Por que não sou conservador, e nem progressista

Por que não sou conservador, e nem progressista

“Em um momento em que a maioria dos movimentos considerados progressistas defendem novas invasões à liberdade individual, aqueles que prezam a liberdade provavelmente gastarão suas energias em oposição. Nisso eles se encontram a maior parte do tempo do mesmo lado daqueles que habitualmente resistem à mudança. Em questões da política atual hoje, eles geralmente têm pouca escolha a não ser apoiar os partidos conservadores. Mas, embora a posição que tentei definir também seja frequentemente descrita como “conservadora”, ela é muito diferente daquela à qual esse nome tem sido tradicionalmente associado. Há perigo na confusa condição que une os defensores da liberdade e os verdadeiros conservadores em oposição comum a desenvolvimentos que ameaçam igualmente os seus diferentes ideais. Por isso, é importante distinguir claramente a posição aqui assumida daquela que há muito é conhecida – talvez mais apropriadamente – como conservadorismo”. 

Este é um trecho do texto “Porque não sou um conservador”, de Frederick A. Hayek, mas que continua muitíssimo atual no Brasil politicamente polarizado de hoje. Falo isso não porque quero pagar de isentão e tentar encontrar um meio termo possível entre direita e esquerda, mas porque simplesmente já passamos do absurdo. Basta ver como a funkeira Jojo Toddynho foi acusada publicamente de ser uma bolsonarista que não se importa com os direitos humanos só porque não gostou de uma aula da faculdade!

E isso não foi um caso isolado. Ou vamos nos esquecer de como Juliana Paes precisou ouvir ao vivo um sermão sobre os males da ditadura no programa Altas Horas? O motivo? Só porque falou ser uma pessoa de esquerda que não compactuava com os “delírios comunistas” do resto da esquerda brasileira. Fala essa, inclusive, que só aconteceu pois ela já estava sendo acusada de ser uma bolsonarista enrustida só por estar quieta na dela. 

Essa é justamente a situação perigosa apontada por Hayek, onde a confusão entre opositores do progressismo e os verdadeiros conservadores arrisca destruir os avanços conquistados pela nossa sociedade. Por isso, assim como ele fez há quase 70 anos, irei distinguir as ideias liberais das conservadoras e progressistas, tomando para mim explicar porque não sou conservador.

O que é um conservador?

Antes de tudo, comecemos pela definição de Hayek do que seria um conservador, na qual os “genuínos conservadores defendem que a melhor maneira de se resolver problemas é por meio do voluntarismo, da responsabilidade própria, da família, dos amigos e da Igreja; e não por meio de um governo monolítico que miraculosamente fará com que o indivíduo passe a cuidar de si próprio e se torne uma pessoa melhor. Conservadores genuínos sabem que o governo não pode fazer com que o indivíduo se aprume e passe a seguir bons hábitos”.

É uma definição que segue as ideias de Edmund Burke , onde bons hábitos são construídos por uma vida em comunidade. E por isso os conservadores veem tanto valor na família: pois ela seria o menor elemento de uma sociedade. Para um conservador, são os hábitos construídos no ambiente familiar que irão irradiar para fora de casa e afetar a sociedade ao nosso redor. E, de fato, muitos dos problemas que nós adultos enfrentamos são resultados de uma infância sofrida, e é muito mais difícil de arrumar na vida adulta do que durante a infância. Faz a diferença crescer com pais carinhosos ou abusivos.

A partir disso, a resposta dos conservadores é defender que cada família viva segundo valores virtuosos ensinados pela tradição. Tradição essa que, para Burke, teria sido formada pelo conhecimento coletivo de todas as gerações anteriores. Pareceu confuso? Pense em cogumelos venenosos: se hoje sabemos que comer eles é perigoso, é porque teve alguém no passado que comeu e passou mal, certo? É assim que um conservador vê os valores morais que aprendeu na tradição. 

Mas e quando essa tradição está errada? Ou talvez até estivesse certa no passado, mas os problemas que ela surgiu para combater não mais se aplicam? A sociedade tradicional defendida pelos conservadores era uma onde todos eram cristãos e heterossexuais casados, com o homem mantendo a renda familiar com apenas um emprego estável enquanto a mulher era a dona de casa cuidando dos filhos. 

Ao mesmo tempo, essa era uma sociedade onde era comum homens se verem como donos de suas mulheres; onde o racismo e preconceito contra negros era muito mais normalizado; e a intolerancia aos LGBTs chegava ao nível da violência, pois eram vistos como pervertidos e um risco às crianças. Para estes grupos que tanto sofreram no passado, a ideia de retornar a uma sociedade conservadora parece tão absurda quanto um parente ignorante que insiste para que você volte com seu ex-abusivo, dizendo que “vocês ficavam tão bem juntos” só porque não via o quanto você sofreu na mão dele.    

Frente a essa acusação, os conservadores não têm uma defesa sólida. Afinal, como os valores morais dos deles dependem da tradição, e não de uma ideologia pronta, caem num paradoxo que Hayek nos mostra em seu texto:

“(…) por sua própria natureza, o conservadorismo não pode oferecer uma alternativa ao caminho que estamos seguindo. Por resistir às tendências atuais poderá frear desdobramentos indesejáveis, mas, como não indica outro caminho, não pode impedir sua evolução. Por esta razão, o destino do conservadorismo tem sido invariavelmente deixar-se arrastar por um caminho que não escolheu.”

Friederich A. Hayek

E este é um ponto chave para o porquê de eu não ser conservador: eu gostaria de viver num mundo onde amigas brilhantes que tenho seriam forçadas a abandonar seus trabalhos para serem donas de casa? Conseguiria dormir à noite num mundo onde pessoas que eu admiro, como Ely Vieira e Glenn Greenwald, poderiam ser brutalmente espancadas ou até sofrer castração química apenas por serem LGBT’s? O mundo mudou intrinsecamente, e a tradição não deve mais ser seguida apenas por ser tradição. 

O que é um Progressista? 

O progressismo; também conhecido como identitarismo, ou lacração; surgiu nos Estados Unidos décadas depois do texto de Hayek, como consequência do movimento dos direitos civis, e tem apenas uma década de duração no Brasil. Apesar disso, ele absorveu o comunismo e se tornou a principal voz da esquerda global

Uma excelente forma de definir um identitário é pelo seu nome inglês, “woke”, que significa “acordado”. Isso porque é uma ideologia que, como no filme Matrix, acredita ter despertado para as injustiças sociais e raciais do mundo. Se vê como alguém de fora desse sistema e capaz de mudá-lo. Tendo como base as ideias de pensadores como Bell Hooks, Kimberlé Crenshaw, e Silvio Almeida; o progressista vê a tradição como responsável por perpetuar comportamentos estruturais machistas, racistas e homofóbicos que devem ser desconstruídos para que possamos ter, enfim, progresso.  

Por conta disso, eles acreditam que o progresso está diretamente ligado às ideias de sua ideologia, ou seja, que os avanços tecnológicos ocorrerão mais depressa caso todos nós tenhamos as mesmas opiniões políticas “corretas”. Logo, todas as formas de entretenimento,  da vida comunitária, e até de nossas vidas privadas devem ser supervisionados pelos progressistas para garantir que apenas as “ideias corretas” estejam sendo discutidas. 

E foi justamente esse desejo de supervisão que fez com que Jojo Toddynho fosse acusada de ser contra os direitos humanos só porque não gostou da forma ideologizada como o professor deu a aula. 

O mesmo foi com Juliana Paes, que estava quieta até ser pressionada a falar que era de esquerda (o óbvio). E mesmo assim foi pintada como bolsonarista apenas por dizer que não tinha “delírios comunistas”. Como ela estaria errada se a esquerda comunista tem uma tradição de mais de 100 anos no Brasil e múltiplos partidos representando-a ainda hoje? Como ela estaria errada se temos o maior influenciador comunista do Brasil ganhando popularidade e falando abertamente que atua para uma tomada armada do Estado? A esquerda comunista não é mais majoritária no Brasil, mas ela não apenas existe como também tem uma longa tradição política com acadêmicos comunistas ainda vivos. São por estas contradições dos identitários que os chineses criaram sua própria palavra pejorativa para eles, baizuo (“a esquerda branca”).

Os baizuos são caracterizados principalmente pelo uso intenso do politicamente correto e dos duplo-padrões para promover secretamente seus próprios interesses materiais ou emocionais às custas dos outros, enquanto afirmam o contrário a partir de uma posição moral auto-assumida superior. Alguns são verdadeiramente não-maliciosos, mas são muito ingênuos ou carecem de visão do mundo para fornecer opiniões úteis ou soluções para problemas sociais reais.

Urban Dictionary

Os progressistas podem não seguir uma tradição cegamente como os conservadores, mas também não dá pra dizer que o seguem é muito diferente na prática. Sua ideologia é fluida e importada da cultura americana, recebendo sempre updates morais sobre o que é certo ou errado de acordo com os interesses do Partido Democrata americano. Esses updates são rapidamente aceitos e incorporados sem serem questionados, afinal você pode sim ser atacado por não tê-los cumprido na época em que eles ainda não tinham sido estabelecidos. Caso te achem culpado, farão o possível para te ostracizar de sua vida social e financeira por meio de um cancelamento, e não existe nenhum processo de redenção que você possa fazer para voltarem atrás. 

Não é de se surpreender portanto que um estudo recente publicado no Scandinavian Journal of Psychology tenha descoberto que os comportamentos progressistas estejam ligados a altos índices de ansiedade, depressão, e falta de felicidade. Logo, mesmo que a inovação tecnológica seja sim necessária para o progresso da humanidade, seguir os dogmas identitários não traria garantia nenhuma de que iremos progredir. Se muito, apenas nos levará a uma distopia cyberpunk.

O que é um liberal? Quais as armadilhas que precisamos evitar? 

Quando definimos o liberalismo, há duas grandes vertentes: a de John Locke vê a sociedade como um conjunto de indivíduos buscando seus próprios interesses através de contratos; enquanto a de Rousseau enxerga o povo “como entidade abstrata e homogênea, falando com uma só voz, defendendo os mesmos interesses comuns”. Ambas, porém, pregam que cada um de nós teria direitos e liberdades individuais, como, dentre outros, o direito à vida e à igualdade perante a lei; liberdades de expressão e religião; direito à propriedade, ao voto, e a um julgamento justo.

Diferentemente dos conservadores e progressistas, que veem a sociedade como formada por pequenos grupos a serem controlados, os liberais a vêem formada por indivíduos, os quais teriam uma vida pública e uma vida privada. Na vida pública, devemos agir de acordo com o que a sociedade espera de nós; já na vida privada, devemos ser deixados em paz. 

Pense por exemplo numa mulher que tem uma carreira bem sucedida como engenheira mecânica na Ferrari, mas que é lésbica. A opção sexual privada dela importa de alguma forma para o trabalho que ela realiza publicamente? Não, não importa. Para o resto da sociedade, ela é apenas uma engenheira exemplar projetando carros de corrida. Digamos que ela fumasse. Importaria? Também não. Porque é algo de sua vida privada. As pessoas ao redor podem ter o direito de gostar ou não disso, mas ela está em seu direito. 

Surge aqui, porém, uma armadilha na qual muitos liberais caem quando defendem a liberação das drogas ou das armas: é uma defesa por princípio, não porque sejam coisas boas! Afinal, temos no Brasil alguma dúvida de que a vida do Monark foi destruída pelas drogas? Ou do como cidadãos armados podem ser perigosos depois da patética perseguição armada de Carla Zambelli a um manifestante que a questionou? São sim coisas reprováveis, mas que devem ser toleradas pois as pessoas têm o direito de fazê-las se assim quiserem. Afinal, não é à toa que o governo criado pelos liberais é a democracia. 

Outra  armadilha que acaba convertendo muitos liberais em progressistas é a ideia de que seria superior ser um liberal “na economia e nos costumes”, como se houvesse uma contradição entre estes dois. Não há. Inclusive, a maior parte dos pensadores liberais renomados, como Locke,  Kant, Hegel, e Martin Luther King eram cristãos devotos. 

E é aqui que me encontro. Sou na minha vida privada um católico praticante que sonha em construir uma família e ter filhos, enquanto defendo na minha vida pública o mesmo liberalismo clássico que André Rebouças, Bastiat, Tocqueville, e até mesmo Hayek em seu texto original. Acredito nos valores cristãos de amor, compaixão, caridade, e Verdade porque são bons valores para se viver, não apenas porque são uma tradição. As mulheres não devem voltar todas a serem donas de casa; a representatividade cultural e econômica de outras etnias na sociedade não deve ser eliminada; e a existência de pessoas gays e trans não deve deixar de ser reconhecida e respeitada. Todos esses são avanços reais orgânicos que nós como sociedade tivemos e que devem sim ser preservados. Por isso, digo em alto e bom tom que não sou conservador, uma vez que defender o conservadorismo puro de Burke levaria a abandonarmos avanços importantes que conquistamos em nossa sociedade.

Ao mesmo tempo, não defendo o progressismo, pois não vejo em seu atualismo sem rumo um caminho capaz de trazer soluções para problemas sociais reais. Porque deveria, quando radicais progressistas já abordaram minha namorada e disseram que ela deveria terminar comigo só porque eu era branco e ela não? Para elas não importava a nossa história de amor. Muito menos que ela tenha me feito mais feliz do que qualquer outra mulher com quem estive e me feito sentir amado de verdade. Não importava e nunca importaria. Só o que importava para eles era que a nossa cor de pele era diferente, e que isso “era errado”. Receberam o update de sua ideologia identitária e vieram arruinar nossas vidas em nome do “progresso”. Por isso, também digo em alto e bom tom que não sou progressista identitário, e vejo um dever moral em negar essa ideologia.

Note que essas duas coisas não são uma contradição e muito menos um meio termo entre as ideologias conservadora e progressista. É como a maior parte das pessoas em países civilizados via o mundo na década de 90, antes de irmos por um caminho incompatível com o verdadeiro progresso. Só não enxergamos mais isso porque passamos os últimos 30 anos destruindo as estruturas da nossa própria civilização, e agora lutamos para ver quem será o rei das ruínas.


Paulo Grego

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