As novas heresias: a religião do progressismo

Acredito que não seja um absurdo afirmar que nós vivemos em tempos relativamente conturbados, afinal os inúmeros casos de polarização, brigas políticas e ideológicas prestam contas a tal situação em que a nossa realidade se encontra, seria possível afirmar até mesmo que por mais que estejamos vivendo nos tempos mais pacíficos da história de nossa espécie, também estamos vivendo em um dos mais confusos.

A polarização política segue como consequência de divergências naturais entre indivíduos? Ou seria resultado de alguma corrente filosófica que visa estimular tais conflitos? Essa é uma das grandes questões do nosso tempo presente, sendo apresentado no texto a seguir, uma tentativa comedida de compreender parte do problema.

A nova religião moderna: progressismo

Um dos arquétipos mais famosos e comuns dentro da cultura ocidental é sem dúvida o do cavaleiro cristão medieval, por vezes chamado de paladino, esse modelo de personagem descreve um nobre guerreiro virtuoso que luta contra as tentações do mal e que no fim da história reacende a ordem e o bem, vencendo o mal e salvando uma donzela indefesa.

Nada mais tradicional e cultural do que a estrutura de jornada do herói que segue o modelo do paladino, o famoso cavaleiro medieval, no entanto recentemente após a ascensão do ateísmo pós-iluminista, a nossa realidade substituiu o tradicional lugar da fé por novas crenças e pensamentos, o templo da razão localizado no tempo em 1793 no auge da revolução francesa denota muito bem essa substituição do sagrado transcendental por uma espécie de sagrado secular, por mais contraditório que isso venha a soar.

Tendo em vista a sequência dos fatos, pode-se afirmar com bastante clareza o surgimento de novos conceitos e crenças, muito bem sistematizados e que contém sua própria teologia ortodoxa, exemplos de escolas filosóficas tais quais essas são: Marxismo, positivismo, hegelianismo e etc.

A imanentização da escatologia: a promessa do mundo melhor

Porém as ideias que vieram ocupar o lugar que o sagrado tinha, não foram quaisquer ideias, apesar desse fenômeno está se alastrando para quase tudo, tradicionalmente associa-se a eleição de filosofias com caráter gnostico no que tange a nova religião secular.

O conceito apresentado por Eric Voegelin em sua obra “A nova ciência da Política”, nos apresenta uma explicação bem convincente do que ocorre atualmente, Voegelin relaciona a influência do pensamento gnostico dentro das correntes de pensamento progressista atuais, o que está totalmente ligado a perda do transcendental da nossa presente sociedade, apontada por autores como Friedrich Nietzsche e Karl Marx, ambos apresentando uma visão crítica e mordaz do cristianismo.

O pensamento gnostico trata-se de uma das mais antigas heresias dentro da cosmovisão cristã, caracterizando-o o mesmo de forma superficial, trata-se de uma visão de mundo onde o material caracteriza algo ruim e o imaterial caracteriza algo bom, dentro dessa visão o gnosticismo apoia-se na premissa de que Deus é portador do bem, logo do imaterial haja vista que nós seres humanos somos caídos, portanto deve-se destruir o material e erigir o imaterial, trazendo o reino dos céus à terra para o presente mundo.

Nota-se dentro do espírito gnóstico um repúdio à realidade presente e uma crença de que tempos bons virão, dentro dessa própria realidade e que para isso o material deve ser destruído, contrariando  a ortodoxia cristã que professa que esse mundo é de fato caído, porém que o novo mundo não se encontrará na presente realidade, muito pelo contrário, como afirma Jesus Cristo no evangelho de João O meu Reino não é deste mundo”.

A estruturação da religião progressista

Como demonstrado, com a descrença no cristianismo e o surgimento do pensamento de que o mundo melhor não será no paraíso, as novas correntes de pensamento começam a exigir que o paraíso venha ser aqui e agora, como afirma Karl Marx “Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que importa é transformá-lo.”

Assim temos a ascensão das novas correntes progressistas que funcionam, socialmente falando, exatamente como cultos religiosos, essa é a conclusão do linguista americano John McWhorter em sua obra “Woke Racism: How a New Religion Has Betrayed Black America”, portanto precisamos compreender agora como esse fenômeno social organiza-se e como lidar com tais crenças.

A primeira crença: o estímulo ao contraditório

Essa é uma das formas mais comuns do progressismo de pregar o seu evangelho, através de armadilhas retóricas que impedem qualquer tipo de questionamento ou contestação, um estímulo ao contraditório, a finalidade dessa prática é primeiramente dividir aqueles que são da mesma fé que eles e segundamente quebrar o raciocínio lógico dos indivíduos buscando reagir a lógica formal aristotélica, para assim os indivíduos poderem participar do culto de forma cega e obediente.

Trata-se de uma estratégia simples, porém brutalmente eficiente, o plano segue a seguinte estrutura:

Proposição A: Afirmação a priori sobre determinado tema, exemplo: “Indivíduos nascem com sua sexualidade determinada desde seu nascimento”

Proposição B: Outra afirmação a priori que contraria a primeira, mas não necessariamente de maneira direta, exemplo: “Todo e qualquer indivíduo tem direito de escolher a sua sexualidade e identificar-se com aquilo que mais lhe convém, afinal não existe um determinismo biológico”

Incorrendo no raciocínio lógico, é notável que ambas as afirmações se anulam, ou A é verdadeiro ou B é verdadeiro, não existe meio termo possível entre ambas, porém é aí que entra o elemento religioso, para diferenciar aqueles que compartilham  da fé irracional, e não falo isso de modo pejorativo, o progressismo moderno visa o irracionalismo em sua essência, logo chamá-lo de irracional não é perjúrio, sendo apenas um recurso descritivo. 

Os adeptos da militância religiosa, podem falar e cair em contradição abertamente, eles serão perdoados e compreendidos, porém aqueles que estão fora do grupo não possuem alternativa, isso serve como uma forma de conversão por meio da pressão, afinal ou você adere a ideologia corrente ou será um fascista.

O coletivismo, a supressão de toda e qualquer individualidade

Suprimir e destruir qualquer tipo de individualidade é um dos pilares básicos da nova militância religiosa, a ideia de indivíduo não só gera calafrios nos jovens progressistas como também repúdio, pois aquele que vai contra o bando ou o coletivo é tido como um traidor do grupo, é um apóstata.

Como apresentado no modelo do paladino, o novo progressista enxerga-se como um justiceiro social, onde ele é o cavaleiro virtuoso, a donzela indefesa seria a minoria que ele está salvando e o mal seria qualquer estrutura opressora da sociedade, como o patriarcado ou o capitalismo, por exemplo.

Diante disso, é muito difícil um justiceiro social enxergar o próprio mal ou até mesmo as consequências de seus atos, afinal o mesmo considera-se ungido, denotado de poder para distinguir o mal do bem, sendo ele o encarregado da difícil tarefa de trazer o paraíso à terra, Thomas Sowell caracteriza acertadamente intelectuais que agem dessa forma como “Intelectuais Ungidos”, onde os mesmos veem-se como Moisés, aquele ungido e escolhido por Adonai para libertar o povo hebreu do egito, o ungido vê-se como um profeta.

Cultura do repúdio, a institucionalização do ódio

Jesus Cristo afirma em Lucas 6:29: “Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém tirar de você a capa, não o impeça de tirar a túnica.” Decorre dessa afirmação a famosa máxima ocidental de “dar a outra face”, através dos ensinamentos do homem da galiléia, o ocidente internalizou a ideia de que odiar é errado e que o perdão é uma das maiores virtudes do homem.

No entanto, com o advento de correntes modernas de pensamento que contrariam essa máxima, começou-se a questionar veementemente os ensinamentos de Jesus, afinal de que serve a piedade e a compaixão? A resposta para isso, segundo alguns autores, é apenas para dominação dos fracos.

Pensadores como Marx afirmam que a ética, a moral e a compaixão nada mais são do que instrumentos utilizados pelos opressores para pacificar os oprimidos e adiar a sua revolução, logo a afirmação de Jesus é apenas cínica e fraca, que estimula a passividade humana diante da dominação, é apenas um grande esquema de poder.

Diante disso surge a cultura do repúdio progressista, como afirmado por Roger Scruton em “Como ser um conservador”, considera-se algo disruptivo e intelectual nos tempos presentes muito mais a ideia de criticar do que entender, logo assumisse uma posição impassível e intransigente de repudiar tudo aquilo que é tradicional e de valor, afirmando reforçar o patriarcado ou o racismo ou o machismo ou literalmente toda e qualquer estrutura opressora da sociedade.

A cultura do repúdio caracteriza-se pela institucionalização do ódio, instituindo devedores e credores, estabelecendo uma dívida de grupos, não indivíduos afinal indivíduos não existem, perante uns contra outros, o que leva a uma polarização e tensão social inevitável, afinal homens possuem uma dívida para com as mulheres devido a opressão que estas sofreram por parte destes, brancos possuem uma dívida para com os negros, pelo mesmo motivo, heterossexuais para com homossexuais, e assim por diante.

Os novos hereges

Após a breve explanação do fenômeno da religião progressista, deduz-se que o novo herege nos tempos correntes, nada mais é do que aquele indivíduo que conhece a própria individualidade, aquele que reconhece a si mesmo como posto no oráculo de Delfos “Conhece-te a ti mesmo”

O indivíduo sobressai-se perante a manada e aquele que pensa e questiona seguindo a tradição ociedental de pensamento, será o pior dos piores hereges, as novas fogueiras são as redes sociais e as novas perseguições são os cancelamentos, a ideia de purificar o indivíduo através do fogo reluz na ideia de fazer o indivíduo aprender por meio de tal cancelamento.

Diante desse cenário, aqueles que pensam e raciocinam perante os próprios termos encontram-se em situação similar a do profeta Elias, nos sentido sozinhos e desamparados, porém lembremos da frase que o anjo do Senhor proferiu a Elias: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer”.

Portanto nos apeguemos aquilo que sabemos ser valoroso, aos nossos princípios e valores e tornemos a não tornar um mundo um lugar melhor, mas a nós mesmos, afinal como afirma Jordan Peterson “Deixe a sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo”


1 comentário em “As novas heresias: a religião do progressismo”

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