O apresentador de televisão Mike Rowe tem acumulado milhões de fãs pelo seu trabalho de glorificar os “trabalhos sujos”. A romancista e filósofa, Ayn Rand (1905-1982), da mesma forma, tem ganhado milhões de leitores retratando os tipos de trabalhadores, homens e mulheres, que se encaixam perfeitamente num dos programas de Rowe. O que explicaria a popularidade deles? Num contexto amplo, os seus fãs anseiam por verem os seus valores de auto-resiliência e de trabalho duro em toda a sua glória.
A ascensão à fama de Rowe iniciou-se com o lançamento do programa “Dirty Jobs” no Discovery Channel em 2003. Passados oito anos, Rowe provou que o seu sucesso não era passageiro. “Somebody’s Gotta Do It” foi ao ar em 2014 na CNN e teve quatro temporadas, “Returning the Favor” foi exibido no Facebook Watch de 2017 a 2020, e o seu podcast “the Way I Heard It” é executado, semanalmente, desde 2016. Além disso, ele fundou o MikeRoweWORKS e o MikeRoweFoundation em 2008 e publicou “Profoundly Disconnected” em 2014 com intuito de despertar o interesse nos trabalhos qualificados e de arrecadar fundos de bolsas de estudos para aqueles que buscam carreiras nessas áreas1. Em 20 de setembro de 2022, a sua página do Facebook tinha seis milhões de seguidores, com muitos fãs lhe pedindo para tornar-se presidente dos Estados Unidos2.
Rand, quem criou o sistema filosófico conhecido como Objetivismo, inspirou inúmeros indivíduos com suas representações vívidas de heróis intransigentes em seus romances A Revolta de Atlas (1957), A nascente (1943), Cântico (1938) e “We the Living” (1936). Mais de 60 anos após a publicação deles, seus romances foram traduzidos em dezenas de línguas e milhões de exemplares foram vendidos, com vendas anuais que superam seis dígitos por década3. Todo ano, dezenas de milhares de estudantes do ensino médio, nos Estados Unidos, participam de concursos de redação nos quais leem e escrevem sobre os romances da autora. Ademais, as organizações que se dedicam a ensinar as ideias de Rand estão proliferando-se em todo o mundo.
Rowe e Rand conquistaram os corações, as mentes e a imaginação dos seus fãs por muito dos mesmos motivos. A audiência deles aprecia os exemplares, assumidamente, heróicos postos diante deles. Alguns desses heróis, mantêm pontes e sistemas de esgoto, enquanto outros cuidam de ferrovias e de usinas siderúrgicas. No entanto, todos eles possuem uma coragem enobrecedora, confiança e determinação, que inspiram admiração.
Seus meios e maneiras podem ser diferentes, mas Rowe e Rand têm muito em comum. Ambos compreendem que cada um de nós deve trabalhar para viver; eles defendem a produtividade como uma virtude; e eles apreciam a dignidade em todos os trabalhos honestos, sejam eles “limpos” ou “sujos”. Rowe afirma que ele não se considera um verdadeiro “Randiano”, mas que ele já leu os seus livros e acha que Rand estava certa sobre mais de um assunto4. Examinar o campo comum deles pode nos ajudar a apreciar melhor os valores que cada um oferece.
(1) Realidade, Natureza Humana e a Primazia da Existência
Rowe é mais filosófico que os apresentadores típicos de televisão e suas ideias são fundamentadas em fatos verificáveis, não em abstrações difusas. O apresentador começou a cultivar a sua orientação de realidade ainda muito jovem, e isso fez com que ele fosse capaz de descobrir os seus talentos.
Ele foi inspirado pelo seu avô, Carl Knobel, em quem ele queria espelhar-se e quem ele considerava um “mágico” – “ Alguns dias ele pode assentar um telhado ou reconstruir um motor… Ele era um encanador, um mecânico, um pedreiro, um carpinteiro e um eletricista. Ele construiu a igreja que eu visitava quando era criança e a fazenda que meus irmãos e eu crescemos”.5
Rowe explica: “Minha carreira começou com um profundo desejo de construir coisas. Infelizmente, ela foi acompanhada de uma, igualmente profunda, falta de habilidade natural. Depois de acabar com todas as possíveis aulas de oficina no ensino médio, eu finalmente escutei o conselho do meu avô e consegui um tipo diferente de caixa de ferramentas.”6 Isto é, ele enfrentou os fatos desconfortáveis sobre as suas perspectivas de carreira. Ele se matriculou numa faculdade comunitária local e estudou teatro, música, filosofia, poesia e escrita criativa. Ele demonstrou ser um cantor talentoso e conquistou um lugar na Ópera de Baltimore. Além disso, ele também conseguiu um emprego com a QVC, canal de compras, falando por oito minutos sobre os benefícios de um lápis, depois que o entrevistador lhe lançou o desafio de “Me faça querer comprar”.7
Esse ponto de apoio no mundo da televisão, associado à sua tenacidade e uma sequência subsequente de outros trabalhos de apresentação e de narração, o posicionou na sua grande chance. A ideia veio quando ele estava prestando homenagens ao seu avô depois de visitá-lo num final de semana. Rowe explica, “Eu decidi, no vôo de volta a São Francisco, fazer um show de TV em sua homenagem. Algo simples – uma série curta de especiais que retratassem o trabalho árduo com humor e relevância”.8 Originalmente nomeado por Rowe como “Somebody’s Gotta Do It”, a ideia foi assimilada pelo Discovery Channel, cujos os executivos mudaram o nome para “Dirty Jobs”. O show destacaria os heróis desconhecidos que fazem trabalhos que muitos consideram garantidos. O compromisso de Rowe, entre outros fatores, o levou à sua grande chance.
Outro aspecto da orientação de realidade de Rowe está relacionado às suas visões sobre a segurança no trabalho. Um de seus lemas controversos é “ segurança em terceiro lugar”. Sua visão, na verdade, é “segurança em primeiro lugar”, mas ele afirma “segurança em terceiro lugar” para provocar discussões sobre os perigos do conformismo. Ele e a sua equipe estavam acostumados com os treinamentos de segurança obrigatório, quando ele percebeu que muitos membros da equipe começaram a se machucar. Depois de um dos trabalhadores morrerem numa fábrica na qual eles estavam filmando, Rowe refletiu sobre o que estava acontecendo. As pessoas confundiam “segurança” com estar “ em conformidade”. Levados por uma falsa sensação de segurança, eles baixavam as guardas e se arriscavam mais, o que criava um ambiente propício para acidentes. Rowe percebeu que existia uma grande diferença entre estar seguro e seguir as regras de segurança. O mundo físico (real) – não regras e regulações – determina o que está seguro ou não. Confundir o que Rand identificou como “the Man-Made” (as regras de segurança) com a realidade (o perigo de ficar na frente de um caminhão em movimento) leva a um comportamento tolo, a esperanças frustradas e aos perigos que ameaçam a vida. Rowe enfatiza que cada pessoa precisa se responsabilizar pelo seu bem-estar e do que está ao seu redor – com ou sem regulamentação.9
A atitude de Rowe de seguir os fatos é um exemplo do que Rand chamou de “primazia da existência”, uma visão que implica a aceitação da realidade e recusa a fuga dela ou pensamentos ilusórios.10 Uma pessoa que é orientada pela realidade na medida em que se esforça para descobrir o que é verdadeiro e que decide viver de acordo com isso. Por exemplo, quando você descobre quais comidas nutrem você e quais não são saudáveis, você pode tomar decisões melhores sobre o que comer e agir de acordo com o seu conhecimento. Se uma pessoa diabética escolhe comer bolo de chocolate apenas porque ela quer matar os seus desejos por doces, então – ela é muito parecida com a pessoa que espera que um caminhão em alta velocidade não a mate – ela está invadindo a realidade e sofrerá as consequências. Respeitar e compreender a realidade nos permite trabalhar com ela para melhorar nossas vidas.
(2) A Virtude da Produtividade
Uma lição que Rowe recebeu de seu pai no início da vida é que toda pessoa não apenas precisa trabalhar para sustentar a si mesmo, mas também que isso exige e constrói caráter. Eles viviam em uma casa que era aquecida por madeira, e os membros da família precisavam cortar árvores e dividir os troncos. Rowe Reflete:
“Cortar madeira traz resultados imediatos, e é gratificante ver o progresso acontecendo. Mas na pilha de lenha, a gratificação real seria adiada. Porque o meu pai não estava apenas me ensinando a usar um machado – ele estava me ensinando que trabalhar e se divertir eram dois lados da mesma moeda. Ele estava me ensinando a aproveitar os desafios de fazer uma coisa difícil.”11
Rowe talvez não discuta, especificamente, sobre a virtude, o que Rand descreveria como ação “pela qual alguém ganha e/ou mantém” um valor, ou livre arbítrio, que Rand descreve como a escolha de pensar ou não.12 De qualquer forma, ele enfatiza que cada indivíduo é responsável pela pessoa que se torna. Rowe criou o juramento “S.W.E.A.T. Pledge”, o acrônimo para habilidade e ética no trabalho não são um tabu. O item 10 do juramento designa: “ Eu acredito que sou produto das minhas escolhas – não das minhas circunstâncias. Eu nunca culpei ninguém por minhas falhas ou pelos desafios que enfrento. E eu nunca vou aceitar levar o crédito por algo que eu não fiz”. No item 12, ele adiciona: “Algumas pessoas escolhem ser preguiçosas. Alguns optam por dormir até tarde. Eu escolho trabalhar bastante”.13 Em outro momento, ele insiste numa ética de trabalho: “ Trabalhe de graça, se você precisar. Torne-se indispensável. Tenha uma curiosidade insaciável sobre qualquer aspecto de outras posições. Trabalhava mais que qualquer um ao seu redor e sorria o tempo inteiro”.14 Esse conselho é baseado na sua experiência pessoal de trabalho e nas suas observações sobre aqueles que se apresentaram em seu show. Ele afirma:
“Eu conheci centenas de homens e mulheres que provaram, sem sombra de dúvidas, que o trabalho árduo não necessariamente precisa ser condicionado a algo além de uma decisão pessoal de se arrebentar. No geral, os trabalhadores que conheci em “Dirty Jobs” eram felizes e realizados, porque eles tinham vontade de trabalhar mais que qualquer um ao redor deles. E, ao fazer isso, eles prosperaram. De fato, muitos dos “Dirty Jobbers” eram milionários.”15
A visão de Rowe sobre os traços de caráter necessários para uma carreira de sucesso é similar à descrição de Rand da produtividade como virtude, que ela define como “ o reconhecimento do fato de que o trabalho produtivo é o processo pelo qual a mente do homem sustenta a sua vida, o processo que livra o homem da necessidade de ajustar-se ao seu ambiente, como os animais fazem, e lhe dá o poder ajustar o cenário para si mesmo.”16 Os heróis da “Revolta de Atlas”, da Rand, fazem um juramento que se encaixa perfeitamente no S.W.E.A.T. de Rowe: “ Eu juro pela minha vida e pelo meu amor a ela que eu nunca viverei pelo propósito de outro homem, nem pedirei a outro homem que viva pelo meu.”17 Rand aponta que cada pessoa deve usar a sua mente para descobrir o que irá promover a sua vida, e então trabalhar para criar os valores que precisa para sobreviver e florescer. Entre outras coisas, o indivíduo deve pensar, cautelosamente, sobre a sua carreira, a sua dieta, os seus relacionamentos, e então trabalhar para desenvolver os valores necessários para uma vida maravilhosa.
Assim como Rowe, Rand sustenta que a produtividade envolve mais do que meramente fazer as coisas que devem ser feitas. Ela constrói e requer caráter – de modo que ajuda o indivíduo a tornar-se uma pessoa com pensamentos claros, trabalhadora e que assume, com orgulho, a responsabilidade por sua própria vida.18 Como Rand escreveu:
“Assim como o [ homem ] precisa produzir valores materiais para sustentar a sua vida, então ele também deve adquirir os valores de caráter que lhe permitam sustentá-la e que façam sua vida valer a pena. Ele nasce sem o conhecimento de nenhum dos dois. Ele precisa descobrir ambos – traduzi-los à realidade – e sobreviver moldando o mundo e a si mesmo à imagem dos seus valores.”19
Como Rowe, Rand não denegriu o trabalho manual – ao contrário, frequentemente o celebrava. Ela acreditava que as pessoas poderiam ser honestas e produtivas “em qualquer aspecto de esforço racional, muito bom e modesto, em qualquer nível de habilidade.”20 Ela demonstrou isso na sua ficção, retratando pessoas moralmente boas que têm uma variedade de empregos, desde de trabalhar na cozinha de um fast-food a ser motorista de um ônibus e operar uma ferrovia transcontinental. Considere como Rand descreve uma cena de rua no dia a dia:
“ Eddie Willers desviou o olhar da rua para um carrinho de legumes na varanda de uma casa de arenito. Ele viu uma pilha de cenouras douradas brilhantes e o verde fresco das cebolas. Ele viu uma limpa cortina branca voando numa janela aberta. Ele viu um ônibus virando a esquina, dirigido de maneira hábil. Ele se perguntou por que se sentia seguro… Quando chegou à quinta avenida, ele manteve seus olhos nas janelas das lojas que passava. Não havia nada que ele precisasse ou quisesse comprar, mas ele gostava de olhar as vitrines das mercadorias, qualquer mercadoria, objetos feitos pelo homem, para ser usado pelo homem. Ele gostou da visão de uma rua próspera.”21
Os romances de Rand também refletem a adaptabilidade e a resiliência daqueles que reconhecem e valorizam a amplitude e a profundidade de opções no campo da produtividade em relação àqueles que nutrem uma insistência teimosa em fazer apenas trabalhos de colarinho branco. Em A Revolta de Atlas, por exemplo, vários titãs da indústria encontram-se em circunstâncias alteradas e trabalham, constantemente, por um tempo, como lenhadores, fazendeiros, pescadores, sapateiros, encanadores e afins. Quando Dagny fica surpresa com o fato de “aristocratas” estarem trabalhando com “os tipos mais ruins de trabalhos”, um antigo magnata do petróleo retruca com palavras que poderiam ter saído da boca de Rowe: “Não há nada como um trabalho ruim, apenas homens ruins que não se importam em fazê-los.”22
Ademais, os personagens bons da Rand se admiram pelo trabalho competente que fazem. Quando somos apresentados ao Howard Roark, herói de A Nascente, ele não tem amigos e se dedica a estudar arquitetura e a trabalhar em construção civil. O primeiro amigo real que ele faz é o chefe de eletricidade, Mike Donnigan, quem “adorava perícias de todo tipo.”23 Eles se encontram num local de trabalho de construção, onde Donnigan assume que Roark é mais um dos impraticáveis “espertinhos da faculdade” que a firma de arquitetura enviou “do escritório”. De qualquer forma, quando Roark não apenas lhe instrui sobre como resolver um problema difícil da construção, mas também usa um maçarico para demonstrar, Donnigan olha “com reverência para o orifício perfeitamente furado na viga” e comenta, “ Você sabe como usar um maçarico!”24 O orgulho compartilhado num trabalho bem feito é uma base importante para a amizade deles. Se Roark fosse uma pessoa real, ele se enquadraria perfeitamente num programa do Rowe. A cena se desenrolava como em A Nascente, com o Mike Rowe no lugar de Mike Donnigan: “Roark estendeu sua mão e os dedos sujos de Mike a fecharam ferozmente, como se as manchas deixadas na pele de Roark dissessem tudo o que ele queria dizer.”25
(3) A Mente do Homem como Fonte de Riqueza
Por apresentar comerciantes e pessoas que cresceram sozinhas em Dirty Jobs e em Somebody’s Gotta Do It , Rowe demonstra apreciar “pessoas cabeças-dura, bem humoradas e indivíduos de pensamento claro que não têm medo de sair da sua zona de conforto e de fazer boas coisas acontecerem.”26 Ele nos convida a pensar mais sobre o que faz uma civilização tecnologicamente avançada ser possível, dizendo, por exemplo, “Todas as coisas tangíveis de que nossa sociedade precisa são extraídas do solo ou são cultivadas a partir do solo,” e sem “as indústrias fundamentais, não haveria qualquer tipo de emprego. Não existiria economia. A civilização começa… quando trabalhadores qualificados transformam aquelas matérias-primas em alguma coisa útil ou comestível.”27
Rowe não fala sobre esses trabalhos como meramente manuais, que qualquer pessoa poderia fazer. Ele reconhece e dá ênfase ao fato de que executar esses trabalhos requer tanto trabalho árduo quanto uma inteligência significante – usar o corpo e a mente para criar valores dos quais a vida depende. No item 9 do juramento S.W.E.A.T., Rowe destaca a necessidade vitalícia de desenvolver a mente e habilidades: “Eu acredito que a minha educação é… absolutamente necessária para o meu sucesso… Eu nunca vou parar de aprender.”28
A visão de trabalho de Rowe é alinhada à identificação de Rand de que a mente do homem é a sua fonte de sucesso. Ela explica que “a característica essencial do homem é a sua faculdade mental/racional,” e a sua mente é o seu “meio básico de sobrevivência”, a “ação necessária para sustentar sua vida é, principalmente, intelectual: tudo que o homem precisa, deve ser descoberto pela sua mente e produzido pelo seu esforço. Produção é a aplicação da razão ao problema de sobrevivência.” 29 Dagny Taggart, a protagonista de A Revolta de Atlas , reflete sob um pensamento brilhante envolvido na solução de problemas de transporte, enquanto o seu trem mergulha nos túneis de uma estação ferroviária: “Ela assistiu aos túneis enquanto eles passavam: paredes nuas de concreto, uma teia de tubos e fios, uma teia de trilhos… Alguém poderia admirar o propósito nú e a engenhosidade que fora alcançada.”30 De modo similar, o industrial siderúrgico, Hank Rearden, olha de seu escritório para suas usinas e fornos e pensa “foram uma conquista de sua mente”, que ele construiu do zero e que não seria nada mais que “uma pilha de sucata morta” sem o seu pensamento, sua direção e o seu julgamento.31
Fortuna, seja dinheiro ou bens manufaturados, não está por aí já existindo para que as pessoas tropecem, peguem ou redistribuam. Ela é criada por indivíduos que usam a sua mente para criar valores. Esse é o tema que dá vida à A Revolta de Atlas, que ilustra o que acontece com uma civilização quando aqueles pensam e produzem se afastam da sociedade: pontes desabam, trens param, a comida apodrece e há privação e morte em massa.
(4) Empreendedorismo
Rowe afirma que “sem o risco empresarial, novos empregos nunca seriam criados”; e ele homenageia não apenas “aqueles que fazem o trabalho”, como também “aqueles que criam oportunidades para o trabalho”, isto é, empreendedores e empresários que assumem o risco e a iniciativa de abrir empresas.32 Num ambiente, geralmente, hostil aos negócios, o último grupo muitas vezes não recebe o crédito.
Os empreendedores que acabam tendo sucesso num sistema de mercado são aqueles que, nas palavras de Rowe, são “apaixonados” pelo trabalho, mesmo que muitos deles não “sigam a sua felicidade”. Mais importante que buscar alguma vocação específica, é possuir uma atitude empreendedora e se comprometer com a ética do trabalho árduo:
“As pessoas mais felizes que conheci nos últimos anos não seguiram a sua paixão de forma alguma – elas, pelo contrário, levaram ela consigo… O que eles fizeram foi se afastar da multidão e observar, cautelosamente, para onde todos estavam indo. Então, eles simplesmente foram na outra direção. Eles seguiram as oportunidades disponíveis – não a sua paixão – e construíram uma vida balanceada em torno da vontade de fazer um trabalho que ninguém mais queria.”33
Diferente das pessoas que seguem a sua paixão, mesmo que isso não pague as suas contas – ou dos que aceitam, com ressentimento, um emprego que consideram “abaixo deles” – aqueles dispostos a girar em direção às oportunidades e de abraçá-las tendem a ser mais felizes e prósperos. Eles também tendem a desenvolver empresas de sucesso, bens e serviços, além de oportunidades para que os outros sejam mais produtivos.
A Rand também destaca que nós estamos em débito com empreendedores pelas conveniências modernas ou pelo nosso alto padrão de vida. Nos seus romances, especialmente em A Revolta de Atlas, ela demonstra como empresários, empreendedores autodidatas, são fundamentalmente responsáveis pelos bons serviços dos quais desfrutamos. Nesse sentido, vemos que uma fábrica moderna que emprega milhares de pessoas, por exemplo, é possível graças ao “gênio produtivo” do “industrialista que a construiu” e “o investidor que guardou dinheiro para arriscar no inédito e no novo”.34
Rand defendeu os homens de negócios e os empresários em sua não-ficção, chamando-os de “minoria perseguida da América.”35 Isso é porque eles foram, injustamente, culpados por diversos problemas – desde recessões à “alienação” até a pobreza – quando “como classe, eles têm demonstrado o maior gênio produtivo e as realizações mais espetaculares já registradas na história econômica da humanidade.”36
(5) Educação, Desconexão Profunda e a Primazia da Consciência
Rowe observa:
“Temos milhões de pessoas procurando por trabalho e milhões de empregos que ninguém quer. Os graduados têm um trilhão de dólares em dívidas e lutam para encontrar um emprego na sua área. Enquanto isso, 88% de todos os trabalhos disponíveis não requerem ensino superior. Eles têm treinamentos específicos. Então, o que fazemos? Nós forçamos um diploma de quatro anos como se ele fosse uma espécie de bilhete dourado. Nós removemos o ensino profissionalizante das escolas de ensino médio no momento que mais precisamos. Estamos emprestando o dinheiro que não temos para jovens que não podem pagar de volta, educando-os para trabalhos que não existem mais. Não sou nenhum especialista, mas eu diria que isso está profundamente desconectado.”37
Esse estado de coisas “profundamente desconectadas” levou-nos a uma “lacuna de habilidades”, um descompasso entre os mais de três milhões de empregos disponíveis em vários ofícios, muitos com salários bem acima da média, e os milhões de desempregados que não estão treinados para assumir esses cargos.
Subjacente a essa lacuna de habilidades, está o que Rowe chama de “lacuna de vontade” causada pela “falta de pessoas que estão dispostas a se reinventarem” para conseguir um emprego.38 Um outro problema, diz Rowe, é a atitude de “expectativa”: muitas pessoas passaram a esperar que possam, simplesmente, ir a faculdade para qualquer coisa que lhes agrade e que, após a formatura, eles terão um emprego bem remunerado em algo que eles amam – nunca parando para considerar se há alguma demanda para as habilidades que eles estão buscando.39 Como resultado, um grande número deles (e dos seus pais) têm dívidas assustadoras que, talvez, nunca consigam pagar, e aí eles começam a enviar currículos para cafeterias e supermercados. Enquanto isso, eles estão voltando para a casa de seus pais. O sonho deles virou um pesadelo, tanto para eles quanto para a economia do país. 40
“A América precisa repensar a definição de um ‘bom trabalho’”, diz Rowe. Nós desenvolvemos alguns estigmas e estereótipos em torno de determinados tipos de trabalho e de certas formas de aprendizagem.”41 O trabalho braçal e os trabalhos fisicamente exigentes não devem ser amplamente vistos como indesejáveis, inferiores ou indignos – e o mesmo vale para o pré-requisito de treinamento vocacional para tais empregos. Rowe desafia a narrativa prevalente de que a educação só pode ser adquirida por meio de um diploma universitário de quatro anos. Ele não rejeita tais diplomas, mas acha que eles não são para todos, especialmente para aqueles que não podem pagar. Diplomas associados, treinamento vocacional, programas de educação e autodidatismo alimentados por uma biblioteca local são boas formas de uma “educação alternativa”. Ele rejeita estereótipos que denigrem os ofícios braçais, como se esses estivessem “abaixo” dos graduados e só pudessem ser executados por bobos irracionais. (Na realidade, vários graduados universitários estão “abaixo” desses empregos, sem conhecimento e treinamento necessários para realizá-los). Rowe localiza uma das principais causas da economia debilitada dos Estados Unidos e da “lacuna de habilidades” na mentalidade disfuncional de direitos que menospreza os “trabalhos sujos”.42
Isso se relaciona com o que Rand chama de “primazia da consciência”.43 A primazia da consciência é a tentativa de colocar os desejos de alguém sobre os fatos da realidade. Quando as pessoas ignoram informações relevantes, fogem da responsabilidade de pensar, cautelosamente, sobre suas alternativas e afirmam, explícita ou implicitamente, que têm direito a uma realidade diferente daquela em que existem, estão agindo como se a consciência pudesse reescrever a realidade de acordo com as suas fantasias.44 Como a sua identificação da primazia da existência discutida acima, a identificação de Rand da primazia da consciência destaca a questão fundamental que impulsiona o que Rowe diagnostica como desconexão profunda e a lacuna de disposição. Seja por meio da aceitação irrefletida de normas culturais sobre os “bons empregos”, da ignorância deliberada da conexão entre desenvolvimento de habilidades e emprego, ou ressentimento do mercado, muitos jovens se preparam para o desemprego, para dívidas e para a insatisfação. Eles são como Philip Rearden em A Revolta de Atlas que, de maneira petulante, exigia que o seu irmão bem-sucedido, Hank, lhe desse um emprego em sua siderúrgica. Embora Philip não tenha habilidades para o cargo e “não seja útil para o Hank”, ele afirma que Hank deveria lhe dar um emprego porque ele “precisa de um” e porque “todo mundo tem direito a um meio de subsistência”.45 A abordagem da primazia da consciência de Philip em relação ao trabalho contrasta fortemente, por exemplo, com a abordagem da primazia da existência de Roark em A Nascente. Roark – quem deseja ser ardentemente um arquiteto – inicialmente vê-se incapaz de receber encomendas e consegue um emprego numa pedreira para ganhar a vida. Quando Donningan, quem relutantemente concorda em recomendar Roark para o emprego, diz: “Arquitetos não pegam trabalhos de operários”, Roark diz : “Isso é tudo o que esse arquiteto pode fazer”, e lhe garante: “Você não precisa sentir pena de mim. Eu não sinto”.46
(6) Potencial Econômico versus Poder Político
Quais são os respectivos papéis do governo e do mercado em relação à criação de empregos, aos salários e à lacuna de habilidades?
Considere a resposta de Rowe para aqueles que exigem que o governo resolva as recessões e o aumento do desemprego criando empregos: “Vamos lá, doze milhões de pessoas estão procurando emprego e três milhões de empregos não podem ser preenchidos? Por que falamos apenas da “criação de empregos”, quando sequer conseguimos preencher os que temos?47 Rowe argumentava que a intervenção governamental não é a resposta para o desemprego. Em vez disso, a solução é que os indivíduos assumam responsabilidade pelas suas vidas, formulem as suas expectativas de carreira de acordo com suas perspectivas e se preparem para empregos disponíveis conforme necessário.
Questionado sobre a ideia de um “salário digno”, Rowe disse: “Alguns empregos pagam melhores, que alguns empregos nos soam melhores e alguns empregos não devem ser tratados como carreira. Mas o trabalho nunca é o inimigo, independentemente do salário. Porque em algum lugar entre o emprego e o contra-cheque, ainda existe uma coisa chamada oportunidade, e isso é o que as pessoas precisam buscar.”48
Ao analisar o impacto dos empréstimos estudantis patrocinados pelo governo, Rowe cita o “efeito borboleta” das consequências não intencionais:
“Quando o governo, de maneira repentina, disponibiliza centenas de bilhões de dólares em empréstimos estudantis – sob a teoria popular (é favorável ao eleitor) de que “todo mundo deve ir à faculdade” – notamos uma consequência não intencional… Republicanos e Democratas, ambos, permitiram que trilhões de dólares de dinheiro público corresse livremente entre estudantes e faculdades, sem nenhuma responsabilidade real pelos resultados.”49
A consequência não intencional disso é “lacuna de habilidades” supracitada.
A solução para os problemas econômicos da América, sob a visão de Rowe, não pode ser encontrada por políticos de nenhum dos lados. Ele afirma que “ em última análise, a saída disso não é por D.C. A responsabilidade não para por aí. Ela para conosco. Tem que ser assim.” Isso ocorre, em parte, porque os políticos não conseguem ‘criar’ empregos. “O melhor que eles podem fazer é encorajar um ambiente no qual pessoas que podem estar dispostas a assumir o risco de contratar outras pessoas estejam mais inclinadas a fazê-lo.”50 Em outras palavras, o governo precisa sair do caminho das empresas e deixá-las fazer o que fazem de melhor, isto é, produzir.
Como Rowe, Rand afirmou que quando os políticos tentam regular os negócios e garantir o bem-estar, eles só podem piorar as coisas. Em A Revolta de Atlas, ela demonstra isso por meio do conflito entre Dagny Taggart e o seu irmão, James, que se opõe ao livre mercado e faz acordos políticos. Dagny trabalha duro para manter o negócio ferroviário da sua família, Taggart Transcontinental, á tona, mitigando os impactos destrutivos do seu irmão e de outros comparsas, oferecendo serviços pelos quais os clientes pagam de bom grado. Em contraste, James insiste que “alguma política construtiva deve ser planejada, algo tem que ser feito… por alguém.”51 E por “alguém”, ele quer dizer burocratas do governo. Apesar do seu desejo, no entanto, essas políticas são destrutivas para Taggart Transcontinental – e para o país em geral. Por exemplo, os aumentos salariais exigidos pelo governo e os subsídios partidários causam preços altíssimos, bem como escassez de oferta e mão de obra, que paralisam a Taggart Transcontinental.
Rand argumenta que o capitalismo – o qual ela define como um “sistema social baseado no reconhecimento dos direitos individuais, incluindo o direito à propriedade” – é a nossa melhor esperança para florescer e nos proteger contra necessidades futuras.52 Os direitos individuais protegem a liberdade de pensar do homem, o agir de acordo com o seu julgamento e de manter frutos de seu trabalho. Nesse sentido, o capitalismo permite que as pessoas criem os valores sobre os quais a vida humana depende. É por esse motivo que Rand afirma que “empresários são o símbolo de uma sociedade livre – o símbolo da América.”53 Empreendedores e inovadores são prejudicados na medida em que carecem de proteção dos seus direitos. Eles prosperam numa sociedade que protege tais direitos e na qual todas as interações são voluntárias e mutuamente benéficas.54
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Rowe destaca o espírito heróico do homem, dando ênfase aos indivíduos que escolhem a graxa no cotovelo ao invés de algum título. Essas são as pessoas que concordam que “Somebody’s Gotta Do It”. E esse alguém é todo indivíduo — porque cada um de nós é responsável por sustentar a sua própria vida e por buscar a sua própria felicidade. Ambos, Rowe e Rand, entendem a necessidade de – e a virtude – da responsabilidade pessoal. O trabalho deles oferece uma orientação poderosa para indivíduos efetuarem mudanças em suas próprias vidas e muito mais.
Se mais pessoas vivessem de acordo com essas ideias, elas poderiam ajudar a substituir a espiral de políticas de violação de direitos decadentes, dívidas crescentes e recessão por uma reviravolta em direção à prosperidade, à criatividade e ao sucesso.
- Sobre, MikeRoweWORKSFoundation, https://www.mikeroweworks.org/about/ ; e Mike Rowe, Profoundly Disconnected (MikeRoweWORKSFoundation, 2014). Esses são empreendimentos privados nos quais ele oferece um lugar para os empreendedores postarem sobre vagas e programas de treinamento, além de oferecerem oportunidades e bolsas de estudos para aqueles gostariam de aprender um ofício. ↩︎
- Mike Rowe, Facebook, https://www.facebook.com/TheRealMikeRowe ↩︎
- Allan Gotthelf e Gregory Samieri, eds., A Companion to Ayn Rand (Malden, MA: Wiley Blackwell, 2016) 15 n. 1. ↩︎
- Mike Rowe, entrevistado por Evan Hafer, Black Rifle Podcast, ep. 209, 20 de maio de 2022, https://www.youtube.com/watch?v=heCD6ftsYlw . Rowe também discutiu brevemente as ideias de Rand no seu podcast “The way I heard It” (ver, e.x., “Jack Carr Is a Tomahawk Kinda Guy”, ep 261, 26 de julho de 2022, https://audioboom.com/posts/8127355-jack-carr-is-a-tomahawk-kinda-guy e “Let’s Get Alex Epstein on Bill Maher,” ep 263, 9 de agosto de 2022, https://audioboom.com/posts/8135565-let-s-get-alex-epstein-on-bill-maher ). ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 117. ↩︎
- Mike Rowe, postagem no Facebook, 25 de janeiro de 2015. ↩︎
- “Mike Rowe’s Own Dirty Job: Selling Knick-Knacks Overnight,” Publicado no rádio nacional, All Things Considered, 16 de fevereiro de 2014, https://www.npr.org/2014/02/16/277979918/mike-rowes-own-dirty-job-selling-knick-knacks-overnight . ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 117. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 89-94. ↩︎
- Ayn Rand, “The Methaphysical Versus the Man-Made”, e Ayn Rand, Philosophy “Who Needs It”, Nova Iorque: New American Library, 1964.
↩︎ - Rowe, Profoundly Disconnected, 113 ↩︎
- Ayn Rand, A Ética do Objetivismo, em Ayn Rand, A Virtude do Egoísmo (Nova Iorque: New American Library, 1964).
↩︎ - Veja o juramento “S.W.E.A.T.”, https://www.mikeroweworks.org/sweat/ . ↩︎
- Rowe, postagem do Facebook, 25 de janeiro de 2015. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 147. ↩︎
- Rand, A Ética do Objetivismo, 26. ↩︎
- Ayn Rand, A Revolta de Atlas ( Nova Iorque: New American Library, 1985, 1957) 680. ↩︎
- Rand, A Ética do Objetivismo, 15-27 ↩︎
- Ayn Rand, “The goal of My Writing”, em Ayn Rand, The Romantic Manifesto, rev. Ed (Nova Iorque: New American Library, 1975 [1971], 169. ↩︎
- Rand, A Ética do Objetivismo, 26 ↩︎
- Rand, A Revolta de Atlas, 12. ↩︎
- Rand, A Revolta de Atlas, 670 ↩︎
- Rand, A Nascente, (Nova Iorque: New American Library, 1971), 93 ↩︎
- Rand, A Nascente, 92-93 ↩︎
- Rand, A Nascente, 134 ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, xi. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 75. ↩︎
- Veja o juramento “S.W.E.A.T.”, https://www.mikeroweworks.org/sweat/ . ↩︎
- Ayn Rand, “O que é capitalismo?, em Ayn Rand, Capitalism: The Unknown Ideal (Nova Iorque: New American Libray, 1967) 16-17 ↩︎
- Rand, A Revolta de Atlas, 25. ↩︎
- Rand, A Revolta de Atlas, 917. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, xi. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 56. ↩︎
- Rand, A Revolta de Atlas, 988 ↩︎
- Ayn Rand, “America’s Persecuted Minority: Big Business” em Rand, Capitalismo, 44. ↩︎
- Rand, “America’s Persecuted Minority”, 48. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, xxix. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 9. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 112. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 80. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, xl. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 121-23, 128-30 e 143-45. Veja também o item 9 do juramento S.W.E.A.T.: “Eu acredito que a minha educação é minha responsabilidade e é absolutamente necessária para o meu sucesso. Estou decidido a aprender o máximo que puder de qualquer fonte disponível a mim. Eu nunca vou parar de aprender e de lembrar que os cartões da biblioteca são gratuitos.”
↩︎ - Rand, “Metaphysical Versus the Man-Made,” 24. ↩︎
- Rand, “Metaphysical Versus the Man-Made,” 24-25. ↩︎
- Rand, A Revolta de Atlas, 861. ↩︎
- Rand, A Nascente, 198-99. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 103 ↩︎
- Rowe, postagem no Facebook, 5 de fevereiro de 2015. ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 143 ↩︎
- Rowe, Profoundly Disconnected, 146 ↩︎
- Rand, A Revolta de Atlas, 846. ↩︎
- Rand, What Is Capitalism?, 19. ↩︎
- Rand, “America’s Persecuted Minority”, 62. ↩︎
- Rand, A Ética do Objetivismo, 31. ↩︎