Palavras: capazes de ferir e de curar

Quando criança, lembro de ter sido marcada pela frase “Palavras são, na minha não tão humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia. Capazes de ferir e de curar” ao ler Harry Potter e as Relíquias da Morte. Você pode estar lendo isso agora e pensando: o que isso tem a ver com liberdade?

Ao meu ver, tudo. No Brasil, nossas leis são escritas, e mesmo as decisões tomadas por juízes e ministros serão registradas de forma escrita em algum momento. Acontece que são essas normas as capazes de defender nossa liberdade ou de destruir qualquer possibilidade dela ser exercida.

Essas palavras, por vezes escritas de modo excessivamente formal, decidem sobre nosso direito de ir e vir, o que podemos falar, quando podemos falar e se sequer seremos ouvidos. Assim, são elas também as capazes de ferir todos esses direitos nossos, ainda que sejam naturais, por serem as que regem nossa nação.

Temos alguns exemplos desse poder, como ao criar normas que proíbem certos grupos de falarem, mas tudo bem, a maioria já despreza esses grupos e seus ideais; ou ao impor uma regra da língua portuguesa mesmo ao saber que a língua é viva e se adapta natural e gradativamente às mudanças da sociedade no seu próprio tempo, mas tudo bem, já que é em prol de uma inclusão de pessoas. Está “tudo bem”, até percebermos o grande precedente de autoritarismo que abrimos.

O erro maior é pensar que essa mudança é brusca, que acordaremos num dia já sem nossa liberdade. A mudança é sutil, leve, com a maioria da população concordando até que, quando percebem os trágicos danos decorrentes da imposição de ideias, já é tarde demais: aqueles que estão no poder conseguiram se perpetuar nele às custas da nossa liberdade.

Liberdade essa que permite que cada indivíduo exponha sua opinião e possa se juntar aos seus semelhantes – como é a natureza de nossas relações. Uma liberdade que nos permite dizer “não”, uma palavra tão pequena, mas tão proibida nos países autoritários, afinal lá só é possível dizer “sim” para tudo que o governo colocar, para tudo que a lei colocar, ou melhor: para tudo que as palavras escritas colocarem.

São as palavras as capazes de definir o rumo de nossa liberdade: seja num artigo como esse que você está lendo, num famigerado textão no Facebook, numa pesquisa acadêmica ou numa norma feita por aqueles no poder. Calar-se num momento de ameaça é assumir o risco de não poder mais falar; não usar suas palavras para defender um terceiro é correr o perigo de você ser o próximo.


Lorena Mendes

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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