PLP 192/23: o fim da Lei da Ficha Limpa?

PLP 192/23: o fim da Lei da Ficha Limpa

O conceito de corrupção, no seu sentido formal, é  um fenômeno social, político e econômico complexo que afeta todos os países do mundo. Por sua vez, em um conceito amplo ela pode ter 2 significados principais, quais sejam, (i) práticas imorais e ilícitas entre particulares; ou (ii) práticas ilícitas relacionadas ao poder público. 

Para os fins deste artigo, levaremos em consideração o segundo significado do termo. Ou seja, a corrupção caracterizada pela posse ou desvio indevido de recursos públicos para bens privados. 

No Brasil, esse tipo de corrupção chegou junto com a coroa portuguesa, que no início não fazia muita distinção entre público e privado. Atualmente, essa prática é tão comum que inclusive existem políticos que gozam do slogan “Rouba, mas faz.” 

Aliás, estudos promovidos pela Sociedade Brasileira de Psicologia apontam que muitos brasileiros endossam práticas de corrupção quando estão relacionadas à figura do malandro. Porém, é certo que ninguém gosta de ser feito de otário, sensação essa que é crescente quando passa-se a ouvir o jornal diariamente. 

Nos últimos anos vários escândalos de corrupção política se tornaram manchetes dos jornais nacionais e internacionais. Inclusive, recentemente, o Departamento de Justiça dos EUA se pronunciou a respeito do “maior caso de suborno da história” se referenciando ao caso dos acordos de leniência da Odebrecht e da Braskem.

Devido a situação caótica vivenciada pelo cidadão, junto a um sentimento de revolta, em  maio de 2010 foi criada, por meio de iniciativa popular, a Lei Complementar nº. 135/10, comumente chamada de “Lei da Ficha Limpa”. 

A Lei da Ficha Limpa (LFL) nasceu com o propósito de combater a corrupção e a improbidade administrativa, passando a estabelecer critérios mais rígidos para a elegibilidade de candidatos a cargos políticos.

Dentre as principais inovações trazidas pela lei, destacam-se dois pontos:

  1. Impedimento de candidatura: A lei estabelece uma série de condições que tornam um cidadão inelegível, como condenações por órgãos colegiados da Justiça em casos de corrupção, abuso de poder econômico, entre outros crimes administrativos.
  2. Prazos de inelegibilidade: A lei determina prazos de inelegibilidade para candidatos que tenham condenações ou processos judiciais pendentes, geralmente por oito anos a partir da data da condenação ou do término do cumprimento da pena.

A Lei da Ficha Limpa não agradou os políticos de “carreira”, pois eles enxergam a  Lei como uma ameaça para a continuidade das suas empreitadas ilícitas. Dentre as inúmeras tentativas de apagar ou esquecer tal lei, vale mencionar a mais recente, que surgiu por meio do Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/23, que compõe a minirreforma eleitoral e muda, justamente, a Lei da Ficha Limpa.

A PLP 192/23 tem como autoria nove deputados de nove partidos diferentes, todos com orientações partidárias opostas, mas que se uniram com a finalidade de retirar a prerrogativa do cidadão, que não aguenta mais ver entre seus representantes criminosos condenados. 

Atualmente, o PLP 192/23 encontra-se no Senado Federal, que irá avaliar o projeto. Vale ressaltar que o projeto propõe modificações nos prazos da Lei da Ficha Limpa, reduzindo o período de inelegibilidade em certas circunstâncias, bem como busca unificar os prazos de afastamento de candidatos de cargos públicos.

O projeto estipula ainda que políticos cassados e condenados não poderão se candidatar por um período de oito anos a partir da condenação. Esse período é mais curto do que o atualmente estabelecido, que é calculado a partir do término da pena ou do mandato.

Caso o PLP 192/23 seja convertido em lei, suas disposições serão aplicadas imediatamente, inclusive a casos de condenações já existentes, e a inelegibilidade não poderá exceder 12 anos.

Nota-se que não ocorre uma extinção formal da Lei da Ficha Limpa, porém, a pergunta que se levanta é: com a alteração legislativa a Lei ainda cumpriria seu propósito primordial? Estamos de fato combatendo a corrupção? Ou seria essa mais uma artimanha dos políticos brasileiros endossando a corrupção, pois eles se encontram na posição do “malandro da história”. 


Danyele Slobodticov

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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