Argumentum ad hominem como forma de supressão da liberdade de expressão

Argumentum ad hominem como forma de supressão da liberdade de expressão

No que exatamente consiste um argumentum ad hominem?

“Ataca-se a pessoa que apresentou um argumento e não o argumento que apresentou. A falácia ad hominem assume muitas formas. Ataca, por exemplo, o carácter, a nacionalidade, a raça ou a religião da pessoa. Em outros casos, a falácia sugere que a pessoa, por ter algo a ganhar com o argumento, é movida pelo interesse. A pessoa pode ainda ser atacada por associação ou pelas suas companhias. Todavia, o carácter ou as circunstâncias da pessoa nada tem a ver com a verdade ou falsidade da proposição defendida.”

Essa é a definição dada pelo filósofo Stephen Downes em seu “guia das falácias”, acredito que a maioria das pessoas estejam familiarizadas com esse tipo de argumentação, afinal é possível inferir que provavelmente todo mundo já passou por uma situação onde o seu “local de fala” é questionado. Porém, existe alguma razoabilidade nisso?

Razão x emoção

Não é complicado argumentar que muitas vezes durante um diálogo ou um debate, existe um embate entre os campos da razão e da emoção, afinal nós não somos seres puramente racionais (há controvérsias), logo nem sempre que nós entramos em um debate estamos sendo guiados apenas pela razão, mesmo que isso seja preferível para ambos os debatedores.

Tendo isso em vista, fica mais fácil de compreender eventuais possibilidades de um argumento ad hominem não ser usado de maneira falaciosa. Afinal, você seguiria os conselhos de um pedófilo para cuidados infantis? Acho que não!

Isso acontece porque quando nós estamos envolvidos em uma discussão, não estamos apenas trabalhando conceitos soltos, afinal como explicita Harry Binswanger em “The Objectivist Esthetics”, conceitos não existem, você não toca neles, ideias representam algo na realidade concreta, ou seja quando nós estamos a debater ideias, estamos de fato digladiando mais do que apenas ideias, estamos levando tudo que há de nós para o diálogo, podendo contrastar visões de mundo completamente diferentes. São duas realidades colidindo, Thomas Sowell em “Conflito de visões” demonstra como nós, seres humanos, temos uma visão focal da realidade, ou seja, indivíduos podem apresentar visões integralmente distintas sobre o mesmo assunto chegando a respostas completamente diferentes, isso significa que ambas as respostas estão corretas? De forma alguma! 

As pessoas debatem tais ideias, a princípio, visando chegar no que há de verdadeiro, uma solução para as discordâncias, mesmo que essa solução seja muito difícil de se alcançar.

O tal do lugar de fala

Bom, para entender como o tipo de argumentação ad hominem funciona atualmente, precisamos pensar sobre a ideia de lugar de fala, precisamente como essa ideia é utilizada.

Primeiramente, é crucial compreender uma coisa, ideias podem existir de maneira conceitual no universo acadêmico ao mesmo tempo que existem no imaginário popular, e não é incomum que muitas vezes essas ideias possuam definições completamente diferentes em ambas realidades, consequentemente implicando em coisas diferentes.

Se você quer compreender de forma acadêmica o conceito de lugar de fala, você o encontrará na obra “lugar de fala” de Djamila Ribeiro, a intenção aqui não é trabalhar a ideia acadêmica, mas sim como ela é utilizada popularmente.

E como nós entendemos popularmente o tal do lugar de fala? É bem simples, se você não viveu uma realidade, você não opina! Sem útero, sem opinião! (você já ouviu isso antes, né?)

É possível reconhecer alguma razoabilidade nessa linha de raciocínio, afinal, como disse antes, possivelmente você não seguiria os conselhos de um pedófilos sobre cuidados infantis, até aqui tudo bem, estamos falando de mero bom senso, no entanto o problema começa a surgir quando qualquer tipo de discussão é interditado pela ideia de “se você não viveu uma realidade, você não pode opinar”.

Mas por que?

Epistemologia, o nosso amigo querido

Epistemologia é o nome dado ao estudo do conhecimento e suas formas. Tenta descobrir como o conhecimento é adquirido pelas pessoas a partir dos princípios da crença, verdade e justificativa.

Efetivamente falando, quando nós estamos discutindo lugar de fala, estamos tratando de epistemologia, mas além disso, estamos tratando de qual é a forma válida de se obter conhecimento, entrando até mesmo em âmbito moral.

Quando nós estamos tratando de um argumento ad hominem, estamos tratando de uma forma de ver o mundo que implica nas seguintes consequências:

1- Apenas as suas vivências validam as suas afirmações (essa afirmação pode ser analisada tanto de maneira formal quanto moral)

2- Além da sua vivência, você precisa pertencer ao grupo correto para a sua afirmação possuir validade

3- Caso você não possua um dos requisitos acima, você não só não pode ter uma opinião, a sua capacidade de formar e adquirir conhecimento sobre o tema em questão torna-se inválida e inviável. 

Esses corolários não só inviabilizam o mero debate, eles inviabilizam a produção de conhecimento como um todo, eles tiram uma das principais capacidades e vantagens que nós possuímos como espécie, a linguagem.

Linguagem, uma arma poderosa

Como você sabe que não é saudável beber 30 litros de café todos os dias, afinal, mesmo que você seja um médico, você nunca de fato bebeu 30 litros de café para saber se isso é saudável ou não, porém sabe que não é. Por que isso é possível?

Porque alguém já descobriu antes de você! (não necessariamente bebendo 30 litros de café, óbvio)

A linguagem permite que nós realizemos transferência de conhecimento entre nós, podemos pegar algo concreto da realidade e transformar em algo imaterial, de modo que podemos ter a “vivência” de certas experiências sem precisar viver essas experiências de fato e isso é uma clara vantagem evolutiva para os seres humanos, a partir disso nós conseguimos ampliar e muito a nossa produção de ferramentas e qualidade de vida, como afirma Hans-Hermann Hoppe em Uma Breve História do Homem: Progresso e Declínio”.

Ou seja, eu não preciso errar para aprender o que me faz mal, pois me é possível, através da língua, aprender com os erros alheios e evitá-los. Você já consegue saber aonde quero chegar, certo?

A partir do momento em que o debate moderno caracteriza-se por evitar a transmissão de conhecimento devido a falta de “vivência” de certas situações, estamos efetivamente involuindo socialmente.

A origem das ideias

Vamos pensar numa coisa simples, de onde surgem as ideias? Essa pergunta pode parecer extremamente trivial, no entanto é fundamental para compreender aonde nós estamos entrando quando discutimos a natureza de um debate baseado em argumentos ad hominem.

Considerando a impossibilidade de traçar uma linha de nexo causal até a origem de cada uma de nossas ideias, a aplicação do conceito de lugar de fala torna-se inviável, como podemos compreender, os próprios pensadores que fundamentam o conceito de lugar de fala, teoricamente, não possuem “lugar de fala”, afinal os mesmos são europeus brancos e ricos. 

Como afirma Hayek, o conhecimento está distribuído pela sociedade, ou seja, mesmo que você seja influenciado pelo seu contexto, é virtualmente impossível saber de onde vem cada uma de suas ideias, impossibilitando o funcionamento de um lugar de fala.

Os fatos importam, e apenas eles

Nós vivemos em uma época de forte pressão social para o indivíduo, todos devem ter uma opinião sobre tudo. Naturalmente cada vez mais as pessoas se voltam para os outros indivíduos e quando uma opinião lhes desagrada, ao invés de atacarem as ideias atacam os indivíduos.

Para começarmos a melhorar esse prognóstico, faz-se necessário focarmos nossas discussões em ideias de fato, não em nosso pequeno e desprezível ego e abandonarmos os debates vazios, eles não servem de nada.

Argumentos ad hominem surgem nos mais diversos contextos, porém, no momento, possuímos duas opções, colocar ainda mais lenha na fogueira para esses argumentos ou criarmos um ambiente de discussão que impossibilita o uso exacerbado deles, cabe a nós escolhermos.


Gabriel Barros

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *