Séculos depois de os impérios britânico e russo terem lutado por décadas pelo controle do Afeganistão, o país é hoje palco de outro jogo de interesses que envolve muito mais potências e que pode ter consequências devastadoras. A maioria dos especialistas em assuntos afegãos concorda que as últimas quatro décadas de conflito são consequências de um novo conjunto de interesses regionais e internacionais.
Além do Paquistão e da Índia, cuja competição para influenciar o Afeganistão se acredita ter gerado o Talibã, há também uma rivalidade intensa entre o Ocidente e a Rússia, que em sua última fase remonta à época em que os soviéticos invadiram o país em 1979.
O Talibã assumiu o controle do Afeganistão em 1996, impondo condições e regras severas, pois o grupo segue uma linha extrema da lei islâmica e, quando estava no comando, entre 1996 e 2001, proibiu a televisão, a música, os filmes, a maquiagem e proibiu que meninas com 10 anos ou mais fossem à escola. O talibã voltou à capital do Afeganistão, Cabul, 20 anos após ser expulso pelas tropas dos Estados Unidos. Mas qual é o interesse de países como Rússia, China e Irã no futuro do Afeganistão?
Entenda os Interesses da Rússia
Apesar de o Kremlin ter declarado o Talibã como “terroristas” em 2003, a Rússia organizou, nos últimos anos, rodadas de negociações com o grupo e outras forças de oposição, sem incluir membros do governo afegão.
“A Rússia tem ajudado o Talibã, não apenas com sua diplomacia, mas também com dinheiro e, possivelmente, inteligência”, disse à BBC Mundo o cientista político Seth Jones, que é também diretor do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com sede em Washington.
Jones, que é conhecido por seus muitos trabalhos sobre contra insurgência e contraterrorismo, aponta ainda que, por quase uma década, a Rússia tem feito esforços para expandir sua influência em seu chamado “quintal”.
“Um de seus interesses é simplesmente contrapor o poderio dos Estados Unidos em regiões que considera pertencerem a suas esferas de influência: Sul da Ásia, Oriente Médio e Leste Europeu”, acrescenta Jones.
Mas a Rússia, que tem uma longa história de ataques jihadistas no Cáucaso, também se preocupa com o avanço do terrorismo na região. Para o jornalista afegão Mohammad Bashir, do serviço mundial da BBC, não há dúvida de que o Afeganistão é um país-chave para a Rússia.
“O Afeganistão está no meio do jogo geopolítico. Sua localização o torna interessante e perigoso, porque faz fronteira com aliados da Rússia: Tajiquistão, Uzbequistão, Turcomenistão. A Rússia não quer que o Estado Islâmico se aproxime do norte do Afeganistão, ameaçando seus aliados e colocando seus próprios interesses em risco.”
– Mohammad Bashir
Entendo os Interesses da China
Além dos interesses econômicos no Afeganistão, a China ainda tem esperança de extrair cobre na região de Mes Aynak, no Afeganistão, Pequim também teme que grupos islâmicos que operam na região de Xinjiang, no oeste da China, ganhem força.
A China, que compartilha uma pequena fronteira com o Afeganistão, teme que, com o Talibã assumindo o controle de todo o país, grupos islâmicos se fortaleçam e possam cruzar a fronteira, criando ainda mais problemas na província de Xinjiang.
Nos últimos anos, Xinjiang ganhou as manchetes por acusações de genocídio contra o povo uigur, a partir das quais houve denúncias que Pequim chamou de absurdas. Mas, além das preocupações com a segurança, a China há muito mostra interesse em fazer contrapeso aos Estados Unidos na região.
Entenda os Interesses do Irã
A fronteira do Irã com o Afeganistão, por onde passam migrantes, drogas e grupos armados, definiu suas relações com o Talibã. Autoridades afegãs e norte-americanas acusaram repetidamente o Irã, especificamente a Guarda Revolucionária, de fornecer apoio financeiro e militar ao Talibã.
De acordo com o cientista político norte-americano Seth Jones, a Força Quds do Irã está expandindo sua presença clandestina no Afeganistão e a partir daí buscaria apoiar milícias e grupos políticos da região para promover os interesses iranianos. A Força Quds é um poderoso braço paramilitar de elite da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, considerado pelos Estados Unidos como um grupo terrorista.
A cooperação de segurança do Irã com o Talibã também se baseia na hostilidade compartilhada em relação a potências ocidentais, como os Estados Unidos e o Reino Unido. A extensão dos laços do Talibã com o Irã tornou-se aparente quando o líder talibã Mullah Akhtar Mansour foi morto em um ataque de drones dos Estados Unidos em maio de 2016, enquanto voltava do Irã para o Paquistão.
E, no final de 2018, o Irã reconheceu publicamente pela primeira vez acolher delegações do Talibã. Ele disse que o fez com o conhecimento do governo afegão e admitiu que as negociações abordaram “a resolução dos problemas de segurança no Afeganistão”.
Bom, enquanto esses países movem suas fichas em relação a um país que está imerso em uma guerra cruel há décadas, o Talibã toma o poder e população afegã, principalmente, as mulheres continuam sofrendo todas as consequências de ter no comando um grupo que segue uma linha extrema da lei islâmica.
O Afeganistão, exausto após décadas de guerra, enfrenta a dupla ameaça de uma grave crise humanitária e de segurança diante da atividade de grupos jihadistas, após a retirada das tropas americanas. Por fim, o atual cenário do Afeganistão demonstra um completo fracasso onde fica claro o cerceamento das liberdades individuais e das garantias fundamentais com o povo afegão.
Só em agosto de 2022, foram mais de mil civis mortos no Afeganistão, de acordo com a própria ONU. Ou seja, existe uma afronta direta aos direitos humanos, com uma repressão extremamente incisiva e que precisa ser, novamente, combatida.