Uma Teoria da Justiça: uma análise da obra de John Rawls e seu pensamento sobre a justiça

O filósofo norte-americano John Rawls (1921-2002) é amplamente reconhecido como um dos mais renomados pensadores políticos da contemporaneidade. Seus ideais buscam articular dois valores essenciais que frequentemente parecem inconciliáveis ou até opostos: liberdade e igualdade.

Desde o século XIX, com o advento da democracia moderna, esses valores têm polarizado a disputa pelo poder e dividido a política em dois grandes espectros ideológicos. De um lado, o liberalismo enfatiza a liberdade individual como valor primordial em uma sociedade. Do outro, o socialismo defende que a justiça fundamental reside na garantia da igualdade social.

No entanto, Rawls desenvolveu uma teoria política própria, conhecida como “liberalismo igualitário”, que busca conciliar liberdade e igualdade. Essa perspectiva se apresenta como uma abordagem superior para enfrentar o imaginário das discusões públicas. Seu legado e seus principais pensamentos sobre o liberalismo igualitário estão registrados em sua obra-prima, o livro “Uma Teoria da Justiça” (1971).

Nessa obra, Rawls retoma as concepções contratualistas clássicas de Thomas Hobbes e John Locke. Ele via o contrato social como o meio mais preciso para abordar as complexidades da filosofia política, o que o tornou conhecido como um filósofo neocontratualista.

O neocontratualismo de Rawls reformula as ideias do contrato social, mantendo inicialmente seu caráter individualista, mas também considerando questões como justiça, igualdade e liberdade. Sua abordagem é hipotética e generalista, não buscando provar um Estado Social após um Estado de Natureza, mas sim usando instrumentos teóricos para formular um ponto ideal para instituições e indivíduos (COELHO, 2007).

Portanto, o neocontratualismo não deve ser visto como uma mera extensão da teoria contratual, mas sim como uma reinterpretação adaptada à contemporaneidade e às necessidades da sociedade (COELHO, 2007, p. 441).

A obra “Uma Teoria de Justiça” (2000) ocupa posição central nessa nova linha de pensamento, definindo a justiça como a principal virtude das instituições sociais (RAWLS, 2000, p. 1). Rawls propõe um ponto hipotético-ideal de justiça em uma “sociedade bem-ordenada”, na qual instituições e cidadãos seguem princípios de justiça acordados na chamada Posição Original.

Nessa posição, os indivíduos estariam isentos de fatores moralmente arbitrários e sob a influência do Véu da Ignorância, que impede o conhecimento de aspectos pessoais como cor, raça, gênero e classe social, permitindo o exercício pleno da racionalidade. E sob influência do Véu, as partes possuem o dever de decidir em qual sociedade gostariam de viver, ou seja, um pacto inicial (RAWLS, 2000).   

Por um processo chamado Quatro Estágios, o autor avança da Posição Original até a integração efetiva na sociedade. O primeiro estágio é a seleção dos princípios de justiça, o segundo é a convenção constitucional, o terceiro é a escolha das leis infraconstitucionais e o quarto, a implementação por juízes e administradores (Rawls, 2000, p. 211-218).

Dessa forma, é necessário destacar os dois princípios adotados no primeiro estágio. O primeiro é conhecido como Liberdades Básicas Iguais, que deve ter primazia sobre o restante da teoria, dado que a liberdade é fundamental para a obtenção de qualquer outro direito (RAWLS, 2000, p. 64-65). Este princípio estabelece que cada indivíduo deve ter um conjunto mínimo de liberdades asseguradas para serem exercidas plenamente. 

O segundo princípio se divide em duas partes: a primeira é designada Igualdade Equitativa de Oportunidades, garantindo que cada pessoa, com talentos naturais equivalentes, tenha acesso a oportunidades iguais; a segunda é o Princípio da Diferença, que defende que os menos afortunados se beneficiem dos avanços dos mais afortunados (RAWLS, 2003, p. 59-61).

Portanto, o segundo estágio diz respeito à definição das normas constitucionais que governarão a sociedade bem-ordenada de Rawls e se divide em duas etapas: o processo de uma convenção constituinte equitativa e a incorporação do primeiro princípio nas normas.

O terceiro princípio ressalta a ideia de Aristóteles de que “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”. Nessa perspectiva, Rawls propõe que todos os indivíduos devem ter acesso às mesmas oportunidades, apesar de suas diferentes condições de vida. Para ele, é necessário que os princípios da justiça sejam estáveis, e essa estabilidade depende da capacidade das pessoas de segui-los em condições reais.

A justiça deve preservar e garantir a consonância com os julgamentos morais das pessoas por duas razões. Primeiramente, se os princípios forem contrários aos julgamentos morais, as pessoas não estarão inclinadas a obedecê-los. E se não os obedecerem voluntariamente, os princípios falharão em orientar o comportamento delas. Portanto, os princípios da justiça devem ser auto-reforçadores.

Como conclusão, o autor de “Uma Teoria da Justiça” sustenta que indivíduos criados em uma sociedade estruturada sob o princípio da justiça como equidade desenvolverão um senso do bem alinhado às demandas da justiça.

A filosofia de John Rawls é cativante, pois ele busca combinar diferentes ideologias a fim de alcançar um consenso que permita oferecer oportunidades a todos, independentemente de suas condições de vida. Em resumo, para garantir oportunidades iguais a todos os indivíduos, é necessário criar políticas para aqueles que não obtiveram sucesso nas primeiras posições do processo de competição social, devido às suas próprias carências. Isso reflete o princípio da diferença, que pode ser utilizado como justificativa para o assistencialismo social, como o Bolsa Família, ou para ações afirmativas, como cotas em universidades. Mesmo na defesa da liberdade e da igualdade mínima de oportunidades, alguns indivíduos não conseguem obter posições de destaque na sociedade. Assim, na perspectiva de Rawls, uma sociedade mais justa compreende seu liberalismo igualitário e neocontratualista.


Lucas Guimarães

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.


Bibliografia

1- COELHO, Fernando Laélio. O contratualismo clássico e o neocontratualismo: primeiras aproximações. Revista Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v.2, n.3, 3º quadrimestre de 2007. Disponível em: <www.univali.br/direitoepolitica>.

2- RAWLS, John. Uma teoria de justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

3- _____. Justiça como equidade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

4- Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/interacao/article/download/36094/pdf

5-  Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/Delivery.cfm/SSRN_ID2815003_code2575109.pdf?abstractid=2815003&mirid=1

6- Disponível em:  https://periodicos.set.edu.br/direito/article/view/11338

7-  Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93240/john-rawls-a-teoria-da-justica

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