A Importância do Indivíduo como Agente Autônomo frente à Crescente Pressão Coletivista

A importância do indivíduo como agente autônomo frente à crescente pressão coletivista

O que se deve entender por “pressão coletivista”

O coletivismo pode ser definido como, basicamente, o oposto do individualismo. Mas, aprofundando um pouco a definição, pode-se dizer que ele ocorre quando os indivíduos que fazem parte de um grupo se submetem ao interesse coletivo abrindo mão de seus interesses para servirem aos demais, sacrificando-se por eles.

Na prática, isso implica numa forte coerção dos membros componentes daquele coletivo, visto que para se dizerem pertencentes à causa eles devem seguir uma espécie de cartilha de posicionamentos, sendo invalidados no instante que discordarem da “causa maior”. Ayn Rand1 brilhantemente colocou que “o argumento pela intimidação é uma confissão de impotência intelectual”, usado para que a atenção se direcione não para “o que” está sendo falado, mas sim para “como” aquilo é dito, fazendo com que a forma sobreponha o conteúdo.

O preocupante disso é que, quanto mais se preocupam na forma de falar, menos se atentam à qualidade da informação e, acima disso, deixam de se preocupar com a verdade. Sim, a verdade, pura e no singular, afinal os fatos são o que são, ainda que sejam inoportunos. Contudo, o mainstream se esforça cada vez mais para afastar de toda forma o caráter absoluto da verdade, gerando uma verdadeira pressão para que todos os indivíduos sigam um mesmo ponto de vista, uma vez que “toda opinião é válida” desde que esteja de acordo com eles.

Liberdade individual: o que está incluso no combo?

Tudo. Como mencionado, o coletivismo se opõe ao indivíduo; ele, por sua vez, deve ter suas características protegidas, a liberdade para ser o que quer e a responsabilidade para lidar com as consequências de seus atos, já que, como dito por Rand: “Você pode ignorar a realidade, mas não pode evitar as consequências de ignorar a realidade”.

Ainda no raciocínio de Ayn Rand, uma de suas máximas mais conhecidas é “A menor minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias”. Essa afirmação por si só é capaz de contrariar toda a estrutura de raciocínio – ainda que falaciosa – do coletivismo, uma vez que para defender as chamadas minorias, é necessário proteger os direitos individuais, como a liberdade.

A liberdade individual é necessária por ser o que permite o ser humano de agir por si mesmo, e mais especificamente, errar por si mesmo. O coletivismo exige que o homem erre por uma causa maior, numa falsa noção de que “os fins justificam os meios”2, criando a ilusão de que, caso você esteja disposto a se sacrificar pelo ideal imposto – não proposto – o movimento fará o mesmo por você num momento oportuno, o qual nunca chegará. Por fim, cabe repetir as palavras de Rand ao recomendar que “Não cometa o erro dos ignorantes de pensar que um individualista é um homem que diz: “Eu farei o que quiser às custas de todos”. Um individualista é um homem que reconhece os direitos individuais inalienáveis do homem – os seus próprios e os dos outros”.

Como o indivíduo é capaz de frear o totalitarismo

Dado que a menor minoria é o indivíduo, parece impossível a possibilidade de que ele seja o capaz de frear o totalitarismo. Contudo, é justamente a preservação das individualidades o que impede um avanço dos regimes autoritários.

Jordan Peterson3 retrata bem isso ao longo de sua carreira. Ficou conhecido – e cancelado – por se opor à imposição do pronome neutro, mesmo reconhecendo a existência de não-binários. Seu ponto nunca foi questionar a identidade de terceiros, até por entender que a liberdade para isso deve ser protegida; ao contrário disso, explicou exaustivamente que, ao impor através de uma norma o que as pessoas devem dizer e como deve ser dito, abrir-se-á um precedente para uma ditadura, uma verdadeira imposição de certo e errado; um regime totalitário.

Peterson diz que “Se você ficar calado quando algo ruim acontecer diante de seus olhos, o mal se tornará parte de você mesmo”. Essa frase provavelmente faz referência a um dos seus autores preferidos, Friedrich Nietzsche4: “Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E, se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você”. Ambos expressam a mesma ideia: o indivíduo deve se pronunciar ao menor sinal de erro moral. Mais do que isso, deve-se agir conforme o que é moralmente correto, ainda que institucionalmente errado; ter uma moral forte e princípios bem afirmados é o diferencial necessário para combater a imposição de ideias. Prova disso é a jornada do autor Alexandre Soljenítsin5, descrita por Peterson como “a decisão de um homem em mudar sua vida, em vez de amaldiçoar o destino, balançou todo o sistema patológico da tirania comunista até seu âmago”.

A liberdade do outro permite que ele discorde de mim, e agora?

Aceite. É necessário impedir a coerção, ainda que o ideal proposto lhe faça sentido à primeira vista, e é preciso apoiar a liberdade, mesmo que a ideia defendida vá de encontro com suas crenças. Talvez essa segunda parte seja a mais complexa para executar, visto que é difícil separar o direito de dizer do conteúdo da fala.

Entretanto, a única chance real de combater a pressão coletivista é possibilitar que todos possam dizer o que pensam, ainda que errados, por uma proteção ao direito de argumentar e se defender. Evelyn Beatrice Hall6, ao buscar sintetizar o pensamento de Voltaire7, cunhou a frase “posso não concordar com nenhuma das palavras que dizes, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”, retratando perfeitamente a defesa da liberdade alheia.

Nesse mesmo sentido há uma importante fala, por vezes tratada até como poema, dita por Martin Niemöller após o regime nazista:

Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado — porque não era socialista.

Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado — porque não era sindicalista.

Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado — porque não era judeu.

Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender.

Essa citação é a concretização de que, em defesa da própria liberdade, faz-se necessário proteger também a liberdade de terceiros.


*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


Referências Bibliográficas:

14 Frases de Jordan Peterson: um dos intelectuais mais relevantes do século XXI. Brasil Paralelo. Disponível em: https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/frases-de-jordan-peterson. Acesso em: 19 set. 2023.

Algumas citações de Ayn Rand. Objetivismo Brasil. 30 abr, 2019. Disponível em: https://objetivismo.com.br/artigo/algumas-citacoes-de-ayn-rand/. Acesso em: 19 set. 2023.

Martin Niemoller: “Primeiro eles vieram buscar os…”. Enciclopédia do Holocausto. Disponível em: https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/martin-niemoeller-first-they-came-for-the-socialists. Acesso em: 20 set. 2023.

Caos e Ordem: a ascensão de Jordan Peterson. Direção: Patricia Marcoccia. Produção: Holding Space Films. Canadá, 2019. 

“Ayn Rand e os devaneios do coletivismo”: o Objetivismo na coleção “Breves Lições”. Objetivismo Brasil. 01 jun. 2019. Disponível em:  https://www.institutoliberal.org.br/recente/ayn-rand-e-os-devaneios-do-coletivismo-o-objetivismo-na-colecao-breves-licoes/. Acesso em: 20 set. 2023.

Argumento da Intimidação. Objetivismo Brasil. Disponível em: https://objetivismo.com.br/dicionario/argumento-da-intimidacao/. Acesso em: 20 set. 2023.


Notas de fim:

  1. Ayn Rand foi uma escritora, dramaturga, roteirista e filósofa norte-americana de origem judaico-russa, mais conhecida por desenvolver um sistema filosófico chamado de Objetivismo, e por seus romances. ↩︎
  2. é uma paráfrase de Nicolau Maquiavel, significando que se os objetivos forem importantes o suficiente, qualquer método para os atingir é aceitável. ↩︎
  3. Jordan Peterson é um psicólogo clínico, escritor, comentarista de mídia e professor canadense de psicologia da Universidade de Toronto. Suas principais áreas de estudo são a psicologia analítica, social e evolucionista, com particular interesse na crença ideológica, personalidade e na psicologia da religião. ↩︎
  4. Friedrich Wilhelm Nietzsche foi um filósofo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX. Escreveu vários textos criticando a religião, a moral, a cultura contemporânea, filosofia e ciência, exibindo uma predileção por metáfora, ironia e aforismo. ↩︎
  5. Alexandre Soljenítsin foi aprisionado em um campo de trabalho soviético, sendo preso, torturado e lançado na prisão pelo próprio povo. Depois foi acometido de câncer. Sua vida foi mais miserável por causa de Stalin e Hitler. Em vez de culpar a Deus e aos outros, ele agiu como o autor de sua vida. O resultado foi expresso no livro Arquipélago Gulag, que pôs em xeque a credibilidade intelectual do comunismo, como uma ideologia ou sociedade. ↩︎
  6. Evelyn Beatrice Hall, que escrevia sob o pseudônimo de S.G. Tallentyre, foi uma escritora britânica mais conhecida por sua biografia de Voltaire intitulada “Os Amigos de Voltaire”, que concluiu em 1906.
    ↩︎
  7. Martin Niemöller foi um conhecido pastor luterano na Alemanha. Na década de 1920 e início da de 1930, ele simpatizava com muitas das ideias nazistas e apoiava movimentos políticos radicais de extrema direita. Mas, após Adolf Hitler chegar ao poder em 1933, Niemöller tornou-se um crítico ferrenho da interferência de Hitler nas igrejas protestantes. Ele passou os últimos oito anos do governo nazista, de 1937 a 1945, em prisões e campos de concentração.
    ↩︎

1 comentário em “A Importância do Indivíduo como Agente Autônomo frente à Crescente Pressão Coletivista”

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