Quem tem medo da internet?

Quem Tem Medo da Internet?

No dia 11 Julho de 2021 o povo cubano surpreendeu o governo e saiu às ruas para exercer um direito que não deveria ser negado a ninguém, mas que nunca foi plenamente garantido a eles: a liberdade de expressão. Foram as maiores manifestações desde a Revolução Cubana em 1959 e a internet teve papel crucial na mobilização. 

A resposta do governo foram prisões arbitrárias, julgamentos, no mínimo, questionáveis e diversas denúncias de desrespeito aos direitos humanos. No entanto, engana-se quem pensa que parou por aí, o governo, que já tinha leis bem específicas quanto à internet, criou uma nova legislação para assegurar que situações como estas não voltariam a acontecer. 

Segundo o Miguel Díaz-Canel, “Nosso Decreto-Lei 35 (um dos aprovados) vai contra a desinformação e as ‘cibermentiras'”1. O vice-ministro das comunicações de Cuba, Ernesto Rodríguez Hernández chegou a afirmar que “promovem o avanço da informatização da sociedade, defendendo os direitos dos cidadãos consagrados na Constituição: igualdade, privacidade e sigilo das comunicações”2.

Para quem duvida das intenções do referido decreto, ou ainda está em dúvida, apesar do discurso para as redes sociais, a lei em si é perfeitamente clara sobre suas intenções: 

“Artículo 3. Los objetivos generales del presente Decreto-Ley son los siguientes:

a) Coadyuvar a que la utilización de los servicios de telecomunicaciones sean un instrumento para la defensa de la Revolución;”3

Estou usando o exemplo de Cuba para que fique claro o tipo de pessoas e de governos que têm tanto medo da internet e da “desinformação”. Um caso ainda mais extremo é o da Coréia do Norte que, ao invés de internet, tem uma intranet, que não se conecta com o resto do mundo e tem informações especialmente escolhidas pelo Governo. 

Mas, e o nosso caso? Eu me lembro de estar na aula de Introdução ao Estudo do Direito, no meu primeiro semestre na faculdade, em 2014. O ano anterior foi o das manifestações que levaram milhões de pessoas às ruas reivindicando diversos direitos e melhorias, especialmente, levando em consideração os gastos absurdos e isenções de impostos que a FIFA recebeu em razão da Copa do Mundo. Me lembro de passar uma aula inteira ouvindo meu professor falar dos perigos da nova lei de seria votada: o Marco Civil da Internet.

Apesar de o Art. 5o, inciso IV da Constituição deixar bem claro que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, e o próprio Marco Civil citar no Art. 2o que A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:”, estas últimas duas palavrinhas dão lugar a outros princípios, dos quais destaco o do inciso V: “a finalidade social da rede”. Não tenho a mais singela ideia do que seria esta função social e talvez eu tenha medo da resposta porque soa absurda e perigosamente coletivista. 

Alguns anos depois, uma campanha enorme seria feita para que o perigosíssimo PL 2620/2022 não fosse para frente e, nesta semana, vemos a Suprema Corte sinalizar que não vai esperar o Congresso para tratar da questão que os preocupa tanto: a regulamentação da internet. Mas, espere um pouco? Não foi essa regulamentação que fez surgir o Marco Civil da Internet? Qual a real necessidade de refazer ou acrescentar ao que já foi feito? 

Quem defende este tipo de absurdo não entende que o primeiro é uma brecha para que todos os outros surjam, nunca vai ser o suficiente, sempre haverá necessidade de mais leis para “regulamentar” a internet. Por isso, ando cantando, num ritmo que os mais velhos devem conhecer: “quem tem medo da internet?”, o Lobo Mau dos tempos modernos, pelo menos na visão de alguns excelentíssimos compatriotas. 

Por que tanto medo em ouvir quem pensa diferente? Por que tanta vontade de controlar o que sai na internet? Eu sei que é medo, mas quero saber medo de que, afinal, se a soberania neste país realmente pertence ao povo, por que tantas tentativas de silenciar a voz mais importante de todas? 

Eu sei que a resposta é a tal da desinformação, ou qualquer outra desculpa que vocês usem, mas eu acho que fala de Nadine Strossen deve ser lembrada e muito propagada para todos os que ainda dizem isso: 

“A partir da minha pesquisa, concluí que, por mais bem intencionada que seja a censura, ela acaba fazendo mais mal do que bem, inclusive para os próprios grupos que deveria beneficiar.”4


Suellen Marjorry

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

  1. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58280506 ↩︎
  2. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58280506 ↩︎
  3. Disponível em: https://www.gacetaoficial.gob.cu/sites/default/files/goc-2021-o92.pdf 
    ↩︎
  4. Disponível em: https://academicfreedom.org/seeking-justice-seeking-truth-a-conversation-with-nadine-strossen/ ↩︎

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *