Se você acompanha política, assista Attack on Titan
Attack on Titan é um dos poucos animes que saiu da bolha e atingiu o público geral. Ele ficou conhecido como o Game of Thrones dos animes, onde qualquer um poderia morrer a qualquer momento. No entanto, a série que começou como uma épica batalha preto no branco entre humanos e titãs evoluiu para uma série extremamente cinza que retrata o nosso mundo de discordâncias políticas como poucas conseguiram. Neste artigo, tentarei mostrar (com o mínimo de spoiler possível) como assistir Attack on Titan é fundamental para entender como lidar com a política no nosso mundo atual.
Um resumo para quem não conhece
Em Attack on Titan a humanidade foi quase extinta pelos titãs, gigantes irracionais comedores de humanos, e a última nação sobrevivente vive dentro de três muralhas. A história começa quando um titã imenso quebra uma das muralhas, e o protagonista ainda criança foge jurando um dia matar todos os Titãs. Anos depois, ele descobre que pode se transformar num titã e se tornar a maior arma da humanidade. Mas como toda história de ação, são descobertos os “guerreiros”, outros humanos infiltrados com o poder de Titã que vieram de fora das muralhas jurando matar todos de dentro.
Até aí nada diferente do que se espera de uma história infanto juvenil, não? Uma típica batalha do bem contra o mal, humanos contra titãs, num espetáculo de animação e trilha sonora épicas e com uma abertura que te chama para a batalha!
Naquele dia, a humanidade se lembrou o horror que é viver dentro de uma gaiola
Os monstros somos nós
O autor, porém, leva a história para outro caminho: os guerreiros não são a encarnação do mal, mas sim personagens que passaram anos convivendo com o protagonista e o povo dentro das muralhas. Quando são descobertos, eles mais de uma vez hesitam e se arrependem pelo que fizeram, mas continuam fazendo.
E quando finalmente fogem de volta para o seu povo, os papéis se invertem. Agora o ponto de vista da história muda para os guerreiros, e descobrimos que o povo de dentro das muralhas é odiado pelo povo de fora como demônios na Terra. Nossos heróis então se infiltram eles mesmos neste novo povo e, do ponto de vista dos vilões, vemos os heróis da história massacrando homens, mulheres e crianças sem motivo.
As vantagens de ser um radical
Mais do que apenas mostrar dois lados como vilões num ciclo de ódio sem fim, Attack on Titan toma o cuidado de fazer tanto os heróis quanto os vilões conviverem antes com o povo que irão atacar e descobrir uma triste verdade: nenhum povo é demoníaco. No fundo, todos só querem viver felizes e realizar seus sonhos em paz.
Essa é uma lição que não aprendemos na vida real, onde criamos estereótipos inimigos para derrotar: seja o comunista ateu que quer destruir as igrejas e depravar as crianças com kit gay, o branco rico que quer matar pobres e minorias de fome porque o incomoda ter-los por perto, o macumbeiro satânico, a feminazi, o gay que quer que todos no mundo virem gays, os fascistas e neonazistas, os padres pedófilos, o mussulmano terrorista, os cidadãos de bem defensores do bandido bom é bandido morto ou até mesmo a esquerda caviar que defende, com o seu iphone, o fim da polícia e mais os direitos dos bandidos do que das vítimas, o que não falta são estereótipos de monstros.
Mas nada disso é real! Há sim pessoas que se encaixam nesses esteriótipos, como a Marilena Chauí defendendo o assalto, ou o Paulo Guedes criticando empregadas domésticas indo pra Disney, e o que fazemos é só generalizarmos o que não gostamos para todos do grupo. Afinal, como na clássica esquete do Monty Python, a vantagem disso é dizer que todo o mal no mundo está no meu inimigo e, se não fosse por ele, nós não estaríamos tomando decisões ruins. Nos sentimos bem em ter um inimigo que possamos malhar, e também não nos faltam horrores e massacres quando nós humanos deixamos de ver o outro como um semelhante.
Então como acabar com o ciclo de ódio?
Há em Attack on Titan uma cena que diz tudo. Um dos guerreiros voltou para o seu povo e agora jantava com sua família. Ele havia convivido para dentro das muralhas e aprendido a verdade, mas sua família ainda acreditava que os heróis da história eram uma raça de demônios na Terra. Ao invés de brigar com eles, ele dá o seguinte relato de guerra, com a cara séria de um soldado revivendo um trauma:
“Eu me infiltrei no exército daquela ilha. Os soldados eram verdadeiros demônios, um bando de gente cruel e desumana. Durante a cerimônia de ingresso, tinha uma pessoa que de repente começou a comer uma batata. Quando questionada pelo instrutor, ela respondeu sem remorso: ‘Eu roubei porque parecia gostosa’. Essa vilã entendeu que tinha feito algo errado, então tentou oferecer meia batata. No entanto, o que ela ofereceu era bem menos da metade. Nenhum dos dois sabia fazer concessões. Eram mesmo pessoas sem salvação. Um idiota que foi ao banheiro e esqueceu o que ia fazer, um cara sem seriedade nenhuma que só pensava em si mesmo, um cara sério demais que só pensava nas outras pessoas, um cara que só pensava em sair correndo, e aqueles que ficavam ao lado dele não importa o que acontecesse. E no meio de todas essas pessoas diferentes, era onde nós estávamos. Os dias que passamos lá era como se estivéssemos no inferno.”
Percebeu a sutileza? Ele descreve pessoas comuns. A chave para acabar com ciclos de ódio é conhecer o outro odiado e entender que ele é tão humano quanto você. É incrivelmente difícil na vida real, mas já aconteceu. Podemos ver isso acontecendo no macro com os avanços do movimento LGBT+, mas nada para mim bate Daryl Davis, o cantor negro que frequentou reuniões da Ku Klux Klan e conseguiu fazer mais de 500 membros abandonarem a seita racista! O importante é que Daryl não foi às reuniões para convertê-los, mas para conhecer melhor essas pessoas e porque elas o odiavam. Convivendo com ele, muitos membros da Klan perceberam que o esteriótipo dos negros que tinham em sua cabeça era deturpado, e passaram eles mesmos a denunciar a Klan.
Um exemplo disso no Brasil que é capaz de abrir muitas mentes é Rodrigo Pimentel, o oficial do Bope que inspirou o personagem Capitão Nascimento. É de se esperar que um policial do BOPE como Rodrigo fosse o típico defensor de “bandido bom é bandido morto” e “direitos humanos pra humanos direitos”, mas ele mais de uma vez elogiou o trabalho de Marcelo Freixo e sua importância como membro de grupos de famílias de presos na hora de dialogar com detentos em rebelião. Mais do que isso, ele conheceu e afirmou que Marielle Franco não tinha envolvimento com bandidos, e que sua morte poderia ser uma retaliação pelo papel do PSOL na investigação e prisão dos grandes poderosos do MDB no Rio.
Para toda Gleisi Hoffmann, existe um Eduardo Suplicy, assim como para todo Paulo Kogos, existe um Raphäel Lima. É muito mais fácil acreditar que quem discorda de nós faz isso porque tem algum desvio moral ao invés de uma razão legítima, mas isso é mentira, e Attack on Titan nos ensina a maturidade política de que esse caminho não tem futuro. Afinal, teriam os heróis da história acabado com o ciclo de ódio se matassem todas as pessoas vivendo fora das muralhas? Ou será que uma solução diplomática será capaz de dar um fim a tudo isso?
Vai ter de assistir para saber como essa história termina, mas eu te garanto que o seu olhar de política nunca mais será o mesmo.
Texto por Paulo Grego
Arte por Tailize Scheffer
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