Como defender a liberdade sem ser um liberteen

“Ideias, e apenas ideias podem iluminar a escuridão”. Essa frase de Ludwig Von Mises é uma inspiração para muitos defensores de ideias de liberdade, mas é fato que houve uma época em que essas ideias eram hegemônicas por todo o mundo e foram abandonadas. Os poucos que ainda as defendem como eram são os libertários, mas estes são tratados no debate público como adolescentes playboys revoltados e racistas sem uma opinião válida. Isso não aconteceu por falta de defesa de ideias, mas sim por causa do verdadeiro significado do termo ideia. 

A luz das ideias não são lâmpadas que iluminam ao seu redor sozinhas, mas sim lanternas usadas por pessoas para iluminar o seu caminho. Não são as ideias que forjam os indivíduos, mas sim os indivíduos que adotam as idéias para reforçar o que já defendem. Nem mesmo a objetiva ética argumentativa de Hoppe escapa disso, afinal ela é usada pelos libertários brasileiros para defender a privatização de tudo e pelos libertários americanos para defender o fim das guerras. 

A consequência disso é que as ideias morrem quando não tem mais utilidade para os desejos de seus defensores, e o maior exemplo disso no Brasil é a causa ambiental: O Partido Verde batia 20% nas eleições e com apoio popular pois éramos pioneiros no desenvolvimento de energias verdes, sob a promessa inclusive de ser a “Arábia Saudita verde”. Mas aí veio o pré-sal e todos deixaram a causa verde de lado para poder explorá-lo. A tecnologia foi sucateada, a terra preservada perdeu o espaço pro agronegócio. O mundo continuou verde, mas os ambientalistas brasileiros agora pisam em ovos para aprovar qualquer medida que prejudique o agro.

Nesse caso, o que então motivou culturas do mundo todo a adotar essas ideias de liberdade? Cidade Grande. 

Obra da época mostrando invenções do progresso como telegrafos, imprensa, e ferrovias

Claro, Roma não me deixa mentir que cidades em si não eram nenhuma novidade, mas foi a aceleração do seu crescimento e as profundas transformações urbanísticas, econômicas, sociais e culturais que elas passaram que chamou a atenção do mundo. As metrópoles europeias e americanas eram lugares utópicos onde remédios e vacinas eliminaram as pragas; trens e automóveis permitiram viajar num instante; telégrafos permitiam comunicar-se com todos os continentes, luzes elétricas transformaram a noite em dia, e o avião realizou o eterno sonho da humanidade de voar!

As oportunidades eram imensas, e o êxodo rural transformava camponeses miseráveis do campo em ricos capitalistas urbanos. O progresso estava vindo para beneficiar a todos, porque os avanços da cidade grande seriam capazes de resolver todos os problemas da humanidade!

Você leitor provavelmente mora numa cidade grande e sabe bem que isso é bobagem.  

Quer ouvir outra piada? O que você consegue quando cruza um doente mental solitário com uma sociedade que abandona ele e o trata como um lixo?

Esse passado do discurso liberal faz com que o discurso liberal puro, pró-trabalho, e meritocrático ainda funcione com pessoas do interior que sonham em ir para a cidade, mas ele foi abandonado pela população urbana e visto como ingênuo. 

Vimos isso bem no filme Coringa (2019), onde o discurso liberal austero e meritocrático do empresário Thomas Wayne na campanha para prefeito é posto em contraste com a miserável realidade do protagonista tratado como lixo e indiferença pelo governo e pela sociedade. Afinal, quando você é um trabalhador urbano que se mata de trabalhar para ter o que comer, faz mais sentido o discurso de que você não dá certo porque não trabalha o suficiente ou o de que você não dá certo porque está sendo explorado pelo seu patrão?

É por isso que o socialismo europeu do séc XX era mais forte na Alemanha, o país mais industrializado(e sindicalizado) do continente, e foi substituído no século XXI pelo identitarismo quando a automação extinguiu os trabalhos operários e a classe média ascendeu socialmente.

Ok. Visto tudo isso, como então adaptar o discurso para convencer essas pessoas das ideias de liberdade?

Como o defensor de liberdade que não adapta seu discurso é visto por quem ele quer convencer

As ideias liberais no Brasil costumam ser vistas como coisa de playboy, de pessoas que só defendem o que defendem porque não sofrem com a realidade local. Há ainda quem acredite que os liberais querem cortar os benefícios estatais porque querem literalmente matar os mais pobres de fome e enriquecer os mais ricos. Mesmo assim, nossa população está entre as mais empreendedoras e com o potencial para adotar essas ideias. Neste caso, há duas abordagens possíveis:

  • Abordagem Paulo Kogos: Esta é a abordagem mais comum entre libertários, e o motivo de serem tão mal vistos no debate público. É uma abordagem que prega as ideias de liberdade na sua forma teórica, sem se preocupar em adaptá-las para a realidade do ouvinte e reagindo de forma agressiva caso confrontado. Essa abordagem cria uma visão caricata que justifica a visão de mundo dos anticapitalistas, e foi por causa dela que surgiu a frase “vai pra favela, lá o Estado é mínimo”. 
  • Abordagem Francisco D’Anconia: Esta abordagem se preocupa em moldar as ideias como respostas às dificuldades do ouvinte. Como Francisco D’Anconia fez com Hank Rearden em “A Revolta de Atlas”, é dar nome às indignações pessoais que o ouvinte sentiu a vida toda e apresentar suas ideias como um caminho para a solução. É, por exemplo, apresentar as ideias de liberdade à pessoa que pega três ônibus todo dia para voltar para casa dizendo pra ela que os ônibus têm rotas ruins porque é um monopólio estatal, e quebrar esse monopólio geraria mais ônibus em melhores rotas e horários. 

A segunda abordagem é fundamental para todo liberal/libertário porque, no fim do dia, todo mundo que discorda da gente tem um bom motivo para isso, mesmo que às vezes elas sequer entendam bem qual motivo é esse. O defensor das ideias de liberdade que não se importa em descobrir esses motivos nunca vai conseguir convencer ninguém. Afinal, nós todos já fomos a favor de um monte de coisa idiota no passado e já argumentamos coisas que acharíamos o maior absurdo hoje em dia. E não foi através de pessoas nos xingando que entendemos o certo.


Texto por Paulo Grego

2 comentários em “Como defender a liberdade sem ser um liberteen”

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