Rio Grande do Sul, as lições do dia 5 de Maio

Rio Grande do Sul, as lições do dia 5 de Maio

O Rio Grande do Sul vive a pior tragédia ambiental da sua história. Chuvas intensas causadas por vários fatores climáticos fizeram com que o lago Guaíba transbordasse em 29 de abril, inundando os principais rios gaúchos. Em 5 de maio, as enchentes ultrapassaram 5 metros de altura, afetando 445 dos 497 municípios gaúchos e deixando mais de 100 mil desabrigados. Cidades inteiras simplesmente deixaram de existir sob as águas, e o pior é que as chuvas ainda não pararam.

Esses acontecimentos jamais serão esquecidos pelo povo gaúcho, e a resposta do Brasil a essa calamidade no dia 5 de maio nos traz inúmeras lições valiosas sobre o verdadeiro motivo pelo qual deveríamos defender a liberdade.

O Sul alaga ao som de Madonna

Antes do dia 5 de maio, se você ligasse a televisão, dificilmente encontraria notícias sobre as tragédias no Rio Grande do Sul na maior emissora do país. Afinal, foi só após o show de Madonna no dia 4 que o assunto deixou de ser ignorado. A forma como os apresentadores do Jornal Nacional encerraram o programa do fim de semana com sorrisos, ignorando as tragédias, gerou indignação. E a falta de empatia da primeira-dama Janja, optando viajar para o show de Madonna no Rio de Janeiro em vez de auxiliar as vítimas no Rio Grande do Sul, intensificou ainda mais a revolta. Quem não esperou pelo show foram as chuvas, que já haviam começado a ceifar vidas desde 30 de abril.

Passado o show da Madonna, o governo anunciou um auxílio de 50 bilhões para o Rio Grande do Sul, incluindo medidas como abono salarial; liberação de duas parcelas adicionais de seguro desemprego, prioridade na restituição do imposto de renda, e pagamentos antecipados do Bolsa Família. Vendo assim parece ótimo, né? Quando vi isso pela primeira vez também achei. Mas o diabo, como sempre, está nos detalhes.

O governador gaúcho Eduardo Leite afirmou que 30 desses 50 bilhões não seriam destinados aos desabrigados, mas sim empréstimos a empresas privadas gaúchas. Quando questionada sobre a chegada desse auxílio aos municípios, a Ministra Simone Tebet respondeu que seria “na hora certa, que não é agora”.

Mas há um detalhe ainda mais sutil: mesmo que os afetados recebam todo esse dinheiro, onde o gastariam se as cidades foram inteiramente inundadas? Estamos falando de pessoas sem acesso a comida e água potável. Simplesmente fornecer dinheiro sem suprimentos básicos é inútil.

Não Há Guerra Em Ba Sing Se

Nenhum auxílio emergencial, porém, seria capaz de corrigir a série de erros do governo. Afinal, ele multou caminhões que transportavam doações de suprimentos e até mesmo recusou ajuda humanitária do Uruguai, que ofereceu aeronaves, drones e embarcações tripuladas para ajudar. O motivo? Disse que “ainda não era necessário”. 

Quando questionado sobre esses erros, o governo negou tudo. Ele até usou a maior emissora do país para acusar seus críticos de propagarem notícias falsas e chegou a declarar que esses críticos deveriam ser tratados como “quinta coluna” – termo usado para descrever traidores que buscam destruir o país internamente por meio de sabotagem.

A resposta foi implacável, pois a Folha de São Paulo detalhou documentos comprovando a recusa da ajuda do Uruguai, enquanto outras emissoras provaram in loco como as multas realmente aconteceram. E como se não bastasse, o governador de Santa Catarina confirmou as multas publicamente e a própria Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) anunciou que elas seriam anuladas. Ora, se serão anuladas, é porque aconteceram, certo?

Mas calma, piora. 

O governo tentou aproveitar-se da distração causada pela tragédia para aprovar um imposto sobre compras internacionais (na Shein) abaixo de 50 dólares. E além disso, o Ministério do Desenvolvimento Social pediu para que houvesse prioridade no resgate de ciganos e quilombolas afetados pela tragédia. Com mais de 160 mil desabrigados, em grande parte brancos, a ministra vai sobrevoar a região de helicóptero para apontar quem vai resgatar primeiro?

Quando o governo nega ajuda humanitária de outro país, multa caminhões trazendo doações de mantimentos, tenta se aproveitar da situação toda para aumentar os impostos, e depois que pega mal diz ser tudo mentira,  apenas confirma as palavras do economista Thomas Sowell:

“(…) os políticos não estão tentando resolver nossos problemas. Estão a tentar resolver os seus próprios problemas – dos quais a eleição e a reeleição são o número um e o número dois. O que é o número três está muito atrás”.

– Thomas Sowell

Mas eis que, em meio à tragédia, lembramos mais uma vez da importância da liberdade dos indivíduos, e como ela deve ser defendida.

A Abordagem Paulo Kogos de Defesa da Liberdade

No mesmo dia 5 de maio em que a calamidade no Rio Grande do Sul finalmente deixou de ser ignorada, um dos maiores nomes libertários do país, Paulo Kogos postaria na rede X um comentário que atingiria mais de 5 milhões de visualizações: 

“Empresários podem e devem subir os preços no Rio Grande do Sul. Preços devem aumentar para refletir a escassez, promovendo assim economia de recursos e atraindo ofertantes pra sanar a falta deles. Pode ser uma moça mais bela que Afrodite. Se ela defender controle de preços, rejeito”

-Paulo Kogos

A reação foi extremamente negativa, tendo inclusive recebido uma nota da comunidade. Frente a críticas, declarou que ele estava certo e 98% do X estava errado, que pagaria 5000 reais à pessoa que o provasse errado, e anunciando um evento beneficente onde 50% do valor arrecadado seria doado à ajuda humanitária do Rio Grande do Sul (ele arrecadou apenas R$260 reais e doou R$180).

Muitas coisas poderiam ser ditas sobre a atitude de Paulo Kogos, mas eu escolho dizer que ela é previsível. Afinal, já fazem dois anos que o usei de exemplo em meu texto “Como Defender A Liberdade Sem Ser Um Liberteen” para descrever as duas abordagens possíveis de defesa da liberdade:

  • Abordagem Paulo Kogos: É uma abordagem que prega as ideias de liberdade na sua forma teórica, sem se preocupar em adaptá-las para a realidade do ouvinte e reagindo de forma agressiva caso confrontado. Essa abordagem cria uma visão caricata que justifica a visão de mundo dos anticapitalistas. 
  • Abordagem Francisco D’Anconia: Esta abordagem se preocupa em moldar as ideias como respostas às dificuldades do ouvinte. Como Francisco D’Anconia fez com Hank Rearden em “A Revolta de Atlas”, é dar nome às indignações pessoais que o ouvinte sentiu a vida toda e apresentar suas ideias como um caminho para a solução.

A postagem de Kogos é repleta de teoria, descrevendo perfeitamente o conceito de Hayek sobre dinheiro como fluxo de informações e de John Locke sobre o homem como um ser racional buscando sempre seus próprios interesses. Mas ele erra caindo na boa e velha lei  de Hume: “não é porque as coisas são do jeito que são que devem ser assim”.

Oi? Confuso, eu sei, mas deixa que eu explico.

Toda vez que acontece uma tragédia, os preços realmente sobem para refletir a falta de produtos. Mas isso acontece “automaticamente” por conta da escassez, não como uma ação governamental que deveria ser incentivada! Em outras palavras, não é porque os preços vão subir que deveríamos defender que eles subam. 

Kogos proclama do alto de seu sofá que os empresários irão resolver o problema se os preços aumentarem, enquanto ignora que eles já estão fazendo isso de graça: o bilionário Luciano Hang mandou diversos helicópteros para ajudar no resgate; enquanto Pablo Marçal doou  sete carretas carregadas de alimentos, água, medicamentos e colchões, viajando pessoalmente ao local para organizar centros de distribuição e ajudar pessoalmente no resgate de crianças, idosos e animais. 

Da direita à esquerda, influenciadores também se organizaram para ajudar, como o surfista Pedro Scooby liderando pessoalmente equipes de resgate. E isso incluiu também os influencers mais detestados pelo debate público, com Felipe Neto arrecadando 90 mil litros de água potável engarrafada e 220 purificadores de água para ajudar no fornecimento da água; enquanto o MBL fretou aviões levando suprimentos ao Rio Grande do Sul

Incontáveis outras doações vieram em massa de todo Brasil, mas meu exemplo favorito é apolítico: um evento beneficente de 40 vtubers, criadores de conteúdo que utilizam avatares virtuais ao invés de aparecerem diretamente nos vídeos. Esses criadores de conteúdo tem um público adolescente que dificilmente consegue doar mais de 1 real, mas eles conseguiram arrecadar mais de 12 mil reais para o resgate, abrigo, alimentação e higiene das vítimas. 

Sim. Adolescentes que sobrevivem de mesada dos pais conseguiram doar 67 vezes mais dinheiro para ajuda humanitária do que o Paulo Kogos. É uma prova de que sua abordagem de defesa da liberdade combativa, apesar de muito teórica e acadêmica, falha em convencer as pessoas ao seu redor. Muitas vezes, ela só cria inimigos.

A Abordagem Francisco D’Anconia de Defesa da Liberdade

Uma hora a água vai baixar, e os gaúchos vão reconstruir sua terra. Muitos vão se lembrar de como o seu sofrimento foi ignorado pela maior emissora do país para transmitir um show da Madonna, do governo que mentiu horrores para manter as aparências enquanto negava ajuda humanitária e multava caminhões de doações. E vão lembrar de como pessoas do Brasil inteiro se juntaram para ajudá-los. Até mesmo pessoas das mais reprováveis e de ideologias opostas usaram de sua influência para ajudar no resgate e na reconstrução. Porque não era hora para discordância política. Porque “a hora certa” pra ajuda chegar era agora.

Mostrando seu valor e sua constância, os gaúchos irão se resgatar a si mesmos. É verdade que terão ajuda vinda de todo o Brasil, mas serão eles a ficar dia e noite em operações de resgate; a preparar refúgio aos desabrigados; e a reconstruir o que foi destruído. 

Uma hora a água vai baixar, e muitos se lembrarão de como os bombeiros se recusaram a usar jet skis para resgate, afirmando que os motores não aguentariam, enquanto Pedro Scooby liderava uma equipe de resgate em jet skis. De que não foi a burocracia do governo que os salvou, mas sim pessoas unidas por um propósito em comum.

O que os gaúchos viveram e viverão foi um exemplo da abordagem Francisco D’Anconia, vendo na prática a incompetência do Estado e o poder que indivíduos unidos têm para mudar o mundo. A abordagem Francisco D’Anconia de defesa da liberdade é superior porque é a realidade que inspira as pessoas a buscar a teoria, e não a teoria que deve se forçar à realidade.

É assim que devemos nos comportar na defesa da liberdade. Não esperando que toda população leia Mises, Rand, e Hayek; mas sim mostrando na prática como não serão os poderosos a nos salvar de nossos problemas. Esse poder, mais do que qualquer outro, emana do povo.


Paulo Grego

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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