Entenda os Protestos em Cuba em 3 pontos

Cuba viveu um capítulo inédito em sua história. No dia 12 de julho de 2021, milhares de pessoas foram às ruas protestar contra o governo, pela primeira vez em mais de 60 anos, ou seja, desde que a revolução cubana assumiu o poder na ilha. Gritos de liberdade e abaixo a ditadura se multiplicaram. Um ano se passou, mas a importância dos protestos ainda é significativa. Afinal, quais foram os motivos que revoltaram a população cubana contra o governo de Miguel Díaz Canel? Confira. 

A influência da pandemia

Os protestos aconteceram em mais de 20 cidades e povoados, denunciando uma grave crise sanitária e econômica. O presidente Miguel Díaz Canel respondeu em cadeia nacional com uma convocação aos cubanos dizendo que se apoiam o governo, devem confrontar os manifestantes e defender a revolução. 

Uma das razões para os protestos em Cuba é a pandemia de coronavírus. A ilha, que manteve a pandemia sob controle nos primeiros meses de 2020, viu um surto que levou a recordes diários de contágios e mortes, segundo os números oficiais. 

Já haviam sido reportados casos de pessoas denunciando que seus familiares teriam morrido sem receber atenção médica. Vários cubanos denunciam a escassez de medicamentos e a saturação dos hospitais. Nas redes sociais, multiplicaram-se mensagens com a hashtag “S.O.S Cuba”, com pedidos de ajuda internacional e uma intervenção humanitária. Durante os protestos, era possível ouvir os manifestantes pedindo vacinas, mas a crise sanitária parece ter sido apenas o gatilho que se juntou a uma grave crise econômica.

Essa crise é uma das maiores desde o período especial que o país viveu depois da queda da União Soviética, no início da década de 90. O governo cubano tem sempre apontado o embargo imposto pelos EUA como o principal responsável pelas privações vividas em Cuba. 

Devido a pandemia, Cuba ficou com o turismo comprometido, já que é uma importante fonte de receita pro país, e com a falta de liquidez as autoridades começaram a vender alguns alimentos e produtos de primeira necessidade em lojas especiais onde só se podiam comprar com contas em moedas livremente conversíveis, e não com o peso cubano, com o qual a maioria dos cubanos recebem seus salários. 

Nesse sentido, somou-se a isso o desabastecimento de produtos e de combustível, e como resultado a população voltou a pegar filas para conseguir frangos, óleo, sabão e a enfrentar grandes apagões elétricos.

A proibição do dólar

Para fazer frente à crise, o governo propôs, no começo do ano, um pacote de reformas que reajusta salários, mas teve como consequência uma inflação crescente. No mês de junho de 2021, o governo deixou de aceitar temporariamente o dólar à vista, e isso prejudicou diretamente milhões de cubanos, devido ao fato de viverem todos os meses com remessas enviadas por parentes e amigos que vivem no exterior, principalmente em dólar vindo dos EUA, o país com mais migrantes cubanos. 

A medida é classificada, por muitos economistas, como a mais restritiva imposta sobre a moeda americana, que já foi ilegal por décadas na ilha, e depois foi descriminalizada nos anos 90 como parte das reformas econômicas para superar a crise do período especial durante o governo de Fidel Castro. 

Muitos em Cuba garantem não ter visto nada parecido desde 1994, ano dos protestos em Havana que ficou conhecido como “Maleconazo”. Naquela época, a população se inteirou do que tinha acontecido por meio de rumores ou pela versão oficial do governo, mas depois de 40 anos, a história é bem diferente. 

Durante o governo de Fidel Castro, o acesso à internet era restrito, mas seu irmão Raúl, com suas medidas de abertura, permitiu uma maior conectividade, e, desde então, as redes sociais têm sido o espaço no qual os cubanos denunciam seu descontentamento. 

O impacto do acesso a internet

Muitas pessoas em Cuba, principalmente jovens, têm acesso ao Facebook e ao Instagram, em que consomem notícias e informações, ou seja, as pessoas não são informadas só pelo discurso oficial oferecido pelos meios do governo. 

As redes também têm mostrado seu poder na hora de convocação e organização dos protestos. Um exemplo disso é que, em novembro de 2020, as redes sociais foram usadas para difundir uma greve de fome contra o governo. 

O ato foi realizado por um grupo de artistas, e ainda utilizaram de tais ferramentas que serviram para organizar várias manifestações contra o tratamento dado pela polícia aos grevistas. O governo de Díaz Canel insiste na narrativa de que os manifestantes são mercenários que saíram para protestar sob o patrocínio de governos estrangeiros.

As consequências dos protestos

Um ano após as manifestações que aconteceram simultaneamente em cerca de 40 cidades em Cuba, o regime mantém presas aproximadamente 700 pessoas que participaram daqueles atos de oposição. Inclusive, cerca de 380 manifestantes foram sentenciados, entre eles há menores de idade, segundo a Human Rights Watch, uma entidade não governamental dos Estados Unidos. Alguns dos participantes do evento de 2021 tentaram organizar uma manifestação pela internet, mas os principais dissidentes políticos estão detidos ou exilados. 

O presidente Miguel Díaz Canel, afirmou no fim de semana passada que o país comemora a derrota de “um golpe vândalo”. O mesmo fez a seguinte afirmação: “Estou convencido de que, defendendo o socialismo, vamos superar a difícil situação atual e derrotar os imperialistas”, afirmou Canel, referindo-se à crise econômica que a ilha enfrenta, a pior em três décadas. 

A Human Rights Watch afirmou em um documento que o governo cubano tem um plano para impedir manifestações, punir quem participar delas e “suscitar temor” com o objetivo de evitar novos atos contra o regime. A entidade relatou 155 casos de abusos após os protestos de 2021. “Houve um grande número de violações dos direitos humanos cometidos no contexto dos protestos, que incluem intimidações, detenções arbitrárias, processos penais abusivos, espancamentos e outros casos de maus-tratos, que, em algumas situações, constituem tortura”, diz o texto. 

Vale ressaltar que, as autoridades cubanas adotaram medidas para desmantelar o limitado espaço cívico que permitiu que os protestos ocorressem. A repressão do governo, assim como sua falta de interesse para abordar as causas subjacentes que levaram muitos cubanos às ruas, aumentaram drasticamente o número de pessoas que decidiram deixar o país. 


Victor Queiroz

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