Coriolanus Snow: que o amor-próprio esteja com você

Coriolanus Snow: que o amor-próprio esteja com você

Em novembro deste ano, mais um filme da saga “Jogos Vorazes” foi lançado. “Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” conta a história do Presidente Snow, o ditador da capital nos filmes anteriores. A obra é uma inspiração filosófica, especialmente para aqueles que compreendem e demonstram interesse pela filosofia objetivista.

Coriolanus Snow é o personagem central na série de livros e filmes “Jogos Vorazes”. Ele é o presidente totalitário da nação fictícia de Panem, conhecido pelo apelido “Coryo”, originalmente dado por sua prima Tigris. Snow nasceu na família Snow, uma família outrora conhecida e rica. Seus pais e avós eram bem conhecidos, mas sua família passou por momentos difíceis após a morte de seu pai durante a guerra, e sua única moeda real na juventude era o charme.

Panem, a nação onde se passa a trama, é dividida entre a capital e os distritos, onde o controle e a riqueza produzida pelos distritos concentram-se na capital. Os trabalhadores dos distritos não têm o mínimo sustento para suas famílias, sem alimentação, água e até mesmo medicamentos.

Retratado como um líder autoritário e manipulador, cujo controle sobre Panem é mantido pela brutalidade e pelo medo, Snow é responsável pela criação dos Jogos Vorazes, um evento anual no qual jovens de cada distrito são escolhidos para lutar até a morte como forma de punição e controle. Os Jogos Vorazes foram criados pelo melhor amigo de seu pai em uma noite de libertinagem após vencer a guerra contra os distritos; no entanto, o que começou como uma mera brincadeira tornou-se o primeiro Jogos Vorazes, depois que o pai de Snow roubou o projeto de seu melhor amigo e entregou-o à cientista da capital.

Snow é conhecido por sua astúcia política e habilidade em usar a mídia para manipular a opinião pública. Ele é um mestre na arte da intriga e não hesita em eliminar qualquer ameaça percebida à sua autoridade, muitas vezes recorrendo a métodos cruéis. Ele desempenha um papel significativo na vida da protagonista, Katniss Everdeen. Ele a considera uma ameaça devido à sua crescente influência e resistência ao controle do Capitólio. Snow utiliza sua posição para exercer pressão sobre Katniss e, ao longo da trilogia, ela se torna alvo de suas maquinações políticas e vingativas.

O caráter complexo de Snow é explorado ao longo dos livros e retratado fielmente nos filmes, revelando seus motivos, suas ambições e sua visão do poder. Ele é um símbolo da corrupção do regime em Panem e representa os extremos do abuso de poder. No entanto, tudo começou na juventude, antes de se tornar presidente. Snow foi um dos melhores alunos da Academia na Capital, onde teve a oportunidade de mentorar o tributo vencedor do 10º Jogos Vorazes. Ele também serviu brevemente nos Pacificadores, demonstrando tal aptidão e sendo aprovado com sucesso em um programa de elite para se tornar um oficial dos Pacificadores. Enquanto cursava a Universidade e estudava estratégia militar avançada, atuou como aprendiz Idealizador, instituindo rapidamente várias reformas nos Jogos, incluindo a criação da Aldeia dos Vitoriosos.

Snow precisava conhecer Ayn Rand 

A tirania do presidente Snow, um autoritário em si mesmo, tem raízes no exemplo do seu pai, um militar e o criador dos Jogos Vorazes. No entanto, não é apenas a inspiração familiar que moldou a personalidade autodestrutiva de Coryo. A falta de um código moral é a principal causa da natureza ditatorial do presidente de Panem.

Como mencionado anteriormente, Snow foi mentor do vencedor do 10º Jogos Vorazes, mas essa não foi uma escolha dele. Anualmente, a universidade premiava o melhor aluno, do qual Snow tinha reais chances de vencer. Entretanto, os Jogos Vorazes, naquele ano, estavam em declínio, e a população da capital começava a contestar sua criação. Com o intuito de manter os jogos, a cientista e o presidente na época decidiram que o prêmio não iria para o melhor aluno, mas sim para os alunos que serviriam como mentores dos tributos, e o melhor mentor receberia o prêmio.

Snow estava em uma situação financeira bastante complicada; sua avó e prima não tinham o mínimo para sobreviver, e ele sentia como sua obrigação manter a família segura. Por isso, dedicava-se tanto para conquistar o tão sonhado prêmio. Quando foi surpreendido pela mudança nas regras, Snow ficou desolado, mas encarou o desafio após ver o sofrimento de fome de sua família.

Sem mais spoilers, ele se apaixona pela mentoreada dele e, por se tratar de um cenário de guerra, a confiança que ela tinha nele acabou. No meio da fuga apaixonada e romântica, a desconfiança tomou conta dela, e ela fugiu. Todas as lembranças do amor se transformaram na força motriz para ele construir seu império do mal, como mencionado anteriormente.

A trajetória do personagem Snow na trilogia dos Jogos Vorazes revela uma ausência fundamental em seu desenvolvimento emocional: a falta de amor-próprio. Essa lacuna não surge apenas da inspiração familiar, mas da falta de um código moral sólido que pudesse orientar suas ações de maneira ética e equilibrada.

Ao se deparar com a oportunidade de ser mentor no 10º Jogos Vorazes, Snow inicialmente encara isso como uma chance de vencer e garantir um prêmio para sua família em dificuldades financeiras. No entanto, a reviravolta nas regras, imposta pela elite governante da época, coloca-o em uma situação de desespero. A responsabilidade de sustentar sua família em meio à pobreza torna-se uma prioridade acima de qualquer consideração ética.

A mudança nas regras não apenas abala Snow emocionalmente, mas também instiga nele uma resiliência que é um desejo de sobrevivência a qualquer custo. Essa experiência traumática, aliada à traição amorosa, semeia as sementes da desconfiança e da amargura em seu coração, controlando totalmente a sua razão.

O amor não correspondido e a perda da confiança da pessoa por quem ele nutria sentimentos intensificam seu sentimento de inadequação e alimentam seu desejo de poder e controle. Sem um alicerce sólido de amor-próprio, Snow compensará suas feridas emocionais através da construção de um império do mal, onde ele exerce controle totalitário sobre Panem.

A ausência de um verdadeiro amor-próprio, combinada com experiências dolorosas, molda a personalidade autoritária e cruel do Presidente Snow, evidenciando como a falta desse elemento crucial pode levar a escolhas autodestrutivas e à perpetuação do mal.

O que é o amor-próprio?

Para Ayn Rand, o amor-próprio1 está associado ao conceito de egoísmo racional. Ela argumenta que o indivíduo deve buscar seus próprios interesses racionais e valores, priorizando suas necessidades e felicidade. Isso não implica agir de maneira imprudente ou prejudicar os outros, mas sim buscar o auto aperfeiçoamento e o sucesso pessoal de maneira ética. 

Ela destaca que o amor-próprio não deve ser confundido com egoísmo destrutivo ou ganância desenfreada. Em sua visão, o egoísmo racional implica respeitar os direitos dos outros e interagir de maneira justa e voluntária, argumentando que a busca pelo próprio interesse racional contribui para o bem-estar individual.

Para Ayn Rand, o amor-próprio é fundamental para o reconhecimento do amor romântico. Ela acredita que somente a partir do amor-próprio e da identificação de nossos próprios valores em outra pessoa será possível reconhecer o amor romântico. Os valores e as virtudes individuais atuam como moeda de troca no amor, realizado por meio do uso da mente, da percepção racional e objetiva da realidade, das escolhas de valores e virtudes e do egoísmo.

Ayn Rand aponta a realização da nossa própria felicidade como o maior propósito moral a ser alcançado. Ela acreditava que o valor supremo do homem a ser considerado é a própria vida, sendo os demais valores diretamente ligados à vida. O amor-próprio é a base para a realização do amor romântico e a busca pela própria felicidade.

Ou seja, mesmo que Snow considerasse o seu amor por Lucy, ele nunca a amaria verdadeiramente, porque não havia aprendido nem a amar a si próprio. Não, presidente Snow, não “são as coisas que mais amamos que nos destroem”2, mas sim é a falta do amor pela nossa própria vida que nos destrói. 


Tailize Scheffer

  1. Conceito elaborado com base na obra “A Virtude do Egoísmo” de Ayn Rand. ↩︎
  2. Frase famosa do personagem em todos os filmes. ↩︎

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