Como podemos entender o presente através da filosofia antiga

Afinal de contas, vivemos em tempos conturbados com problemas novos que não sabemos lidar ou estamos vivendo mais um dos ciclos da história, onde novamente estamos vivendo os mesmos problemas de sempre? 

Essa é uma questão válida e uma pergunta ampla, profundamente estudada e comentada por vários autores e pensadores, afinal de contas, muito do que se pensa hoje, possivelmente já foi pensado séculos atrás. Algumas das melhores ideias já foram pensadas, centenas de anos atrás.

Como afirma Hans-Hoppe, no seu prefácio à obra A ética da liberdade, de Murray N. Rothbard, nos tempos em que estamos vivendo, não devemos esperar descobrir novas ideias, muito pelo contrário, precisamos urgentemente relembrar aquilo que já foi pensado pelos grandes mestres do passado e dar continuidade ao seu legado.

A política para os gregos

Como sempre, tudo começa por eles, os gregos. Afinal de contas “a definição mais precisa da Filosofia Ocidental é a de que ela não passa de uma sucessão de notas de rodapé da obra de Platão.” – Alfred North Whitehead

A filosofia grega apresenta um panorama amplo sobre a política, o que difere das nossas discussões apressadas da política partidária dos dias de hoje, alguns filósofos mais recentes utilizaram da mesma estrutura de pensamento grego para a compreensão da política, desses se destaca Eric Voegelin.

O pensamento platônico está associado a uma estrutura social coesa dividida em três eixos, O rei filósofo mais os sábios, os soldados e os artesãos. A nomenclatura pode variar de acordo com a tradução, mas estrutura de governo segue o seguinte raciocínio:

O rei filósofo é o indivíduo preparado para assumir a liderança, o homem mais virtuoso da república, aquele que é reconhecidamente o melhor dos homens. Os sábios são aqueles responsáveis por aconselhar o rei, mas também vigiá-lo, eles serão os aristocratas, homens virtuosos que visam o bem comum da república. Os soldados são aqueles responsáveis pela proteção da república, porém os soldados são homens que buscam a virtude através do companheirismo e da virtude física, sempre buscando o transcendente, não são combatentes brutos, são homens virtuosos. Por fim, os artesãos são aqueles que produzem, afinal de contas Platão, diferentemente de muitos intelectuais, reconhece a necessidade de uma força de trabalho, para a produção de bens, assim como os outros eixos, os artesãos buscam o transcendente e a virtude, são homens que realizam os seus trabalhos em busca da excelência.

Platão pensou um modelo de governo hierárquico baseado na ordem e na busca pela virtude, o que considerou ser essencial em sua análise de governo. Em A República, diferentemente do pensamento moderno à filosofia, Platão não está pensando como um engenheiro social, pelo contrário, quando Platão descreve o seu modelo político, ele está fazendo uma alegoria do que seria um homem virtuoso e o homem virtuoso seria aquele que daria numa cidade virtuosa, uma República. A sociedade de Platão não é dividida em castas, como alguns interpretam atualmente, ela divida em funções, funcionando como o corpo humano, frequentemente tende-se a ver o Rei Filósofo como um tirado, mas é justamente o contrário, ele seria justamente o distante de um tirano, por ser o mais virtuoso de todos os homens.

Uma alegoria semelhante foi utilizada por Jordan Peterson em seu livro 12 Regras para a vida, utilizando lagostas. Em resumo, Platão enxergava na virtude, a maior finalidade do homem e a composição de homens virtuosos resulta em um governo virtuoso, uma República. Platão não era um engenheiro social que afirmou “assim deve ser a sociedade”, ele apenas disse que “homens virtuosos irão gerar um governo virtuoso” e destrinchou as qualidades desse governo.

Podemos absorver de Platão, a compreensão de que a política deve ser pensada primeiramente em termos individuais, a busca pela virtude deve guiar a política, não a política que deve guiar os homens para a busca da virtude. Atualmente, depositamos muita fé na política, esperando que os problemas sejam resolvidos por ela, porém por que não pensamos em nos tornarmos virtuosos primeiro? Para que assim a política seja um reflexo dessa atitude.

“Deixe sua casa perfeitamente em ordem antes de criticar o mundo”

Jordan B. Peterson

Eudaimonia, a solução para os conflitos dos extremos

Certo, mas então o que seria um homem virtuoso? Ou melhor, aquele que busca a virtude, afinal de contas, essas palavras por si só não nos dão um caminho muito definido do que seguir, como afirma Chesterton: “as virtudes enlouqueceram porque foram isoladas uma da outra e estão circulando sozinhas.”

Aristóteles se debruçou sobre essa questão, afinal de contas a virtude é essencial na vida dos seres humanos, mas nós precisamos saber como ir até ela ou até mesmo o que é ela.

Em “Ética a Nicômaco”, obra escrita para o seu filho, Aristóteles nos apresenta o que seria o caminho virtuoso, a Eudaimonia, que é conhecido como “o caminho do meio”. O que entende-se por isso é a compreensão de que o homem virtuoso não segue extremismos, buscando a justa medida em tudo aquilo, sendo equilibrado e controlado. 

Para Aristóteles, muitos dos nossos problemas surgem do fato de que nós cedemos as paixões e aos vícios com muita facilidade e isso é especialmente verdade na nossa geração, que é bombardeada diariamente com doses cavalares de dopamina, gerando uma geração de indivíduos imprestáveis.

A nossa geração é muito desesperada, tudo machuca, tudo ofende, é sempre o fim do mundo, nós não sabemos lidar com as dificuldades da vida, esquecemos como domar os nossos impulsos primitivos e cedemos a razão em troca dos sentimentos impulsivos. Platão concebe que o indivíduo deve ter sentimentos fortes, mas sempre sendo conduzido pela razão, nunca pelas paixões. C.S Lewis expõe isso de maneira clara em “A abolição do homem”.

Logo, Aristóteles nos apresenta a Eudaimonia como “o caminho do meio”. Nem tão ordeiro, nem tão caótico, é o indivíduo que doma as suas emoções, sem precisar suprimir elas, é o homem equilibrado, a pessoa que sabe lidar com o sofrimento e com a dor sem reclamar, sempre busca melhorar, mas nunca tentando sufocar a sua dor.

Para uma geração tão aparada no medo e no horror às dificuldades, cercada de facilidades e conforto quase ilimitado, desenvolver a Eudaimonia é essencial para tornar-se mais equilibrado em busca de sairmos do império das paixões impulsivas à revelia da razão equilibrada.

A doxa e a episteme, um conflito milenar

Indo direto ao ponto, sempre existiram pessoas estúpidas e sempre existirão, esse problema existe desde a antiguidade e os gregos também passaram por esse conflito, afinal como nós podemos separar os energúmenos daqueles dotados do mínimo de bom senso?

Para os gregos, existia uma separação entre duas formas de saber: doxa (opinião) e episteme (conhecimento). Os filósofos sempre bateram no ponto da verdade, afinal seria possível conhecer a verdade? Ou isso é uma impossibilidade para nós, meros mortais.

Novamente Platão, alertou que o filósofo, sendo influenciado pelo seu mestre Sócrates, é alguém que busca a verdade, em grego chamado de aletheia. Esse é o ponto mais crucial para o filósofo, porém a dúvida ainda se mantém, afinal é possível conhecer a verdade?

O oráculo de delfos desenhou a resposta para isso através de uma frase: “conhece-te a ti mesmo”. Frequentemente interpretada como uma afirmação impositiva de auto conhecimento, o ditame do oráculo de delfos não tem relação com “se conhecer”, pelo contrário, é um impositivo para nós nos lembrarmos da nossa insignificância. Não é “saiba quem você é”, é “Lembre-se de quem você é (nada)”.

Essa afirmação vem a calhar para lembrar que não interessa se você é um rei ou um camponês, para os deuses você não é nada. Sócrates foi impactado por essa mensagem e por isso o oráculo o reconheceu como o homem mais sábio da Grécia, afinal ele havia compreendido que não ele não sabia nada, a partir desse ponto, ele poderia se direcionar à busca pela verdade, diferentemente daqueles que acreditavam saber a verdade, Sócrates demonstrou que é apenas partindo do princípio de que você não possui conhecimento, que você está apto a chegar à verdade.

Com isso, Platão demonstrou que aqueles que buscam a verdade, estão em um processo de aletheia-doxa, que seriam aqueles indivíduos que possuem uma “opinião verdadeira”, que nada mais é que aquele que está em busca do conhecimento. Mais importante do que saber a verdade de fato, é estar em busca dela.

Talvez esse seja um dos melhores conselhos que podemos receber dos mestres do passado, nós vivemos uma era de relativismos, onde nada mais importa é a única verdade é de que não existe mais verdade. Isso é um grande problema, afinal de contas, se nada importa e é tudo relativo, para que eu vou me importar com qualquer coisa, inclusive comigo mesmo?

A disposição ao conhecimento e a busca pela verdade são os motores da nossa alma, o reconhecimento das nossas limitações nos obriga a melhorar e a buscar o melhor que nós podemos fazer, se nos contentar com o imperativo materialista da busca do prazer a todo custo, precisamos conhecer a nós mesmos e lembrar que nós não somos tão importantes quanto acreditamos, por isso precisamos sempre melhorar e compreender que os fatos não vão se jogar na nossa mente, se nós não buscarmos ele, rejeitemos o relativismo e busquemos a verdade.

A democracia dos mortos

A sabedoria dos antigos não é mera relíquia de museu, muito pelo contrário, é ela que pode ser a solução para os problemas modernos. Precisamos reconhecer que nós recebemos muitas coisas gratuitamente, que foram construídas pelos nossos antepassados, negar isso é negar a nossa história, que nada mais é do que destruir as bases da nossa civilização.

Nós vivemos em uma das primeiras gerações que não consegue ver o preço que se paga para a sociedade existir, achamos que tudo magicamente funciona, mas esse não é o caso, existe um preço que se paga para a civilização funcionar e se manter, nós vivemos no triunfo dos que vieram antes de nós, podemos destruir o seu legado o mantê-lo, adicionando a nossa parte ao todo, para as próximas gerações, essa escolha cabe a nós.


Gabriel Barros

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