O Mundo Precisa de Mais Egoísmo

O mundo precisa de mais egoísmo

Ayn Rand, filósofa e romancista do século XX, foi a fundadora do Objetivismo, filosofia que ela descreveu como uma filosofia para viver na terra1. Trata-se de um sistema filosófico integral, fundamentado em fatos da realidade, no qual a razão é considerada o único instrumento capaz de orientar as ações humanas e compreender a existência.

Egoísmo racional

O termo “egoísmo” frequentemente foi associado a aspectos negativos, como exploração e um individualismo insensato, caracterizado por uma busca incessante por vantagens às custas dos outros. No entanto, Ayn Rand, em A virtude do egoísmo, busca romper com essa concepção vulgar e analisa o significado da palavra “egoísmo” conforme aparece no dicionário: “preocupação com os próprios interesses”. Assim, Rand evidencia que, longe de tratar-se de perversidade, o egoísmo é uma virtude e pode ser compreendido como uma postura racional de valorização do autointeresse.

A visão negativa do egoísmo está associada ao conceito de altruísmo, que foi idealizado por Auguste Comte (1798–1857). Comte criou o termo “altruísmo”, derivado de autre (ou alter), que significa “outro”. Para ele, a moralidade consiste em fazer o bem aos outros acima dos interesses pessoais, ou seja,  em ser altruísta. Toda essa construção idealiza a abnegação e o sacrifício pessoal como valores morais supremos.

Entretanto, Ayn Rand considera o altruísmo como uma postura imoral, pois atribui ao ser humano a imperfeição de viver como um animal de sacrifício, relegando sua própria vida a um plano secundário em relação aos outros. Ela argumenta que o altruísmo não constitui um código de valores, mas define o valor moral unicamente pelo beneficiário das ações — ou seja, qualquer ação que beneficie o outro, independentemente de quem seja, é considerada moral, enquanto que agir em benefício próprio seria imoral.

Segundo Rand, essa lógica é equivocada e contrária à verdadeira natureza do homem. Ela defende que o indivíduo tem o direito de viver para si mesmo, sendo sua própria prioridade e justificação. Para ela, a única base legítima para a existência humana é o seu próprio bem. Nesse contexto, a ética objetivista pode ser resumida por três princípios fundamentais: primeiro, que o valor mais importante é a vida; segundo, que a virtude primordial é a racionalidade; e, por fim, que o principal beneficiário de nossas ações deve ser o próprio indivíduo. Importa ressaltar que o egoísmo, conforme defendido por Rand, não é uma licença para agir de qualquer modo, impulsivamente ou irracionalmente. Ao contrário,  trata-se de uma virtude, pois ele exige agir de forma consciente e de acordo com os princípios da razão, distinguindo-se do comportamento irracional e destrutivo de um “brutamontes homicida que pisoteia pilhas de cadáveres para atingir seus objetivos, que não se preocupa com nenhum ser vivo e que busca, apenas, a satisfação imediata de caprichos insensatos”2.

Por que precisamos de mais egoísmo?

O mundo precisa de mais egoísmo racional, porque apenas através do reconhecimento do valor do próprio indivíduo e da busca consciente pelo próprio bem é que podemos promover uma sociedade mais justa, criativa e responsável. Quando cada indivíduo prioriza seus interesses de forma racional, ele está incentivado a desenvolver suas capacidades, assumir responsabilidades e buscar o seu máximo potencial. Isso cria um ambiente onde o progresso, a inovação e a realização pessoal se tornam possíveis, beneficiando não apenas o indivíduo, mas também a sociedade como um todo. É importante frisar que o indivíduo deve seguir seu autointeresse primariamente. Isso não o impede de ser benevolente com o outro também, desde que seja sua escolha pessoal. Em A nascente vemos essa primazia do eu: “‘Para dizer “eu te amo”, primeiro é preciso saber como dizer “eu”’3

Além disso, ao valorizar o egoísmo racional, eliminamos a falsa ideia de que o autocuidado é destrutivo, promovendo uma cultura de respeito à liberdade individual, à autonomia e à autoestima, essenciais para o florescimento humano. Em um mundo onde as pessoas adotam uma postura racional de autovalorização, há maior propensão a ações éticas, morais e produtivas, pois cada um se percebe como responsável por seu próprio destino e que seu autointeresse acaba contribuindo para o progresso de toda a sociedade, assim como Adam Smith bem afirmou: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles tem pelos próprios interesses. Apelamos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca falamos a eles das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que eles podem obter.”4 Embora Smith esteja se referindo ao livre mercado e a Rand esteja tratando de um código de valores na ética, o princípio de ambos é o mesmo.

Considerações finais:

A proposta de Ayn Rand de valorizar o egoísmo racional oferece uma perspectiva inovadora e fundamentada na natureza humana, na qual o respeito pelo autointeresse se revela como uma força motriz para o progresso humano. Contrária às ideias do senso comum que associam o egoísmo à exploração e ao comportamento irracional, essa visão reforça que a busca consciente pelo próprio bem, orientada pela razão, é essencial para promover uma vida ética, responsável e plena. Ao adotar essa postura, o mundo pode alcançar uma sociedade mais justa, inovadora e autêntica, na qual a liberdade individual é valor fundamental e o progresso se dá a partir do pleno potencial de cada indivíduo. Assim, o reconhecimento do egoísmo racional não é apenas uma questão filosófica, mas uma necessidade prática para a construção do progresso humano, como demonstra a própria história, em que grandes avanços tecnológicos nasceram do interesse genuíno de indivíduos pela inovação e pelo sucesso pessoal.”


Marta Caregnato

Notas de Rodapé

  1.  RAND, Ayn. Filosofia: quem precisa dela. Tradução  Matheus Pacini. São Paulo: LVM Editora,2024, p.17.
    ↩︎
  2. __________A virtude do egoísmo. Tradução de Matheus Pacini. São Paulo: LVM Editora, 2020, p.15.
    ↩︎
  3.  _________A nascente. Tradução de Márcio Stockler. São Paulo: Arqueiro,2019, p.493
    ↩︎
  4.  CONWAY, Edmund. 50 ideias de economia que você precisa conhecer. Tradução de Marcello Borges. São Paulo: Plaeta, 2015, p.13.
    ↩︎

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