Mianmar, a busca pela liberdade

Mianmar, a busca pela liberdade

A história tem a importância de dar, sobretudo, suporte compreensivo às pessoas para que ajam com maior prudência, civilidade e tolerância, em seu meio e em situações estranhas à sua cultura. Hoje, quero contar um pouco sobre a história de Mianmar, bem como trazendo elementos e lições acerca de erros cometidos pelo país.

Mianmar é um país do sudoeste asiático, e ainda é bastante conhecido como “Birmânia” – seu nome colonial. A Birmânia existiu para o ocidente após o primeiro conflito contra a Índia Britânica seguido de tratados que cada vez mais ceifavam a independência da região até que o grande espaço de terra entre Índia e o Reino de Sião (hoje, Tailândia) se tornasse uma região homogênea mesmo em suas diferenças étnicas e culturais. Esse processo de colonização trouxe diversos problemas para a região da antiga Birmânia, pois vê-se grande dificuldades que minorias étnicas enfrentam dentro do país, em destaque os Rohingya, parcela islâmica perseguida dentro do Mianmar que passa por uma diáspora nos últimos anos de busca da liberdade de ser. 

O período de democracia entre o fim da segunda guerra mundial e o primeiro golpe militar serviu para um inchaço maciço do exército, e isso acabou culminando no suporte desse exército ao golpe promovido pelo general Ne Win, que alegava má gestão governamental do governo vigente. O golpe resultaria em um regime que governaria a Birmânia por cerca de 25 anos, executando o que o general chamou de “Burmese Way to Socialism”. 

Deste modo, como os resultados dos golpes militares promovidos na América Latina durante o período, os resultados econômicos foram desastrosos a médio e longo prazo, pois 40% do arrecadamento estatal era gasto com as forças armadas em um contexto de não conflito. Esse valor destoava do restante dos vizinhos asiáticos, pois correspondeu ao período do surgimento do rótulo de “Tigres Asiáticos”, que começavam a “rugir”, ou seja, a obter crescimento sem precedentes de suas instituições burocráticas, de sua economia e de suas indústrias. Neste período, Ne Win também expulsou milhares de indianos étnicos cujo papel econômico na sociedade Birmânia só ganhara reconhecimento após expulsão, sendo vital para a preparação do terreno político para a grande mudança democrática, momento pontuado pelos protestos populares pela democracia no começo dos anos 1980. 

Durante esse momento, surgiu também aquela que ficara conhecida como “farol pró-democracia” e viria ser laureada com um Prêmio Nobel da Paz em 1991, Aung San Suu Kyi, filha do general morto durante a conquista da Independência da Birmânia, ministro entre 1946 e 1947, período em que fora assassinado. A década de 1990 foi constituída pela guinada democrática no país, com a liberação de milhares de presos políticos por Than Shwe, novo presidente da SLORC (Conselho de Restauração da Lei e Ordem do Estado) agora ao lado do holofote internacional de Aung San Suu kyi.

Embora sua posição como líder e o seu Nobel da Paz sejam questionados quando se refere a sua atitude perante os Rohingyas, ela ainda exerce uma função de protagonismo quando se refere à política de Mianmar, sendo vista no recente golpe de Estado sofrido pelo país. O processo de internacionalização, no entanto, trouxe uma posição de destaque para o Mianmar. Tal sucessão, que começou nos anos 1990, auge do espírito democrático, resultou na posição de liderança da Associação das Nações do Sudeste Asiatico (ASEAN) nos anos 2000. Essa década se prolongou com incerteza quanto ao governo representativo e ao governo totalitário. Nesse processo, ocorrera impasses junto a Tailândia, dentro da esfera regional, que viria a se intensificar com o furacão que atingira o delta do rio Irauádi, forçando um fluxo migratório dos Rohingya em direção à Tailândia que, os expulsando, levou ao governo de Mianmar a não aceitação deles como parte do povo. 

O ano de 2021 começou trazendo para Mianmar lembranças obscuras de um passado que todos preferem deixar para trás. No dia 01 de fevereiro de 2021, a cidade de Yangon, capital do país, acordou com a notícia da prisão de Aung San Suu Kyi, ainda uma das maiores referências e ainda atuante na política, do presidente do país, Win Myint, e de outros políticos do alto escalão do NDL. Após a detenção dessas figuras, o golpe foi instaurado tendo como justificativa as alegações por parte do exército de fraudes nas últimas eleições, e o novo governo teria validade de um ano. Na segunda-feira do golpe, o porta-voz Myo Nyunt, ao relatar para o jornal Reuters sobre os acontecimentos, que esperava ser preso em breve, pediu para que a população agisse de forma pacífica e de acordo com a lei (Ratcliffe, 2021).

Antes do golpe de fevereiro de 2021, era notório que os militares nunca abriram mão do poder de modo genérico, porque exigiram 25% da cadeira do parlamento em Mianmar, e ainda deixaram como garantia o controle de 3 ministérios do mais importantes, que são o ministério do interior, defesa e das fronteiras, ou seja, eles continuaram influentes no país. Nas últimas eleições, o partido de Aung San Suu Kyi conseguiu se eleger com 80% dos votos, o que levou a oposição e os militares, a alegarem a existência de fraude nas eleições, e que os 20% dos votos que eles teriam recebido não correspondia à realidade, mesmo sem apresentar evidências da suposta ilicitude eleitoral. 

É difícil enxergarmos uma saída para o golpe e um restabelecimento da democracia em curto prazo, o que através da ONU seria difícil, pois a China faz parte do atual conselho de segurança e vetaria qualquer tipo de intervenção, pois, no momento, apoiam os militares. Recentemente, no dia 11 de abril de 2023, o grupo militar atacou um evento que contava com a presença de opositores, e segundo a mídia local, entre 50 e 100 pessoas morreram no local. Um membro da Força de Defesa Popular local (PDF), disse à Reuters que caças dispararam contra uma cerimônia que marcava a abertura de um escritório local. Pelo menos 1,2 milhão de pessoas foram deslocadas pelos combates pós-golpe, de acordo com as Nações Unidas.

Isolar o Sudeste Asiático como um único objeto de pesquisa não é ideal, considerando as diferentes histórias de criação de cada país em suas trajetórias milenares. No entanto, é um lugar do globo pouco estudado pela academia brasileira de relações internacionais, que pode fornecer guias a cenários futuros não muito distantes dos nossos. A mudança para democracia em Mianmar pode ser de maneira gradativa, mas, no geral, a população é quem mais sofre com essa situação que sempre se ressente desses grandes conflitos.


Victor Queiroz

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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