Conflito entre Altruísmo e Liberdade: Explorando o Egoísmo Racional como Alternativa

Conflito entre Altruísmo e Liberdade: Explorando o Egoísmo Racional como Alternativa

Introdução

Quando se ouve falar em “egoísmo”, logo se pensa em maldade. Como se o egoísta fosse um brutamontes interessado apenas em satisfazer seus desejos e caprichos insensatos às custas dos outros.

O presente artigo pretende desmistificar o conceito de egoísmo, apresentando o seu real significado. Você vai compreender os princípios da ética objetivista, entender por que o egoísmo é moral e os males do altruísmo.

Quem foi Ayn Rand?

Ayn Rand foi uma filósofa e romancista, nascida na Rússia em 1905. Ela viveu na pele os horrores do coletivismo, mas conseguiu fugir para os Estados Unidos, onde naturalizou-se norte-americana.

Rand desenvolveu uma corrente de pensamento, denominada objetivismo, que se trata de “uma filosofia para viver na terra”. Rand ficou conhecida pelos romances “A Revolta de Atlas” e “A Nascente”, nos quais a autora utilizou da ficção para apresentar os princípios do Objetivismo.

Ayn Rand defendeu com veemência a razão, o individualismo e o egoísmo. Foi uma crítica ferrenha das ideias altruístas e coletivistas, que controlam o indivíduo, suprimindo a liberdade em nome de um bem maior (geralmente abstrato).

Os males do Altruísmo e do Coletivismo

Auguste Comte, filósofo francês (1798 – 1857), é conhecido pela criação do termo “altruísmo” (do francês altruisme). A raiz da palavra é autre, que vem do latim alter e significa “outro”.

Dessa forma, Comte considera moral o bem que se faz aos outros acima dos interesses pessoais. Isso é ser altruísta, porém Ayn Rand considera o altruísmo imoral, pois o princípio do altruísmo é de que o homem não merece existir para o seu próprio bem (cf. RAND, Ayn. O retorno do primitivo, p. 246). Nesse sentido, a existência do indivíduo só se justifica no sacrifício aos outros. O auto-sacrifício em nome do bem comum, ou da sociedade ou de qualquer ente abstrato vai contra a natureza humana.

O ser humano é dotado de razão, sendo esta o único guia para manter a vida. Os outros animais sobrevivem guiados pelo instinto, mas o ser humano tem a capacidade de usar a razão, embora nem todos a usem

O pensamento é um ato de escolha. O ser humano pode escolher não usar a razão, o que é chamado de evasão. A evasão é a raiz de todo mal no pensamento randiano. É recusar-se a ver a realidade, é a negação de toda moralidade, é viver como parasita, como citado em “A virtude do egoísmo”:

Se alguns homens escolhem não pensar, mas sobreviver imitando e repetindo como animais treinados a rotina dos sons e movimentos que aprenderam de outros, nunca fazendo um esforço para compreender seu próprio trabalho, ainda assim continua a ser verdade que sua sobrevivência é tornada possível somente por aqueles que efetivamente escolheram pensar e descobriram os movimentos que eles estão repetindo. A sobrevivência de tais parasitas mentais depende de uma chance cega; suas mentes desfocadas são incapazes de saber a quem imitar, quais movimentos são seguros para seguir. Eles são os homens que marcham para o abismo, rastejando atrás de cada destruidor que lhes promete assumir a responsabilidade da qual eles fogem: a responsabilidade de serem conscientes.1

Ser guiado pelo altruísmo é se deixar levar por uma emoção cega. É negar a ver a realidade, é aceitar que o homem não deve viver para o seu próprio bem. Mas por que fazer o bem aos outros seria bom, porém fazer o bem a si mesmo seria maligno?

Em “A Revolta de Atlas”, o discurso de John Galt alerta sobre isso:

Vocês chegaram ao beco sem saída da traição que cometeram quando aceitaram que não tinham o direito de viver. Primeiro vocês acreditavam que era apenas uma questão de ‘não ser intransigente’: aceitavam que era imoral viver para si próprios, porém era correto viver para seus filhos. Depois aceitaram que era egoísmo viver para seus filhos, porém era certo viver para a sua comunidade. Depois aceitaram que era egoísmo viver para a sua comunidade, mas era certo viver para a pátria. Agora vocês (…) aceitam que é egoísmo viver para a pátria, e que o dever moral de cada um é viver para todo o mundo.2

Ao analisar a história, percebe-se que todos os movimentos totalitários tiveram como base os princípios altruístas, sufocando o indivíduo em nome de um bem maior. Nesses regimes coletivistas, o indivíduo foi considerado apenas  uma “peça na engrenagem para fazer o sistema funcionar”. E como Rand considera o sacrifício humano abominável, segue-se que tais princípios (coletivistas e altruístas) são imorais. Vale reforçar que os regimes totalitários atacaram a razão para dominar os indivíduos. 

Os buscadores do poder sempre souberam que se os homens devem ser submissos, o obstáculo não são seus sentimentos, seus desejos ou ‘instintos’, mas suas mentes; se os homens devem ser governados, então o inimigo é a razão.3

A moralidade do egoísmo

Segundo Ayn Rand, a base da moralidade é o egoísmo racional. A moral é um código de valores para guiar as escolhas. Na visão objetivista, o padrão de valor é o homem. Sendo assim, tudo que se faz para manter a  vida é um valor. E isso é um processo racional. Viver uma vida fundamentada na emoção cega vai contra a natureza do homem, é buscar a autodestruição. Por isso, o pensamento objetivista rejeita todo tipo de misticismo, isto é, qualquer meio irracional ou ligado à fé. O único guia para preservar a vida humana é a razão.

Rand apresenta três valores primordiais: razão, propósito e autoestima. Esses valores implicam as seguintes virtudes: racionalidade (discernimento), independência (a noção de que a responsabilidade de pensar é do indivíduo: “não existe cérebro coletivo” [cf. RAND, Ayn. A nascente, p. 901]), integridade (aceitar a realidade e manter seus valores firmes), honestidade (nada pode ser conquistado por força ou fraude), justiça (cada indivíduo deve ser tratado como merece), produtividade (uso da mente para criar, inovar) e orgulho (se reconhecer merecedor de existir).

Vale ressaltar, que o egoísmo não é uma licença para “fazer o que quiser”. Lembre-se, a razão é nosso guia. Sendo assim, a ação humana deve ser orientada por princípios racionais. Isso implica não prejudicar os outros. Ayn Rand não tem problema nenhum com a generosidade e a bondade. O problema está em fazer o bem por obrigação, sacrificando o indivíduo em nome de um bem comum. A coerção mina a liberdade individual. Porém, Rand julga que fazer o bem por escolha voluntária e acordos mutuamente benéficos é bom tanto para o indivíduo, quanto para a sociedade.

Conclusão

Rand tem uma visão provocativa que desafia paradigmas estabelecidos, promovendo uma ética fundamentada na razão e no autointeresse. A compreensão do verdadeiro significado da palavra “egoísmo” emerge como um alicerce essencial para a construção de uma vida plenamente realizada. Desse modo, além de uma crítica pertinente ao altruísmo, Rand também propõe um código de valores alternativo, que visa a realização pessoal de forma integral, tornando imprescindível a discussão de questões éticas na atualidade.


*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


  1. RAND, Ayn. A virtude do egoísmo. Tradução de Matheus Pacini. São Paulo: LVM Editora, 2020, p. 33 ↩︎
  2. _________. A Revolta de Atlas. Tradução Paulo Henriques Brito. São Paulo: Arqueiro, 2017, p.1099-1100. ↩︎
  3. _________. O retorno do primitivo: A revolução antiindustrial. Tradução Ana Parreira. Campinas, SP: Vide Editorial, 2019, p.101. ↩︎

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