Durante a Conferência Nacional do Partido Democrata de 2024, a ex-candidata à presidência Hillary Clinton fez um discurso cujo trecho abaixo merece ser mencionado:
Portanto, nos próximos 78 dias, precisaremos trabalhar mais do que nunca. Precisamos de combater os perigos que Trump e os seus aliados representam para o Estado de direito e o nosso modo de vida. Não se distraia ou seja complacente. Converse com seus amigos e vizinhos. Voluntário. Sejam orgulhosos campeões da verdade e do país que todos amamos.1
Em 2016, as pesquisas mostravam Hillary à frente, mas Trump venceu. Em 2024, as pesquisas apontavam para uma disputa acirrada. Se você assistisse à TV americana, teria a sensação de que os Swing States (Estados Pêndulo) seriam disputados voto a voto.
A fala de Hillary serviu para dar um aviso aos Democratas, deveras entusiasmados com a troca de candidatos de última hora: a animação e alívio de não verem Joe Biden no topo do ticket presidencial, por si só, não vencem uma eleição.
Quando Trump venceu em 2016, escrevi sobre sua vitória. Talvez ao tratar a respeito do Movimento Trump tenha explicado mais a respeito daquela eleição do que farei neste. A verdade é que esta é uma vitória com muitas questões a serem analisadas e não há uma resposta pronta, mas existem indicadores que precisam ser considerados para uma melhor compreensão do cenário atual.
As pesquisas de intenção de voto.
Entre 21 de Julho – data em que Biden desistiu de sua candidatura à reeleição – e o dia em que os americanos foram às urnas, as pesquisas mostravam um ganho para Kamala Harris e, apesar de ser uma disputa acirrada, as impressões eram de que a Vice-Presidente viria a se tornar a primeira mulher a presidir os Estados Unidos da América.
A questão dos erros nas pesquisas é algo a ser analisado mais pormenorizadamente por aqueles que compreendem de estatística, eu, como sou de humanas, volto a mencionar o aspecto da sanção social. O clima de divisão política não é mais apenas uma diferença de opinião nos Estados Unidos, especialmente após os terríveis acontecimentos do dia 06 de janeiro de 2020. A questão agora divide famílias e termina amizades de décadas.
Contudo, entre os que gritam seu apoio a um ou a outro, existem os indecisos, os que não têm fidelidade a partido nenhum, mas se preocupam com o futuro, querem soluções e, nestas eleições, eles formaram uma parcela considerável dos votos a serem buscados.
Em Novembro a ABC News3 noticiava que 13% dos eleitores independentes (aqueles que não são registrados como republicanos ou democratas) ainda estavam indecisos, o que poderia desequilibrar os resultados, para um lado ou para outro.
Mas e a Sanção Social, o que tem a ver com isso? É simples, quando você é atacado em seu caráter por ter uma opinião política, para qualquer lado que seja, a não ser que você esteja comprometido com as causas nas quais acredita, você vai escolher acreditar nelas em silêncio, sem passar por tanto julgamento. Afinal, seu voto terá o mesmo peso que qualquer outro, sem que você precise passar por situações desconfortáveis ou embaraçosas com seus amigos e familiares. Muita gente concorda só por preguiça de discutir.
Relembre a fala de Hillary Clinton, e você vai entender o porquê de ela ter dado este aviso em meio a um discurso que falava que “o futuro é agora”. Este fenômeno não é contabilizado em pesquisa de intenção de votos, mas muda o curso das eleições e decide o vencedor.
Com o que o eleitor se importa?
Outro ponto a ser considerado são as preocupações do povo americano. Por meio deste dado poderemos compreender quem melhor se comunicou com o eleitor, quais propostas pareceram melhores ou quem eles achavam que teria reais condições de cumpri-las.
Abaixo, uma pesquisa mostra as cinco questões mais importantes para os eleitores, tanto Republicanos (em vermelho) quanto Democratas (em azul):
Enquanto os Republicanos se preocupam com: economia, imigração, terrorismo e segurança nacional, crime e impostos, respectivamente, os Democratas se preocupam com: democracia nos Estados Unidos, tipo de candidatos para a Suprema Corte que seriam escolhidos, aborto, saúde e educação, respectivamente.
Percebam que, neste caso, ao revelar os resultados, houve o cuidado de deixar, como subtítulo, a pergunta, como foi feita para os participantes.
A tabela abaixo é da mesma época, Outubro de 2024, mas não separa os eleitores por partido. Neste caso, você tem um recorte maior e pode ver o que preocupa mais pessoas para além das ideologias partidárias, pois os eleitores independentes também fazem parte das estatísticas.
Assim, temos que a ordem de preocupações é: inflação (preços), imigração, emprego e a economia, aborto, saúde, clima e o meio ambiente, segurança nacional, impostos e gastos do governo, direitos civis, educação, liberdades civis, armas (referente ao direito concedido pela segunda emenda da Constituição dos EUA), crime, política externa e reforma da justiça criminal.
Neste ponto, eu quero citar uma importante pergunta feita a eleitores: quem lidaria melhor com algumas de suas maiores preocupações? Atenção! Não enganem ao olhar apenas para os números e interpretar as porcentagens que cada um tem. Verifiquem quem ganhou nas pautas mais importantes.
O aviso acima é essencial, pois estas eleições foram decididas pelos eleitores independentes. Ainda que os registrados – de um partido e de outro – tenham sua importância, o desempate seria feito por aqueles que estão no centro, não nos extremos.
Eu não estou dizendo que o Trump é melhor, nem pior, estou querendo mostrar a vocês que, para a maioria dos eleitores, ele conseguiria lidar com as questões que realmente afetam a maioria dos americanos no dia-a-dia: economia e política externa.
Além disso, ele vence em importantes tópicos que agradam ao público conservador: imigração e políticas relacionadas ao direito à posse e porte de armas. Aqui vale lembrar que, mesmo que sejam os Republicanos quem tenham a visão mais desfavorável em relação à imigração, o número de imigrantes ilegais também é uma preocupação para alguns dos eleitores independentes.
Trump foi mais efetivo em comunicar-se com o eleitor, falou o que a maioria queria ouvir, fez com que vissem nele as mesmas preocupações que sentem todos os meses ao pagarem as contas e fazerem as compras.
Kamala Harris teve sua mensagem parcialmente apagada pelo fato de tocar em pontos extremamente ideológicos, como aborto, que são muito importantes para o seu público, mas que não necessariamente são a preocupação diária de mães e pais de todo o país. Assim, suas propostas para as áreas importantes ficavam em segundo plano na mente dos eleitores, porque a mensagem partidária soava mais alto.
Quem votou em quem?
O ponto final para que seja possível uma compreensão melhor a respeito do que aconteceu é entender como os eleitores votaram, por gênero, idade, grupo étnico, nível de educação e local onde vivem.
Harris venceu no que diz respeito aos votos latinos, mas ainda sim houve perdas em relação a 2020 (Biden havia conseguido 32%, a ex-Vice-Presidente caiu para 11%) Trump, em compensação, melhorou ao conseguir mais votos femininos. Em 2020, 55% das mulheres votaram em Biden contra 43% de Trump, já em 2024, Kamala venceu Trump, no mesmo grupo demográfico, mas por menor vantagem: 53% contra 46% para o Republicano.
Outro dado importante: Biden teve 19% dos votos dos Afro-Americanos, contra 2% de Trump, mas nas últimas eleições Harris logrou 18% e Trump teve melhora, com 3%. De fato, parecem ganhos pequenos, mas ao se somarem estes números foram importantes já que, ao contrário dos Democratas, o candidato Republicano manteve sua base em relação a 2020.
Trump não mudou, o que aconteceu foi que a enorme onda de esperança e expectativas criadas em 2020 criaram um ar de desapontamento nos eleitores em 2024. A sensação é a de que a administração Biden não foi nem de longe tão eficiente e tenaz quanto foi Trump em cumprir suas promessas de campanha.
Agora é possível compreender como Trump venceu as eleições, tanto no colégio eleitoral, quanto nos votos populares. O Republicano logrou 77,303,573 de votos, contra 75,019,257 para Harris. Vale lembrar que, em 2016, Donald perdeu para Hillary Clinton nesta mesma categoria, apesar de ter vencido as eleições.
Parabéns, Sr. Presidente.
O título deste tópico não é uma congratulação pessoal minha, são as palavras que todo presidente escuta logo após terminar de repetir o tradicional juramento. Esta frase é seguida pelo hino presidencial Hail To The Chief, e é o momento do fim de uma administração e início de outra.
Em seu primeiro dia, Trump assinou inúmeras Ordens Executivas, dentre elas, é importante notar as seguintes:
- Concedeu Perdão Presidencial para cerca de 1.500 pessoas envolvidas na invasão ao Capitólio em 06 de Janeiro de 2020;
- Concedeu Perdão Parcial para declarar como totalmente cumpridas as penas de 14 pessoas envolvidas na invasão ao Capitólio em 06 de Janeiro de 2020;
- Mudou a regra da concessão da cidadania americana por nascimento, assim, filhos de imigrantes ilegais ou turistas (mesmo que em condição legal) que nascerem em solo americano não terão mais direito à cidadania;
- Saiu do Acordo de Paris;
- Saiu da OMS;
- Mudou o nome do Golfo do México para Golfo da América;
- Pausou o banimento do TikTok por 75 dias;
- Declarou situação de emergência nacional na fronteira com o México;
- Suspendeu o Programa de Admissão de Refugiados dos Estados Unidos;
- Determinou que aqueles que pedirem asilo nos Estados Unidos deverão esperar pelo resultado de seus pedidos no México, sem permissão para entrada em solo Americano enquanto aguardam a resposta.
Quando eu mencionei, no tópico anterior, que Trump demonstra ao eleitor uma eficiência maior em cumprir suas promessas de campanha, esta pequena lista de algumas das Ordens Executivas assinadas é um claro exemplo disso. Eis a lição que a esquerda no mundo inteiro não quer aprender: não importa quem tem vergonha do Trump, de suas ideias e seus objetivos; ele tem orgulho de si mesmo, do que pensa e do que quer fazer.
A primeira rodada de ordens executivas foi assinada ao vivo, enquanto Trump conversava com a imprensa, durante cerca de 90 minutos. Durante este tempo, o presidente falou com tranquilidade frases que causaram ansiedade em muitos ao redor do mundo.
Quando uma repórter brasileira perguntou ao presidente americano se ele já havia falado com o presidente Lula, emendando também questões sobre as relações com o Brasil e com a América Latina, a resposta foi clara:
“A relação é excelente. Eles precisam de nós, muito mais do que nós precisamos deles. Não precisamos deles. Eles precisam de nós. Todos precisam de nós”.8
É sobre os BRICS que você quer saber? Pois bem, o presidente respondeu:
“Eu acho que [os países do Brics] estavam procurando prejudicar os Estados Unidos, e se fizerem isso, não ficarão felizes com o que vai acontecer”. 9
A promessa é: se os BRICS abandonarem o Dólar como moeda em suas transações, Trump vai taxar os produtos dos países-membros em 100%, vou escrever por extenso para você não achar que eu me confundi: cem por cento.
Falando em Taxas, México e Canadá estão nos planos de Trump, o presidente quer estabelecer uma tarifa de 25% sobre ambos os países a partir de 1º de Fevereiro. Os leitores que me perdoem, eu perdi minha capacidade de conter o sarcasmo. Neste momento, eu só consigo pensar que, no caso do Canadá, as tarifas acabariam caso o presidente realmente consiga anexá-los aos Estados Unidos. E, não, até a última vez que eu chequei a Groelândia ainda não estava à venda. Bom, na verdade, ela jamais esteve.
Outro objetivo de Trump é a retomada do controle do Canal do Panamá:
“Demos o Canal ao Panamá e vamos recuperá-lo”
[…]“A China está operando o Canal do Panamá, e nós não o demos à China”.10
Enquanto desenvolvia este texto, a ordem executiva de Trump que determinou que filhos de imigrantes ilegais ou turistas (mesmo que em condição legal) que nascerem em solo americano não terão mais direito à cidadania passou a enfrentar desafios legais de 22 estados.
Isto porque a regra para a cidadania consta na décima quarta emenda da Constituição e não faz nenhuma referência ao status dos pais, ao definir o nascimento em solo americano como uma condição que torna a criança um cidadão. Esta regra não é absoluta, uma exceção é o caso de filhos de diplomatas em serviço para seus respectivos países que estejam em solo americano.
No entanto, a Suprema Corte, que conta com maioria conservadora e 3 juízes indicados pelo atual presidente, em seu primeiro mandato, pode entender que a regra estipulada na ordem executiva não fere a Constituição justamente pelo fato do texto constitucional ser omisso no que diz respeito à condição dos pais – imigrantes legais, ilegais ou turistas – como uma condição ou como uma outra exceção.
É importante citar a Corte Suprema pois, apesar de este processo não ter ido direto para a sua análise – como seria o caso no Brasil, por exemplo, na forma de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – certamente caminhará até que seja necessário um posicionamento sobre esta questão. Outro ponto importante é que não há nenhum precedente legal (não há jurisprudência) que trate a respeito desta controvérsia.
O que esperar nos próximos 4 anos?
Eu vou repetir algumas coisas, porque acho importante que elas sejam finalmente aprendidas, mas explicarei algumas outras: por que não citar o discurso de posse? Simples, porque as atitudes do presidente logo após a cerimônia são suficientes para compreender que está decidido a fazer exatamente o que prometeu à ala mais fervorosa de seus apoiadores.
Trump não mudou, mas a esquerda também continua a mesma. As táticas que afastaram os eleitores de centro jamais foram vistas sob um ponto de vista de correção e autocrítica.
Este ar de “sou melhor que você”, assim como esta empáfia ridícula de celebridades e políticos que se acham mais inteligentes e mais especiais, mesmo que suas vidas sejam uma bolha tão distante da realidade da maioria da população, quanto a Terra é do Sol, gerou repulsa, afastou aqueles com quem poderiam conversar e a quem poderiam convencer, caso usassem argumentos plausíveis. Entendam: Hollywood não representa a América inteira, nem jamais será capaz de entender as dores, demandas e anseios do cidadão comum.
As pessoas se cansaram de serem chamadas de todos os tipos de nomes e adjetivadas constantemente. Muitas delas simplesmente perderam a vergonha de suas ideologias, ainda que sejam as mais estúpidas possíveis. Será que a empresa não entendeu que o drama diário que tornou as notícias em uma novela de péssima qualidade fez com que os telespectadores se tornassem indiferentes? Vocês não foram capazes de um debate político, e o povo cansou de escutar lição de moral.
O quadragésimo sétimo presidente venceu nos colégios eleitorais e no voto popular, portanto, aquele peso nos ombros de ter que provar sua grandeza e legitimidade não existe. Trump se sente confortável para cumprir as promessas que fez àqueles que, por quatro longos anos, ansiaram por sua volta. Estas não são as promessas que atraíram os eleitores independentes, são as que abalaram as estruturas das relações internacionais e testaram as instituições americanas de forma jamais antes vista desde a independência.
Nos próximos dois anos, com o Partido Republicano com maioria na Câmara e no Senado, Trump vai se esmerar em fazer exatamente o que queria ter feito em seu primeiro mandato e não conseguiu, somado às novas promessas. Daí para frente, tudo dependerá das eleições que podem redefinir a maioria das casas legislativas. Se até lá o Partido Democrata conseguir se organizar e se planejar, os dois últimos anos de mandato podem ser difíceis e cheios de trocas de farpas.
Trump não mudou, mas será que o mundo vai mudar a forma de responder às suas truculências? Será que os que o defendem fora dos Estados Unidos vão finalmente entender que nada do que ele faz é para o benefício de qualquer outra nação? Ele diz America First (Primeiro a América), mas a realidade é que sua ideologia e suas ações nos dizem, claramente: America Only (Somente a América).
Portanto, esperem exatamente o que ele prometeu, a não ser que as outras peças deste tabuleiro resolvam, finalmente, se mexer. Se isso acontecer, esperem descontrole emocional, farpas e birras homéricas, mas, em qualquer hipótese, esperem instabilidade.
*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.
Notas de Rodapé
- Tradução Livre: Versão original disponível em: https://time.com/7012534/read-hillary-clinton-2024-dnc-speech-full-transcript/
↩︎ - Disponível em: https://www.nytimes.com/interactive/2024/us/elections/polls-president.html ↩︎
- Reportagem completa em: https://abcnews.go.com/Politics/undecided-voters-wrestling-decision-election-day-approaches/story?id=115273162
↩︎ - Disponível em: https://news.gallup.com/poll/651719/economy-important-issue-2024-presidential-vote.aspx ↩︎
- Disponível em: https://www.statista.com/statistics/1362236/most-important-voter-issues-us/ ↩︎
- Disponível em: https://news.gallup.com/poll/651719/economy-important-issue-2024-presidential-vote.aspx ↩︎
- odas as pesquisas disponíveis em: https://apnews.com/article/election-harris-trump-women-latinos-black-voters-0f3fbda3362f3dcfe41aa6b858f22d12 – AP VoteCast is a survey of the American electorate conducted by NORC at the University of Chicago. More details here: https://apnews.com/ap-votecast-faq. Percentages may not add up to 100% due to rounding. “Rural” includes people who live in small towns. Urban, suburban, and rural designations are self-identified.
↩︎ - Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2025/01/eles-precisam-de-nos-mais-do-que-precisamos-deles-diz-trump-sobre-brasil-e-america-latina-cm65upvgo00h7015do0rmbxhx.html ↩︎
- Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/se-brics-prejudicarem-os-eua-nao-vao-ficar-felizes-diz-trump/ ↩︎
- Disponível em: https://jovempan.com.br/noticias/mundo/trump-promete-retomar-controle-do-canal-do-panama-e-mudar-nome-do-golfo-do-mexico.html
↩︎