-influenciou-a-independencia-dos-estados-unidos/>. Acesso em: 10 mai. 2023.

14 FRAZÃO, Dilva. Jeremy Bentham. eBiografia, São Paulo, 2022. Disponível em: <https://www.ebiografia.com/jeremy_bentham/>. Acesso em: 10 mai. 2023.

15 BREUILLY, John (Ed.). Nineteenth-century Germany: politics, culture, and society 1780-1918. Bloomsbury Publishing, 2019.

16 LIMA, Evellyn Caroline Santos. Friedrich August von Hayek. InfoEscola, 2021. Disponível em: <https://www.infoescola.com/biografias/friedrich-august-von-hayek/>. Acesso em: 12 mai. 2023.

17 LIMA, Evellyn Caroline Santos. Biografia de Ludwig von Mises. InfoEscola, [S.l.], 2019. Disponível em: <https://www.infoescola.com/biografias/ludwig-von-mises/>. Acesso em: 12 mai. 2023.

18 VON MISES, Ludwig. As seis lições. LVM Editora, 2017.

19 Sennholz, H. F. (2004). Como se deu o milagre econômico alemão do pós-guerra. Instituto Ludwig von Mises Brasil. Disponível em: <https://mises.org.br/article/1419/como-se-deu-o-milagre-economico-alemao-do-pos-guerra>. Acesso em: 13 mai. 2023.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *