País dos Privilégios: supersalários e benefícios da elite do funcionalismo público brasileiro sob um olhar liberal

País dos Privilégios: supersalários e benefícios da elite do funcionalismo público brasileiro sob um olhar liberal

Todos nós já ouvimos falar da famosa diferença salarial entre homens e mulheres. Ela seria o fenômeno de que, em tese, mulheres recebem menores salários apenas por serem mulheres, independentemente de outras características, como função exercida, nível educacional ou anos de experiência. Entretanto, o que pouco se fala no Brasil é a gritante diferença salarial entre funcionários públicos e empregados do setor privado, que constitui um dos maiores exemplos da gigantesca concentração de privilégios dentro do Estado brasileiro.

É inegável que no Brasil exista uma cultura do funcionalismo público. Quem nunca ouviu o conselho de algum familiar defendendo a realização de algum concurso público ou a entrada em alguma carreira dentro do funcionalismo? O fato é que essa cultura não surgiu do nada. Veremos nesse artigo que 1) servidores públicos tendem a receber uma remuneração média significativamente maior do que os empregados do setor privado, independentemente de sua qualificação ou experiência e 2) grupos do funcionalismo público criaram maneiras dentro do Estado de receberem salários muito acima daqueles previstos pela Constituição. 

Diferencial de Salários

Um estudo realizado pelo IPEA, em 2011, estimou que, ao pegarmos dois trabalhadores com as mesmas características profissionais – mas com a única diferença de que um é do setor privado e outro do setor público – o funcionário do setor público tende a ganhar em torno de 30% a mais do que aquele do setor privado. O gráfico abaixo mostra essa tendência ao longo do tempo. A curva pontilhada, que apresenta o diferencial de efeito preço, captura o fenômeno descrito acima. Além disso, a linha azul escura representa a diferença média total entre os salários do setor público e privado. Assim, em 2011, o rendimento médio do setor público era em torno de 40% acima do rendimento do setor privado, evidenciando, mais uma vez, as desigualdades entre os dois setores.

Apesar disso, a desigualdade entre o público e o privado não aparece de forma homogênea dentro da sociedade. A discrepância consegue se tornar ainda maior quando discriminamos a análise para o nível de governo. No nível federal, o “prêmio” salarial é de incríveis 135%, o dobro do nível estadual, enquanto no nível municipal ele permanece em 18%. Além do nível de governo, as ocupações analisadas também são essenciais para determinarmos qual o nível de prêmio salarial entre os setores. Em geral, os altos prêmios estão concentrados em algumas ocupações, enquanto em outras ele fica abaixo de 30%. O maior prêmio salarial está em trabalhadores de nível administrativo, alcançando 43,3%, e em carreiras jurídicas e de administração pública (103% e 86%, respectivamente). 

Teto do funcionalismo e supersalários

Esses privilégios e altos salários tendem a se concentrar nas castas mais altas do funcionalismo público. Em teoria, há um teto para os salários do funcionalismo público brasileiro, que hoje, para os servidores federais, está um pouco acima de 40 mil reais. Qualquer valor recebido acima do teto são considerados como “supersalários”. Porém, a elite do funcionalismo consegue “burlar” o teto através da criação de auxílios e bônus, como o “auxílio-aluguel”, “auxílio-paletó” e “auxílio-creche”. Essas remunerações são recebidas por cerca de 25.500 pessoas no Brasil e custam aos cofres públicos, anualmente, R$ 3,9 bilhões. O salário acima do teto representa R$ 13.838, um aumento de cerca de 39% em relação ao limite dos servidores

É também um fato conhecido que os supersalários tendem a se concentrar dentro das áreas jurídicas. Segundo uma pesquisa da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, cerca de 71% dos juízes no país recebem todo mês um salário acima do teto. A despesa média mensal de um magistrado no Brasil é de R$ 50,9 mil e os gastos nacionais com o judiciário é de R$ 100 bilhões, equivalente a 1,8% do PIB. É um valor muito mais alto do que de outros países do mundo, como a Alemanha (0,37%), França (0,2%) e Argentina (0,13%). 

O problema dos supersalários ilustra o famoso patrimonialismo brasileiro. Os grupos associados com os servidores públicos com maior poder e influência na sociedade conseguiram capturar o Estado de tal forma que eles são capazes de criar formas de contornar a lei e  podem receber salários que seriam inconstitucionais. 

Projeto de Lei dos Supersalários

  Em 2016, foi proposta o PL 6.726/2016, que visa regular quais as formas de remuneração que são contabilizadas ou não dentro do teto. Porém, como era previsto, os grupos que seriam prejudicados pelo projeto começaram a pressionar o Congresso para a proteção e manutenção de seus privilégios. Pelo PL, por exemplo, o auxílio-moradia constituiria um pagamento que não é contabilizado dentro do teto. Apesar do PL ainda não ter sido aprovado, é esperado que a sua intenção inicial seja significativamente desvirtuada e a casta do alto funcionalismo público brasileiro mantenha grande parte de seus privilégios. 


*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.

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