De onde o governo ganha dinheiro ao inflacionar a moeda? Uma maneira simplista de pensar é simplesmente criar mais moeda e o dinheiro novo está nas mãos do governo.
Isso já foi verdade em alguns momentos da história, inclusive em nosso passado recente, onde havia hiperinflação, que foi do final da década de 70 até o plano real [IPEA]. Hoje, o fluxo de poder de compra via inflação não é tão direto, que irei explicar mais adiante, primeiro darei uma contextualização.
INFLAÇÃO NO IMPÉRIO ROMANO
A moeda era o denário, cunhada em prata. Como, de certa maneira, a moeda era lastreada no próprio material necessário para cunhá-la, a única forma de inflacionar o denário era diminuindo a quantidade de prata na moeda. Isso foi feito de 200 DC até 300 DC, onde a inflação acumulada no período foi de aproximadamente 15.000%, por maior que isso pareça, na realidade se trata de uma inflação média de 5,14% anual, Isso é a evidência de que algo antes revoltante, hoje tratamos como corriqueiro.
Com a inflação, o imperador Diocleciano teve a ideia de criar, em 301 DC, o Edictum De Pretiis Rerum Venalium, ou seja, Édito Sobre os Preços dos Alimentos, basicamente um tabelamento de preços. A consequência foi a escassez de alimentos, seguida de um mercado negro de comida. Basicamente, com o preço de comida tabelado, não fazia mais sentido vender naquele preço, pois o transporte e os custos de produção continuavam subindo a ponto de tornar impossível vender no preço tabelado, logo, a escassez de alimentos, consequentemente, um mercado negro com preços mais altos, afinal era proibido vender no preço justo.
FISCAIS DO SARNEY
Em 1986, aqui no Brasil, o José Sarney no seu segundo ano de mandato presidencial, decidiu trocar a moeda contaminada pela inflação, o cruzeiro, pelo cruzado. O cruzeiro experimentava em um ano uma inflação de 350%, o então presidente congelou preços dos bens, câmbio e salários. Os fiscais do Sarney eram os cidadãos que denunciavam estabelecimentos que remarcavam preços. Claro que o congelamento de preços parecia dar certo, gerou popularidade e logo se mostrou impraticável.
O QUE É DAR CERTO?
Mesmo com os planos Cruzado e Cruzado II dando errado, Sarney tentou novamente congelar os preços com o plano Bresser e o plano Verão. Obviamente os congelamentos de preços não davam certo para a população, a inflação seguiu forte, mas o político não vive de resultados e sim de narrativas. Contando a história de que era culpa era dos estabelecimentos que não seguiam o tabelamento, ou seja, implicitamente, da ambição desenfreada de empresários que subiam os preços para garantir maiores lucros. Os planos, que funcionaram no curto prazo, eram o suficiente para capitalizar o poder político e garantir três mandatos consecutivos como senador, de 1991 a 2015. Ou seja, os planos fracassados de “combate à inflação”, que deram errado, deram muito certo pessoalmente para Sarney. Esse é o grande problema, quando os planos dão errados, não há uma responsabilização direta, na realidade, a população não conseguiu dar a resposta política adequada, na realidade, aparentemente, se mostrou satisfeita. Enquanto isso, para que se garantisse uma receita inflacionária real, o governo precisava surpreender na inflação, por exemplo, se todos já esperassem uma inflação de 20%, então os preços, bens serviços e salários, já eram todos remarcados 20% acima do valor anterior, de modo que para o governo conseguir uma receita real vinda de receita inflacionária, era necessário surpreender na inflação, expandindo em mais de 20% a inflação, por exemplo em 40%, isso é o que torna a inflação explosiva. Explicada por Robert Lucas em suas contribuições para a economia, que fundamenta a escola novo clássica.
POR QUE O PLANO REAL DEU CERTO?
O Plano Real se baseia em limitar os gastos do governo, além disso, o câmbio passou a ser flutuante. Agora, se o governo precisar de mais dinheiro que o arrecadado, vai necessariamente pegar emprestado com preços a mercado. Ainda há receitas inflacionárias, porém não tão diretas. O banco central tornou-se um pouco mais independente desde o governo Temer, onde após o presidente do banco central ser indicado, ele fica como presidente no terceiro e quarto ano de quem indicou e continua sendo presidente do banco central no primeiro e segundo ano do governo seguinte.
Isso significa que se o banqueiro central fizer algo que favoreça a reeleição do presidente que fez sua indicação, ele terá que lidar com as consequências nos anos seguintes.
O Brasileiro parece ter aprendido que tabelamento de preços não dá certo, mas ainda precisa entender melhor que o limite de gastos está intimamente ligado ao crescimento econômico, oportunidades de empregos e correlatos. Que a estabilidade da moeda só existe pelo limite de gastos.
RECEITAS INFLACIONÁRIAS
Afinal, de onde vem a vantagem de inflacionar a moeda? Já que hoje, não se trata de, pura e simplesmente, imprimir dinheiro. O primeiro ponto é que essa é a única forma de reduzir determinados custos, como aposentadorias e salários do funcionalismo público. Esses valores teoricamente são irredutíveis, na realidade são nominalmente irredutíveis, porém, ao ter o valor reajustado, o valor pode ser abaixo da inflação. No caso da aposentadoria, algumas são reajustadas automaticamente a cada ano, ainda assim, o valor pago durante o ano antes do reajuste, está abaixo. Outra forma de receita é cobrar imposto de renda no ganho de capital, que é a valorização de um bem. Por exemplo, se em outubro de 2014 você tinha uma casa, que valia R$ 200.000,00 e hoje, outubro 2024, você venderia por R$ 352.623,92, seria cobrado imposto de renda de 15% nessa valorização. Onde na realidade, ela teve apenas seu valor corrigido pela inflação. O terror é ainda maior se a casa tivesse valorizado apenas até R$ 300.000,00, onde teria perdido poder de compra, mas ainda pagaria os 15% ou seja, neste exemplo R$ 15.000,00 em cima do prejuízo, apenas por que houve uma significativa inflação no período. Outra forma é a tabela de imposto de renda, que não é ajustada ao longo do tempo e, na prática, pessoas que ganham cada vez menos, estão isentas de IR. Hoje a isenção é para uma renda de R$ 2.259,20. Ainda que se faça reajustes na tabela, ele será, fatalmente, abaixo da inflação no período. Portanto, é evidente as diversas receitas ao inflacionar a moeda.
Se o governo não imprime dinheiro diretamente, como a moeda é inflacionada?
Basicamente, o governo se financia via dívida pública. Porém os agentes avaliam a capacidade de pagar essa dívida ao fazer a relação Dívida / PIB e também analisar os gastos com a arrecadação. Quando há um gasto maior que a receita, há uma expectativa de que a dívida talvez não seja paga, esse risco se traduz em mais juros. Com o risco há uma saída de capital do país, que desvaloriza o câmbio. Consequentemente, tudo que é importado fica mais caro.
Um exemplo prático disso foi quando o governo tava com previsão de déficit para o orçamento de 2025, tudo sendo discutido em 2024, o Haddad subiu as receitas via impostos, mas ainda não era o suficiente, o mercado, que é a média da opinião das pessoas se traduzindo em preços, insatisfeito, derrubou o IBOV, que é o principal índice da bolsa brasileira. O presidente Lula, quando questionado, respondeu que “não está aqui para agradar o mercado”, antecipando o déficit, o mercado passa a negociar o dólar acima dos R$ 5,70, consequentemente, a gasolina subiu 19%. Essa, está atrelada ao preço do petróleo que tem preço internacional. Por isso, foi rapidamente influenciada pela política fiscal.
ARGENTINA HOJE
O Milei, atual presidente, está basicamente cortando gastos. O presidente famoso por utilizar uma motosserra em sua campanha política para explicar o violento corte de gastos que faria no governo, tem executado o prometido, de modo que ao controlar os gastos públicos, está finalmente diminuindo a inflação, ao mesmo tempo que reduz os juros.
A taxa de câmbio, que antes era fixa, além de ter um valor de cambio para cada item, agora é flutuante. Facilitando as exportações e fortalecendo a moeda. Além disso, a partir de 2024 as pessoas podem finalmente volta a financiar casas, antes, era tão incerto que era impossível para o banco realizar financiamento imobiliário. O governo de Milei ainda está no começo, parece estar em uma excelente trajetória, seguimos acompanhando para entender o que está por vir, porém o essencial é entender que o corte de gastos está sendo capaz de conter uma inflação de mais de 100% ao ano.
CONSIDERAÇÕES
O Brasileiro médio parece ter aprendido algumas lições, por exemplo, parece saber que tabelamento de preços não funciona. Por outro lado, não consegue ainda correlacionar o excesso de gastos do governo com a inflação. Também compreendo que muitos não querem discutir política, por geralmente virar um desentendimento mais inflamado e que não resolve nada nem convence ninguém. Mas isso também se trata de um amadurecimento da população, que precisa digerir melhor essas ideias.
Talvez a maior das reflexões seja perceber que o liberalismo como visão política, só perde espaço quando suas ideias não são devidamente apresentadas. Me refiro aos jovens que apreciam diversas visões políticas, aderem a uma ou a outra, de acordo com sua visão de mundo e tentam encaixar uma visão política no que consideram certo. Ao verificar os dados, o que de fato as coisas são, momentos históricos, entender o que ocorreu no passado, o que ocorre atualmente em outros países, é o suficiente para mostrar o caminho que devemos seguir. Que é: limitar os gastos do governo.

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.