Quando pensamos em invenção cultural, prosperidade humana, e inovação tecnológica, tendemos a pensar também em grandes cidades. Um olhar sobre 40 delas se mostra instrutivo quanto ao que torna o verdadeiro progresso possível.
O que é o progresso? Como e onde ele ocorre? Tais perguntas não são fáceis de responder. Debates sobre a natureza do progresso deram origem a diversas teorias sobre o desenvolvimento histórico. A “História Whig”, por exemplo, narra a história da humanidade como a ascensão de um passado opressivo a um presente mais esclarecido. Duas guerras mundiais, o Holocausto, e o terrorismo soviético no século XX, entretanto, causaram grandes danos à ideia de que o mundo moderno só poderia ser uma benção pura.
Um outro problema é que identificar o progresso pode ser um exercício perigoso. Na década de 1920, por exemplo, a eugenia e a higiene racial eram amplamente aceitas pela maior parte da opinião culta ocidental — especialmente pelos progressistas — como estando na própria vanguarda do desenvolvimento científico. Poucos fariam tal argumento hoje.
Então existem questões mais filosóficas. O que, por exemplo, constitui o progresso social? Consideraríamos que uma sociedade enormemente mais rica do que suas predecessoras, mas também caracterizada pela normalização da pornografia, tenha progredido? A arquitetura brutalista da década de 1960 realmente representa um progresso em relação a, digamos, a Saint-Chapelle parisiense do século 13? O progresso é tão linear quanto geral? Ou ele avança de mãos dadas com a decadência em outras áreas? Como se mede razoavelmente tais coisas?
A contínua relevância dessas questões faz com que seja fácil esquecer o fato de que grande parte do mundo tornou-se, em muitos aspectos, um lugar melhor para viver. Esse é o argumento ponderado feito por Chelsea Follett em Centers of Progress: 40 Cities That Changed the World. Materialmente, ela aponta, as pessoas estão, de modo geral, em melhores condições do que a vasta maioria de seus ancestrais. Elas também vivem vidas mais saudáveis e longas. Essas são conquistas positivas a celebrar. Follett também enfatiza como houve desenvolvimento positivo também na área da conscientização moral. Na vasta maioria das sociedades, a escravidão e a tortura já foram vistas como instituições e práticas incontroversas. Esse não é mais o caso.
Ao explorar como esse desenvolvimento se deu, Follett foca no papel desempenhado pelas cidades. Em sua visão, “A história da civilização é, de várias maneiras, a história da cidade”. Seu ponto não é que a vida rural vivida pela maioria das pessoas ao longo da história humana tenha constituído barbarismo. As comunidades rurais, ela coloca, “têm várias conquistas”. Mas áreas esparsamente populadas também oferecem menos escolhas, seja em termos do que as pessoas podem comer ou de como elas trabalham.
O livro de Follett tem duas metas. A primeira é fornecer exemplos práticos de como 40 cidades diferentes contribuíram ao progresso humano. A segunda é desafiar narrativas históricas declinistas, ao mesmo tempo ampliando nossa compreensão daquilo que incentiva mudanças positivas.
O segundo objetivo, que Follett descreve como “dissidente”, é especialmente importante. Não faltam historiadores que focaram no papel de certas ideias e movimentos filosóficos, políticos e religiosos que trouxeram evoluções específicas em instituições legais, tecnologia, pesquisa intelectual, e nas ciências naturais e sociais.
Follett não sugere que essas coisas não tenham importância. É difícil negar, por exemplo, que a ideia de que nós humanos sejamos feitos à imago Dei, primeiro expressa no Judaísmo e no Livro do Gênesis, foi crucial para uma autocompreensão de que nós somos fundamentalmente diferentes de todas as outras criaturas, tornando-nos menos medrosos do mundo natural. Follett, entretanto, está correta em colocar que o papel desempenhado pela urbanização em geral e particularmente em cidades específicas é frequentemente negligenciado, e está certa em oferecer uma correção.
Cada uma das 40 cidades identificadas por Follett está associada a um desenvolvimento particular. A primeira cidade coberta é Jericó, e o tema é a mudança dos arranjos de caçador-coletor em direção à domesticação de plantas e animais, que chamamos agricultura. A última cidade é São Francisco, que está associada à revolução digital. O argumento de Follett não é o de que São Francisco é uma cidade modelo. Qualquer um que tenha visitado São Francisco em anos recentes sabe que ela se tornou um exemplo de disfuncionalidade severa presidida por autointitulados progressistas urbanos. Em vez disso, o argumento de Follett é o de que “as conquistas de outrora da área merecem ser celebradas”.
Algumas das cidades abordadas na análise de Follett provavelmente são desconhecidas pela maioria dos leitores. Uruque, no sul do Iraque, é um sítio arqueológico hoje desabitado. Quatro mil anos atrás, no sul da Mesopotâmia da Idade do Bronze, entretanto, Uruque era uma próspera cidade comercial que havia desenvolvido extensas redes de comércio para compensar sua falta de recursos naturais. Mas ela era também um lugar em que contadores e arquivistas começaram a desenvolver pictogramas para tornar mais eficiente a inventariação de bens. Esses pictogramas, por sua vez, evoluíram para “símbolos não—pictóricos que representavam conceitos”. Tais símbolos abstratos reduziram parte do trabalho de fazer desenhos detalhados. Esses símbolos avançaram ainda mais para “representar os sons falados que as pessoas usavam para expressar aqueles conceitos”.
O que é curioso sobre essa e outras reviravoltas similares associadas às cidades detalhadas no livro é que poucas delas parecem ter sido planejadas, muito menos ordenadas de cima para baixo. Elas emergiram ao longo do tempo como respostas criativas a desafios cotidianos específicos, muitas vezes aparentemente inócuos. Também foi o caso que eventos às vezes intervinham para espalhar o conhecimento resultante que tais cidades tinham a oferecer. A violência e desordem econômica que afligiram a Mainz do século 15 na Alemanha não foram boas para a cidade. Mas essa mesma carnificina significou que os impressores fugindo de Mainz levaram com eles uma nova tecnologia chamada prensa tipográfica. A propagação subsequente dessa tecnologia eventualmente ajudou a inibir o poder das guildas e da nobreza cujos conflitos tinham contribuído para colocar Mainz de joelhos.
Nem todas as cidades cobertas neste livro são apresentadas como sendo igualmente importantes em termos de sua contribuição ao progresso humano. Tampouco Follett se envolve em um exercício de oportunidades iguais. Ela não sugere, por exemplo, que todas as culturas sejam igualmente boas. Pela minha conta, 22 das 40 cidades que ela discute seriam convencionalmente descritas como parte do Ocidente, enquanto três das outras sofreram forte influência ocidental. Ainda assim, o que os leitores irão perceber à medida que avançam pelas cidades identificadas por Follett são as maneiras em que muito do progresso nos países ocidentais deve bastante a mudanças que ocorreram séculos antes em lugares que vão de Agra, na Índia atual, a Hangzhou, na China de hoje.
Quais, então, são os fatores que Follett vê como denominadores comuns no avanço do progresso nesses cenários urbanos? Um elemento é a proximidade. As cidades são locais que juntam pessoas — e suas mentes e criatividade. Quando muitas pessoas estão em um lugar, muitas vezes ocorre conflito, mas também cooperação, diálogo, a troca de ideias, e encontros do acaso que levam a resultados positivos não antecipados. Mas o ingrediente contextual vital que, na visão de Follett, causa prosperidade, é quando as cidades são também ambientes de liberdade.
É claro, nem todas as cidades foram sempre livres. Berlim foi um lugar sem liberdade entre 1933 e 1945, e sua metade oriental tornou-se uma virtual prisão de 1961 até 1989. Moscou e Pequim nunca, com algumas exceções momentâneas, foram livres. Mas quando a liberdade prevalece em ambientes urbanos, coisas emocionantes podem acontecer. Ausentes os padrões de atividade que frequentemente são parte integral da vida rural, homens e mulheres são mais livres para experimentar, correr riscos, empreender, ou simplesmente são mais estimulados pelo alvoroço ao seu redor para pensar e agir de maneira diferente.
“O ar da cidade te liberta”, ou pelo menos é o que diz o provérbio alemão citado por Follett. Isso está, sem dúvida, correto, e é algo que pode nos dar esperança de que a história da civilização humana — e o verdadeiro progresso — não acabou.
Artigo original: https://rlo.acton.org/archives/124894-cities-an-engine-of-progress-and-civilization.html
Autor: Samuel Gregg
Tradução: João Vitor Sesso
Revisão: Gabriel Gustavo Soares Santos