Capitalismo e Liberdade, publicado em 1962, é um dos mais clássicos livros a defender uma perspectiva liberal aplicada aos problemas de política econômica. O autor defende uma abordagem liberal clássica para tais problemas nos Estados Unidos, advogando uma liberdade individual que permita o funcionamento mais livre e eficaz possível do mercado. Friedman argumenta que o governo pode funcionar contra o objetivo mais importante de uma sociedade – proteger a liberdade individual – quando utilizado de forma inadequada. Em particular, adverte contra a existência de um governo central em que um pequeno número de pessoas detém a maior parte do poder, e caracteriza estes pontos de vista como “liberais”, descendentes da tradição liberal clássica que defendia um governo limitado e descentralizado e o comércio livre.
O livro foi publicado quase duas décadas após a 2° Guerra Mundial, numa altura em que a Grande Depressão ainda estava na memória coletiva da sociedade. Sob as administrações Kennedy e Eisenhower, as despesas federais estavam a crescer num ritmo acelerado nas áreas da defesa nacional, segurança social e infraestrutura. Os grandes partidos apoiaram o aumento das despesas de diferentes formas, aumento que, bem como o New Deal como um todo, foi apoiado pela maioria dos intelectuais com a justificação oferecida pela economia keynesiana. É nesse contexto que Capitalismo e Liberdade introduz a ideia de como o capitalismo competitivo pode ajudar a alcançar a liberdade econômica.
Uma de suas ideias, discutindo a relação entre as liberdades política e econômica, é a de que o tipo de liberdade econômica que o capitalismo proporciona é necessário para que haja liberdade política. Salienta a importância da cooperação voluntária num sistema capitalista, observando que a ausência de coerção é literalmente essencial à liberdade política, para a qual também é vital, portanto, a liberdade econômica.
Argumenta que, com os meios de produção sob controle estatal, é quase impossível existir uma verdadeira dissidência e troca de ideias. Além disso, a liberdade econômica é importante também porque qualquer transação voluntária e informada deve beneficiar ambas as partes da mesma. Friedman afirma que a liberdade econômica protege as minorias da discriminação, uma vez que o mercado é indiferente às suas opiniões ou cor.
O governo de uma sociedade liberal deve fazer respeitar a lei, a ordem e os direitos de propriedade, bem como tomar medidas contra certos monopólios técnicos e diminuir os ‘’efeitos de vizinhança’’ negativos. O governo também deve controlar o dinheiro, como há muito é reconhecido na Constituição e na sociedade.
Friedman argumenta que a gravidade da Depressão de 29 se deveu em grande parte à má tomada de decisões por parte do Federal Reserve (banco central norte-americano). Defende, além disso, a instituição de taxas de câmbio flutuantes e a abertura dos mercados a qualquer país interessado em negociar com os Estados Unidos, criticando também a utilização da política orçamental como instrumento de estímulo econômico, pelo que se pode inferir seu conflito com a mentalidade keynesiana.
A evolução da moeda nos Estados Unidos, para o autor, culminou com a Lei do Federal Reserve de 1913, criadora da instituição que, longe de atuar como um estabilizador, deixou de agir como deveria, em várias circunstâncias. Friedman propõe que o banco tenha uma regra consistente para aumentar a oferta de moeda em 3-5% ao ano.
Uma das políticas aqui defendidas são os vales que os alunos podem utilizar para estudar numa escola de sua escolha, já que o autor crê que todos, numa democracia, precisam de uma educação básica para a cidadania. Embora exista um subinvestimento em capital humano (em termos de despesas com escolas técnicas e profissionais), seria insensato da parte do governo fornecer ensino técnico gratuito. O autor sugere várias soluções, algumas privadas, outras públicas, para acabar com este subinvestimento.
Numa sociedade capitalista, argumenta Friedman, discriminar custa dinheiro e é muito difícil, dada a natureza impessoal das transações de mercado. No entanto, o governo não deve criar leis seletivas para as práticas de emprego (que acabaram incorporadas na Lei dos Direitos Civis de 1964), uma vez que estas inibem a liberdade de empregar alguém com base nas qualificações que o empregador queira utilizar.
Além disso, do capítulo 8 ao 12, o economista aborda uma série de questões relacionadas ao estado de bem-estar social. Friedman discorda do conceito de responsabilidade social das empresas no capítulo 8, insistindo que sua única responsabilidade é ganhar o máximo de dinheiro possível para os acionistas, além de examinar vários tipos de monopólios que um governo pode tentar remediar. No 10, Friedman se opõe à redistribuição de renda, e, no 11, afirma que muitos programas de assistência social não cumprem os seus objetivos, em particular os destinados aos idosos. Enfim, no 12 propõe a substituição da segurança social, da habitação pública e de outros programas de segurança por um imposto negativo sobre o rendimento, imposto destinado a ajudar todos os contribuintes com baixos rendimentos. Seu funcionamento seria estabelecer um dado valor de renda além do qual os agentes econômicos devem contribuir com o imposto e sob o qual os agentes recebem dinheiro do governo.
Coloca, também, que existem três tipos de monopólio: monopólio público, monopólio privado e regulação pública, nenhuma destas alternativas sendo desejável ou preferível. Os monopólios têm muitas origens, mas a intervenção direta e indireta do governo é, segundo o autor, a mais comum e deve ser impedida sempre que possível.
Friedman adota uma postura radical contra todas as formas de licenciamento estadual. Os maiores defensores das licenças em um setor são, geralmente, as pessoas do próprio setor, que desejam manter afastados os potenciais concorrentes. Não haveria justificativa liberal para o licenciamento de médicos, por exemplo, o que resultaria num atendimento inferior e num cartel médico.
A conclusão do livro, o capítulo 13, se concentra no fato de que, repetidamente, a intervenção governamental tem um efeito oposto ao pretendido. A maioria das coisas boas nos Estados Unidos e no mundo viriam, não do governo, mas do mercado livre, e assim continuaria a ser. O governo, apesar de suas boas intenções, deve ficar fora das áreas em que não precisa estar.
A suma da discussão do livro é sobre o papel do capitalismo na preservação da liberdade econômica e na viabilização da liberdade política, ponderando o papel que o Estado deve desempenhar numa sociedade que valoriza a liberdade e defende que o livre mercado deva conduzir a maioria das atividades econômicas.
A obra defende que o apelo de John Kennedy ao povo estadunidense, “não pergunte o que o seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo seu país”, tenha sido um mau conselho. Os cidadãos de uma sociedade livre não devem esperar que o governo os sustente, nem procurar maneiras de sustentar o governo, mas encontrar maneiras de usar o governo para criar oportunidades para si mesmos. Alcançar a liberdade para o povo deve ser o objetivo final de qualquer sociedade, mas, para fazê-lo, a organização econômica precisa ser centrada num mercado formado por compradores e vendedores que ajam de acordo com seus próprios desejos. Em uma tal economia, as pessoas têm liberdade porque nenhuma pessoa ou entidade pode coagir outra a agir de uma determinada maneira. Esse arranjo é a essência do liberalismo, no sentido original da palavra, segundo crê Friedman.
*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.