É possível ser de esquerda e ser cristão?

Em homenagem à Páscoa, o texto de hoje é focado para os cristãos de esquerda (caso você não seja, compartilhe-o com um). Você, leitor, provavelmente fica indignado com quem diz que não se pode ser cristão e de esquerda ao mesmo tempo, e consegue enxergar Jesus muito mais próximo de Guilherme Boulos do que dos cristãos de hoje em dia. No texto de hoje, eu gostaria de lhe mostrar mais a fundo porque tantos acham os valores cristãos e os de esquerda tão incompatíveis.

Seja em seu furioso discurso ao comer com os fariseus (Lc 11,37-54), na cura do homem no sábado (Lc 6,6-11), ou mesmo na parábola do Bom Samaritano, (Lc 10,25-37), exemplos não faltam de que Jesus pregava sim a caridade acima da tradição. Ele estaria sim muito longe dos “crentes chatos” que tentam forçar seus costumes sobre os outros segundo as regras do antigo testamento (a Lei). Nada para mim exemplifica isso mais do que São Paulo quando diz que “Portanto, não torno inútil a Graça de Deus, porque, se a justiça vem da Lei, então Cristo morreu em vão”. (Gl 2,21)

Caridade além da Ação Social

No entanto, a mensagem de Jesus não para em apenas ajudar aos pobres. Se fosse assim, bastava ao Messias vir como o líder militar que os judeus tanto esperavam. O que fez de Jesus diferente e revolucionário foi sua mensagem pacifista de caridade. Isso vai de encontro à luta de classes da esquerda, como o Papa Leão XIII explica bem na encíclica Rerum Novarum.

O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutualmente num duelo obstinado. (…) Na sociedade, as duas classes estão destinadas pela natureza a se unirem harmoniosamente e a conservarem-se mutualmente em perfeito equilíbrio”. – Rerum Novarum, Papa Leão XIII

De início isso que ele diz parece muito utópico, mas foi assim que Gandhi – assumidamente inspirado em Jesus – conseguiu a independência da Índia e como Martin Luther King Jr, um simples pastor batista, conseguiu vitórias para os direitos civis dos pretos estadunidenses. Esse discurso pegou muito na Europa, onde a Rerum Novarum deu origem à democracia cristã e a sindicatos cristãos concorrendo com os socialistas pelos direitos dos trabalhadores. Na Alemanha, inclusive, a democracia cristã é tão popular que é a ideologia do partido da Angela Merkel. Hoje em dia, a mensagem cristã é muito bem demonstrada pelo padre Julio Lancellotti, que ignora as brigas entre esquerda e direita para alimentar moradores de rua necessitados.

A divergência entre a abordagem cristã e a ativista é a origem dos personagens Professor Xavier(Martin Luther King) e Magneto (Malcolm X)

Teologia da Libertação e da Missão Integral

Mas talvez você lembre de como o próprio Julio Lancellotti já se encontrou com o Lula de vez em quando, certo? E mais. O próprio PT começou por movimentos de dentro da Igreja. Como isso então? Bem… Surgiu na Igreja Católica da América Latina a chamada Teologia da Libertação (ou da Missão Integral, para os evangélicos), que incorpora seletivamente aspectos do marxismo para conciliar o cristianismo à vida material.

Os principais expoentes dessa teologia estavam no Brasil, como Leonardo Boff, e foram excomungados pela Igreja por usarem-na para ideologizar a mensagem evangélica. Até o  Papa Francisco já alertou para os seus perigos durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio:

“(…) Esse método pode levar ao reducionismo socializante. É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base em uma hermenêutica de acordo com as ciências sociais” – Papa Francisco

Em português claro, é uma ideologia onde as ideias de esquerda passam a ser mais importantes para o cristão do que a mensagem dos evangelhos. A quem isso interessa?

Ok. Então pode ser cristão e de esquerda?

Mais ou menos. Existe uma teologia que lhe permite ser um cristão de esquerda mas, como tanto o socialismo e como o identitarismo surgiram no ateísmo, tem um sentimento anti religião muito forte. Até mesmo José Barbosa Júnior, o pastor de esquerda que ministra o curso “Cristo e o Socialismo” comenta que as outras pessoas na esquerda nos veem com desdém, como alienados. 

Para mim, o maior exemplo desse atrito foi a manifestação em Curitiba contra a inaceitável morte do congolês Moise no Rio de Janeiro. Os manifestantes ficaram do lado de fora da Igreja gritando “fascistas, racistas, não passarão” tão alto e por tanto tempo que a missa teve de ser interrompida. Com o templo esvaziado, eles então entraram e transformaram o altar num palanque político por 15 minutos. Isso foi feito não porque havia algum responsável pela morte de Moise ali (afinal era outra cidade), mas porque aquelas pessoas viam a nossa fé como responsável, como a inimiga. A quem isso interessa? Este é o desafio de ser cristão e de esquerda: estar num movimento que te vê como um inimigo a ser vencido. 

Da minha experiência pessoal, estar na esquerda te deixa num constante estado desesperança, de acreditar que o mundo é uma distopia onde tudo dá errado e sempre vai dar errado independente do que a gente faça. Fazem isso pra te manter sempre engajado na causa. Isso vai contra a fé cristã de que Jesus venceu o mundo, e por isso podemos ter esperança de que mesmo na pior das situações, nada mais no mundo pode nos vencer (Jo 16,33).

Mas ai eu tenho de ser um “crente chato” de direita?

Não! Felizmente não é tão preto no branco assim. Há no Brasil um movimento político chamado Livres que, apesar de não da esquerda marxista ou identitária, defende as principais pautas progressistas. Da legalização da maconha ao projeto que fornece absorventes para meninas necessitadas poderem ir à escola, o movimento já provou vez após vez o seu compromisso com o social. 

Recentemente, o seu programa “Apoie Uma Família” arrecadou dinheiro para entregar levou 20 toneladas de alimentos e 700 mil litros de água para quase duas mil famílias em situação de vulnerabilidade que moram em regiões de Pernambuco sem saneamento. O projeto deu tão certo que está sendo expandido para Pará, Paraíba, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul!  

O Livres não é religioso em si, mas é um movimento que respeita bem mais a sua fé, o que já é bem melhor. Eu te peço, caro leitor: por favor dê ao menos uma olhada no site do Livres e veja se se identifica com a causa. Se mesmo assim se sentir mais à vontade na esquerda, eu deixo-lhe um último conselho: seja um cristão de esquerda, mas tome sempre muito cuidado para não virar um esquerdista cristão.


Texto por Paulo Grego

Arte por Tailize Scheffer

1 comentário em “É possível ser de esquerda e ser cristão?”

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