Ayn Rand desenvolve toda a filosofia do Objetivismo em seus livros de ficção, e na polêmica obra A nascente, isso não é diferente. Dentro da referida história, Rand nos ensina através de seus personagens o verdadeiro significado do altruísmo e do egoísmo.
De maneira incontroversa, pode-se afirmar que o conceito “egoísmo” foi feito para chocar. No primeiro contato com os referidos termos, existe uma tendência a se fazer críticas ácidas, pois a nossa sociedade vive cercada por uma cultura altruísta, e se aprende desde cedo que agir de forma egoísta é algo ruim.
Em seu livro A virtude do egoísmo, a autora define o conceito “egoísmo” a partir de um dicionário: egoísmo é a preocupação com os nossos próprios interesses. Podemos observar que, segundo essa definição, não existe avaliação moral ou qualquer forma de juízo de valor. Agir de forma egoísta, tendo em vista os próprios interesses, pode ser algo bom ou ruim, mas não nos informa o que constitui os reais interesses do indivíduo.
Em uma sociedade em que prevalece a cultura do altruísmo, uma pessoa declarar-se abertamente egoísta pode soar mal. Porém, se as pessoas entendessem o verdadeiro significado do conceito defendido por Rand, as reações seriam mais receptivas.
Ser egoísta não é o que o senso comum prega: desrespeito com o outro, indiferença perante a sociedade ou a prática de atitudes irresponsáveis. O egoísmo virtuoso pregado pela Rand representa a busca incessante do indivíduo pela razão, pautando seus atos por suas próprias convicções e interesses, que sempre devem ser estabelecidos de forma racional.
O egoísta não é o indivíduo que sacrifica os outros, pois esse indivíduo está acima da necessidade de usar os outros de qualquer forma. O egoísta não existe para benefício de nenhum outro homem e não pede a nenhum outro homem que exista para seu benefício. Essa é a única forma possível de respeito mútuo.
Do lado oposto do espectro, está o altruísmo, que é o apelo ao autossacrifício, a negação ao homem do direito de existir. Como Nathaniel Branden explica, o egoísmo sustenta que o homem é um fim em si mesmo; já o altruísmo, que ele é um meio para os fins de outros. O egoísmo sustenta que, moralmente, o beneficiário de uma ação deveria ser a pessoa que age; já o altruísmo, que o beneficiário de uma ação deveria ser outrem.
Rand tinha um grande apreço pelos ensinamentos de Aristóteles, que era guiado pela busca da razão. Ambos defendiam o homem como herói; Aristóteles o chamava de “o homem de alma grande”, já Ayn Rand, de Howard Roark.
Howard Roark foi o único personagem que foi feliz no livro inteiro. Apesar de todos os percalços pelos quais ele passa, mesmo com todos os desafios e adversidades, foi a única figura que se manteve incólume, agindo conforme a sua própria moral, o perfeito exemplo de um indivíduo objetivista que busca seus próprios interesses, na mais pura forma egoística.
O personagem representa um indivíduo forte, que está disposto a aceitar as responsabilidades de possuir um pensamento próprio. Ele vive de acordo com as suas próprias convicções, independentemente da opinião das massas. Roark é um individualista, confia em seus pensamentos para formar suas próprias conclusões e não está vinculado à aprovação social. Roark é um homem livre.
Em seu discurso presente no livro A nascente, Roark aponta o que significa ser um sujeito moralmente egoísta. O personagem descreve que o egoísta é o indivíduo que não se submete a ninguém. Seja qual for a lenda, a glória da humanidade começou com um único homem, e ele pagou pela sua coragem.
Alguns exemplos são: o indivíduo que fez o fogo pela primeira vez, o homem que inventou a roda, Prometeu que trouxe o fogo dos deuses para os homens, entre outros.
Uma parte marcante do discurso de Roark é o momento em que discorre: “Ao longo dos séculos, existiram homens que deram os primeiros passos em novos caminhos, armados apenas com sua própria visão. Seus objetivos variavam, mas todos eles tinham algo em comum: o seu passo era o primeiro, o seu caminho era novo, a sua visão era original e a reação que receberam… o ódio.”
Em contrapartida, há a figura de Peter Keating, um personagem que busca agradar a todos, nunca a si mesmo; capaz de sacrificar as coisas que quer a fim de atender seu desejo de impressionar os outros e ganhar elogios.
Tal qual um camaleão, o personagem assume as crenças dos outros e entrega aos professores exatamente o que eles pedem, se formando com honrarias na universidade. Apesar de aparentar possuir grande potencial para se tornar um excelente profissional, ele busca apenas fazer bons contatos e opera como reflexo da definição de sucesso imposta pelos outros. É a figura que representa o comodismo, que não busca inovar, mas apenas imita obras clássicas do passado, sem buscar o seu diferencial. Sem escrúpulos, chega a aconselhar o “herói” da história a sempre ser o que as pessoas querem que ele seja. Peter Keating representa tudo o que Ayn Rand mais despreza em um indivíduo: é um altruísta.
Peter Keating representa e incorpora a visão convencional do que consideramos o egoísmo, no sentido popular do termo. Ocorre que ele não é fundamentalmente egoísta no verdadeiro sentido espiritual representado por Howard Roark. Keating não vive de forma independente em prol de sua felicidade, mas sim, depende de outras pessoas, colocando os seus objetivos e motivos nas mãos dos outros. Esse personagem é colocado como egoísta no sentido de que fará qualquer coisa para obter o que quer. Porém, ele não tem um desejo pessoal e independente, é uma pessoa que não tem “ego” e vive para os outros. Segundo as anotações da autora de A nascente: “Seu espírito é um espaço vazio que deve ser preenchido por outros homens. Assim, na raiz de seu espírito, outros têm prioridade sobre o seu próprio eu, outros estabelecem todos os seus valores, outros se tornam o motor de sua motivação para viver. Para Keating, toda a realidade é de segunda-mão, através dos outros, pelos outros e para os outros. A fama acima de tudo é o seu grande desejo. A sua vida é uma preocupação constante com o que os outros irão pensar, dizer, reagir com respeito a ele.”
Apesar do “sucesso” que ele conquistou na sua carreira, ele sabe que não mereceu e não conquistou as suas ditas realizações pessoais. Além disso, ele é uma pessoa sem personalidade, sem um senso de “eu”.
Através de seu livro, Ayn Rand nos traz a lição de que um homem deve viver de acordo com o seu próprio julgamento e valores. Ele precisa entender que este é o único meio para alcançar a felicidade. Negar esses fundamentos é trair a si mesmo, perdendo a essência daquilo que o torna uma pessoa única. Do princípio ao fim, Peter Keating trai a sim mesmo, e, como consequência, termina sem nenhuma realização própria.
É interessante analisar como a vida de Ayn Rand tem certas similaridades com a vida de Howard Roark. Tanto a autora como o seu personagem possuem absoluto compromisso com sua integridade artística. Ambos são pessoas que sentem grande orgulho do próprio trabalho e entendem que se alguém é capaz de aperfeiçoar suas realizações, são elas mesmas.
Ayn Rand rejeitou qualquer tipo de colaboração em sua escrita, jamais aceitou fazer um trabalho em conjunto e entendia a relevância da realização de seu ofício realizado de forma própria. Com tal natureza, projetou em seu personagem determinados aspectos de sua própria psicologia.
No decorrer do livro, podemos observar como Roark se mantém firme em suas convicções. É expulso do Instituto de Tecnologia de Stanton por se recusar a projetar como os seus professores gostariam que ele o fizesse e escolhe trabalhar para Henry Cameron, que não é considerado um profissional bom na atualidade, apesar de seu passado promissor. E, quando está completamente sem esperanças, sem trabalho e sem condições financeiras de manter seu escritório de arquitetura, aparece a sua última chance: o projeto Manhattan Bank.
Após aguardar o retorno do membro da diretoria para saber se ganhou a comissão, ele recebe a feliz notícia de que querem que ele construa a sede. Porém, existe a condição de que ele faça uma fachada clássica no prédio, para aliviar o seu próprio toque moderno.
Roark se recusa a fazer – ao mesmo tom de Ayn Rand – mantendo a sua integridade artística acima de tudo. Roark entende ser preferível trabalhar temporariamente em uma mina de granito do que fazer mudanças em seu projeto.
Ao negar fazer o projeto, Roark age da forma mais moralmente egoísta no sentido que Ayn Rand desenvolveu ao longo do livro e de toda a sua filosofia, o objetivismo. O objetivo de vida do personagem é viver de maneira independente,
em nome de sua felicidade pessoal, buscando seus mais profundos valores, simplesmente porque isso lhe traz alegria. Sua profissão, que escolheu desde sua infância, lhe motiva. Passou toda a sua vida em contato com a sua área de escolha, trabalhando em obras para financiar seus estudos. Tudo o que sempre quis na vida foi ser um arquiteto para poder construir prédios. Ele se diverte com o desafio intelectual de resolver os dilemas de um projeto arquitetônico, trabalhando para fazer o melhor projeto possível. Ocorre que o melhor é uma questão de padrões, e Roark estabelece seus próprios padrões, onde pode verificar sua integridade.
Quando se observa a recusa de Roark de fazer a sede Manhattan Bank, parece que ele está fazendo um sacrifício em nome de sua integridade artística, perdendo a chance do sucesso em nome de seus princípios morais. Porém, é exatamente a recusa que faz Roark ser quem é: um arquiteto que tem o seu diferencial, sua originalidade artística e seu padrão de sucesso.
Caso o arquiteto fizesse cada obra que lhe pedissem, sem os seus princípios e valores, o tipo de pessoa que ele gostaria de atrair como cliente não iria o querer: pessoas que admiram as suas construções e constatam o seu valor e sua originalidade artística e que, dessa forma, são atraídos por ela. Esse tipo de pessoa que Roark busca atender e, para conseguir esse feito, jamais poderá ceder às opiniões e entendimentos alheios sobre seus próprios trabalhos.
Portanto, rejeitar trabalhar em uma obra que não vai de encontro com os seus ideais nunca será um sacrifício ao seu sucesso, uma vez que sua lealdade com os seus princípios é exatamente o meio para o seu sucesso na prática.
Ao longo da história, diversas pessoas compreendem o valor do trabalho de Roark e o contratam. Isso só ocorre porque o personagem se mantém íntegro ao longo do romance.
Ayn Rand nos oferece essa obra para que façamos uma reflexão em relação à importância da autoestima do indivíduo para o nascimento de seu próprio progresso. É uma leitura para aqueles que não têm medo de ler a verdade. A leitura pode incomodar as almas altruístas, considerando que é demonstrado de forma clara que o individualismo e o egoísmo são virtudes inerentes à condição humana de um vencedor.
*As opiniões do autor não representam a posição do Damas enquanto instituição.