Descubra o século perdido do Liberalismo Brasileiro

Descubra o século perdido do Liberalismo Brasileiro

Caro leitor, que liberal ou libertário da nossa história é uma inspiração para você? Quando você batalha para espalhar as ideias de liberdade pelo Brasil, quem é o herói que te motiva a seguir em frente? 

Com isso em mente, fiz uma pesquisa interna por todo o Students for Liberty Brasil, perguntando quais eram os nomes liberais que mais os inspiram e quem, da história do Brasil entre 1822 e 2000, viam como um herói. Quando se trata de inspiração, a esmagadora maioria ou citou apenas nomes estrangeiros como Mises, Rand, e Rothbard, ou citou Youtubers. Quando perguntados sobre heróis nacionais, os nomes que mais se repetiram foram os de Joaquim Nabuco, Luís Gama, Barão de Mauá, e Roberto Campos, com algumas citações a D. Pedro II e Princesa Isabel. Entretanto, 30% de todos os votos responderam a mesma coisa para essa pergunta: “ninguém”.

A impressão que fica é a de que, mesmo para nós do SFLB que ativamente estudamos a fundo temas de liberdade, o nosso liberalismo surgiu nos anos 80 importando nomes estrangeiros. O próprio vídeo admissional cita apenas Nabuco como um pai fundador liberal e pouco comenta sobre outros nomes do nosso legado.

Mas e se eu te dissesse que a nossa tradição liberal é riquíssima e com personalidades cujas histórias são dignas de filmes de Hollywood? Que há todo um século perdido de liberais inspiradores que foi esquecido porque, segundo o historiador Antonio Paim[15], nossa historiografia positivista-marxista trata os acontecimentos deste período com menosprezo?  

Foi o que descobri após ler os livros “A história do Liberalismo no Brasil”, “O Quinto Século”, “Agricultura Nacional”, e “Minha Formação”.  Não sou monarquista, mas ler estes livros me fez entender como o Brasil Império foi o período do ápice de nosso liberalismo, com grandes figuras históricas inspiradoras cuja história não merece ser esquecida. Não se engane: o Brasil tem sim heróis liberais. E é para resgatar a sua memória que eu hoje escrevo sobre eles.

Arauto do Liberalismo (1808-1822)

É sabido pelos liberais brasileiros que o Instituto Liberal (IL) e o Instituto Mises Brasil (IMB) tiveram um papel fundamental para a nossa formação. Com a chegada da internet, o IMB inovou ao disponibilizar livros renomados da escola austríaca em PDFs gratuitos, solidificando a escola austríaca como nossa principal base teórica econômica. Mas já imaginou o trabalho que isso daria durante o Brasil colônia? Sem internet, TV, rádio, ou quaisquer ferramentas de comunicação, espalhar ideias naquela época era muito difícil. E olha que haviam diversos outros fatores como censura real e quase nenhum livro importante traduzido para o português. 

É aí que entra nosso primeiro herói, Hipólito da Costa. Sendo um brasileiro morando em Londres, ele recebia as informações do que acontecia aqui no Brasil sem nenhuma censura. Hipólito aproveitou-se disso e fez o nosso primeiro jornal, o Correio Braziliense! Ele acreditava em nossa independência e tinha como objetivo nos familiarizar com as idéias liberais desse novo regime que substituiria a monarquia. 

O jornal de Hipólito era a nossa única fonte sem censura detalhando as lutas pela independência na América Latina (mesmo que meses atrasadas). Ele também comentou todas as obras que pudessem ser do interesse da elite colonial mesmo quando editadas em inglês ou francês, e inclusive traduzindo e transcrevendo o que lhe pareceu essencial. 

Em 1822, com a proclamação do Brasil independente e com imprensa livre, Hipólito acreditou ter cumprido a sua missão e encerrou as atividades do Correio Braziliense. Seu último conselho para o nosso país é descrito pelo historiador Antônio Paim: seguir o bom senso na elaboração da Carta Constitucional, evitar o impulso de em tudo imiscuir-se (intrometer-se), ter presente que as reformas de grande magnitude não se fazem num dia, e confiar que as Constituições se aperfeiçoem com o tempo[15].

Hipólito foi o Liberal que fez pelo Brasil colônia o que o IL e o IMB fizeram pelo Brasil atual. Ele acreditava que conseguiríamos nos ver livres da metrópole e nos tornarmos um grande país, e teve um papel fundamental para forjar o que viriam a ser os nossos liberais clássicos.

A Aurora da Independência (1816-1824)

Um dos muitos leitores do Correio Braziliense foi José Bonifácio, o patriarca da independência. Nascido em Santos, ele tinha a reputação de ser uma das personalidades mais esclarecidas do Reino Unido, sendo professor titular na Universidade de Coimbra e atuando em pesquisas importantes da área de ciências naturais. Frequentou também cursos de Química e Geologia em Paris, e especializou-se em Mineralogia e Metalurgia pela Universidade de Freiburg. Era um ecologista, escrevendo tratados pela preservação das florestas, favorável à abolição da escravatura.

 Bonifácio esteve desde sempre próximo das ideias liberais de sua época, estando presente em Paris durante a fase inicial da Revolução Francesa[8] e sendo irmão de Antônio Carlos de Andrada, um político envolvido na  Revolução Pernambucana, o primeiro movimento de independência (temporariamente) bem-sucedido do Brasil[12]. Era monarquista, favorável à abolição da escravatura, e foi um dos principais articuladores de nossa independência, tendo se tornado um dos melhores amigos pessoais de D. Pedro I.

D. Pedro, porém, entendia muito pouco das ideias liberais que fundaram seu império. O protagonismo real na independência teria sido de sua esposa Leopoldina, conhecida como a matriarca da independência. 

Arquiduquesa da Áustria, ela era herdeira da mais antiga e poderosa família real européia, os Habsburgo. Leopoldina era uma das raras princesas que podia escolher com quem iria se casar[6], pois a perda de familiares na Revolução Francesa fez com que seu pai desse às filhas a palavra final para aceitar as propostas de casamento. Como vemos no livro “D. Leopoldina: a história não contada: A mulher que arquitetou a independência do Brasil”(REZZUTTI, 2017), ela passava seu último ano na Europa (1816) rodeada de mapas do Brasil e de livros com a história do nosso reino. Fluente em 6 línguas, ela havia aprendido a falar o Português em apenas 3 meses e já conseguia conversar plenamente com os diplomatas portugueses.   

Foi educada desde os 6 anos pelos melhores professores, aprendendo não apenas o essencial de diversas áreas do conhecimento como também tudo que era necessário para governar. Sua família, inclusive, estimulava os herdeiros a frequentar o teatro especialmente para desenvolver a fala pública e expressões sem timidez, maior articulação e oratória sem medos, além de como se portar diante do povo[18].

Na corte brasileira, porém, ela era desprezada porque se interessava por ler livros, ciência, e filosofia. Por isso mesmo, seu grande amigo e confidente viria a ser Bonifácio, o qual conheceria quando ele retornou ao Brasil. Bonifácio havia recusado diversas vezes uma proposta para ser ministro, e Leopoldina foi o receber pessoalmente para tentar convencê-lo a aceitar. Tendo sua primeira conversa em alemão, a amizade e respeito entre os dois cresceria e, juntos, arquitetaram a independência.

Mas é importante ressaltar que o papel de Leopoldina foi muito maior do que costumamos lembrar. Foi ela, junto de Bonifácio, a convencer Pedro no fatídico Dia do Fico[18]; a ser a primeira chefe de Estado mulher da América Latina (assumindo o papel de regente)[6] e a monarca a assinar nossa declaração de independência junto de Bonifácio e outras lideranças liberais[6]; e a idealizar a nossa bandeira verde e amarela em homenagem às famílias Bragança (verde) e Habsburgo(amarelo)! Após a independência, usou de sua influência para iniciar uma imigração alemã que povoasse o sul do Brasil e atuou junto de seu pai para que a Áustria aceitasse a independência brasileira, forçando Portugal a assentir na nossa emancipação.

Bonifácio e Leopoldina sentados juntos assinando a declaração de Independência do Brasil

Ainda assim, isso não foi do dia pra noite. Houve sim uma guerra entre 1822 e 1823 para nos tornarmos independentes, na qual brilhou Maria Quitéria, a nossa Joana D’Arc. Quitéria era baiana e quis se alistar como soldado, mas o recrutador respondeu que mulheres “fiam, tecem, e bordam, mas não fazem guerra”. Ela então fugiu em segredo vestindo as roupas de seu cunhado e se alistou fingindo ser um homem[10]. E sabe o que é mais incrível? Mesmo após ser descoberta, o seu batalhão reconheceu suas qualidades em combate e deixou-a continuar lutando[10]. Enfim, Portugal recuaria, e o Brasil seria enfim independente.

Da abdicação e regência: O Brasil se torna os Estados Unidos (1823-1841)

Pelo que escreveu[15] Antonio Paim(2018), o Brasil de 1823 três grupos: liberais radicais que queriam o separatismo de suas províncias, autoritários a favor da monarquia absoluta, e liberais moderados tentando estabelecer uma monarquia constitucional. Encaminhava-se para se tornar uma monarquia constitucional assim como a Inglaterra, mas é aqui que D. Pedro faz tudo dar errado. 

D. Pedro deixava claro que só aceitaria um texto constitucional que mantivesse seus poderes de rei. Inspirados então na obra de Benjamin Constant, um liberal que propunha um sistema com 5 poderes, a assembleia constituinte propôs a ele um quarto poder: o Poder Moderador. D. Pedro gostou da ideia e isso o fez aceitar a monarquia constitucional. No entanto, ele queria mais, então invadiu a assembléia constituinte com soldados, dissolveu-a prendendo os constituintes, deportou José Bonifácio e sua família, e, em 1824, fez uma nova constituição junto de dez homens de confiança pra ser outorgada.  

 Não apenas entre políticos, D.Pedro também ganhou o ódio da opinião pública. Ele não apenas arranjaria uma amante, Domitila, como daria a ela uma casa na frente do palácio imperial   e a levaria para eventos públicos oficiais para ser aclamada como Primeira Dama no lugar de Leopoldina[6]

D. Pedro passaria a tratar a imperatriz muito mal, tomando o dinheiro que recebia da família, trancando-a no quarto à noite enquanto ele saia[6] e, no ápice da crise, ouviram-se gritos onde ele supostamente a teria espancado. Eles se despediram pela última vez quando ele partiu para a guerra da cisplatina e ela o disse que, quando ele voltasse, ela já não estaria mais ali[6]. Estava certa. Teria morrido pouco depois, de desgosto, e sua morte seria o primeiro luto nacional, tamanha a sua popularidade.

A rejeição política e popular foram tantas que obrigaram Pedro a abdicar em 1831 em nome de seu filho criança e voltar para Portugal, deixando o país num caos descrito por Paulo Mercadante[15]:

“(…) Dom Pedro I abandonara o trono; o Ministério, incapaz de deter a avalanche, não tinha onde apoiar-se, já que contra ele foi feito o motim; a Assembléia e o Senado estavam em recesso. Não havia autoridade alguma nem força militar que se encontrasse apta para sustar a marcha revolucionária. (…)os membros das Casas legislativas que se encontraram na capital reuniram-se a pressa para formar um governo e assim levantarem um dique às pretensões do elemento sans-culotte.”(PAIM, 2018, pg 95 apud MERCADANTE, ano)

E é aí que a coisa fica interessante, pois o governo provisório estabeleceu em 1834 o chamado Ato Adicional! O que ele fez, você me pergunta? Transformou a gente nos Estados Unidos! Ele extinguiu o Conselho de Estado (o equivalente imperial aos nossos ministérios do executivo) e estabeleceu a eleição direta de um regente único atuando como um presidente. O poder foi concentrado nas províncias (estados) similar ao estilo norte americano e, se a experiência desse certo, estava aberto o caminho para a Proclamação da República![15]

Mas é claro que, se você estudou esse período na escola, sabe que ele fracassou espetacularmente. Foram tantas revoltas provinciais e separatismos acontecendo ao mesmo tempo que só falamos disso na escola: tivemos a Revolta dos Malês (1835), a Farroupilha (1835-1845), a Cabanagem (1835-1840), a Sabinada (1837-1838) e a Balaiada (1838-1841). Já não bastasse tudo isso, os ingleses agora pressionavam o Brasil a abolir a escravidão. Feijó quis dar uma resposta a altura e fez a “Lei Feijó” proibindo a importação de escravos, mas o sentimento geral era de que a lei não seria cumprida, fazendo circular pela Corte, inclusive na Câmara dos Deputados, o comentário de que era uma “lei para inglês ver”[1].   

Diante de tantos fracassos políticos e risco de ruptura, o fracasso da experiência federalista foi tanto que permitiu aos liberais moderados articularem-se e implantarem o Regresso, período onde Ato Adicional foi derrubado, reduzindo novamente o poder das províncias, e foi dado o Golpe da Maioridade para restaurar a figura do Imperador como poder centralizador, dando fim ao período de revoltas.

Segundo Reinado: Auge do liberalismo Brasileiro

Antonio Paim descreve[15] o Segundo Reinado como um fato isolado na nossa história, no qual vivemos sem golpes de Estado, estados de sítio, presos políticos e nem insurreições armadas. Tudo isso com absoluta liberdade de imprensa e mantidas as garantias constitucionais dos cidadãos. E mais! Boanerges Ribeiro em seu livro “protestantismo e a Cultura Brasileira” ressalta a exemplar tolerância religiosa garantida por autoridades judiciárias no Império apesar de termos uma religião oficial. Mesmo com uma tradição patrimonialista e maioria católica, Paim[15] diz que esse regime conseguiu se afeiçoar aos países protestantes como Inglaterra e Estados Unidos.

Ainda assim, quando lembramos do Segundo Reinado, lembramos apenas da abolição e, mais especificamente, de Joaquim Nabuco e Luís Gama. Este apagamento foi proposital por parte dos historiadores republicanos, e o próprio Nabuco lamenta em sua biografia que outros nomes do abolicionismo não ficaram para a história como o dele. E faz sentido, afinal tudo o que vemos deste período são apenas como as leis abolicionistas aprovadas, deixando de lado toda luta épica dos liberais para fazer isso acontecer! Não conseguirei citar a todos neste texto, mas farei o possível para mostrar a sua luta. 

Império Agrário e Representação (1841-1860)

Segundo Maria Alice Rezende De Carvalho[11], o Segundo Reinado se divide em dois períodos: o Brasil do primeiro período era um país agrário, patriarcal, e sertanejo, não muito diferente das obras de José de Alencar; enquanto o segundo, iniciado na década de 1860 e se intensificando na década de 1870, era politicamente mais focado nos centros urbanos, como nas obras de Joaquim Nabuco e Machado de Assis. 

Mas note! Embora o abolicionismo fosse uma pauta defendida desde Bonifácio, Nabuco nos relata em sua autobiografia[14] que ainda era uma posição minoritária, onde os abolicionistas estavam entregues aos próprios recursos. Defender a abolição aqui ainda era visto ou como um sonho impossível, ou como arruaça, pois tanto o Partido Liberal quanto o Partido Conservador eram contra a abolição.

Sobre o que os partidos debatiam então? Representação: deveria o Brasil continuar uma monarquia com poderes concentrados no Rio de Janeiro (como queria o Partido Conservador) ou dar novamente poder às províncias como na Regência (como queria o Partido Liberal)? 

Esse embate foi travado principalmente pelo liberal Tavares Bastos e o conservador Visconde do Uruguai! Ambos eram formados na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, e os argumentos dos dois sobre representação são até hoje estudados por graduandos de direito em todo o Brasil. E sabe o que é mais interessante? Ambos eram abolicionistas! Essa causa era defendida tanto por conservadores quanto por liberais no legislativo (embora minoritária em ambos).

Foi com muita luta que esses abolicionistas conseguiram não apenas aprovar o fim do Tráfico Negreiro com a Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, como também garantir que ela não seria novamente uma “lei para inglês ver” passando a lei “Nabuco de Araújo” em 1854! E sim: Nabuco de Araújo era pai de Joaquim Nabuco! E foi por conta de sua liderança que o governo brasileiro agora fiscaliza devidamente os mares para impedir o tráfico.

Foi nessa época que surgiu o primeiro livro abolicionista, Úrsula (1858), publicado por Maria Firmina, e seguido pelo famoso Navio Negreiro (1868), de Castro Alves. Foi nesta época também que Luiz Gama, ex escravizado e auto alfabetizado, se formaria em direito como ouvinte no Largo São Francisco e se tornaria um lendário herói liberal!

Como isso aconteceu? Bem… após a Lei Eusébio de Queiroz (e mais tarde com a lei do Ventre Livre), havia muitos escravizados que já deveriam estar libertos segundo a lei mas que continuavam escravizados! E é aí que entra Gama: ele não tinha diploma, mas participar das aulas lhe deu conhecimento jurídico o suficiente para atuar como rábula. Então ele identificava escravizados sob essas condições e, trabalhando de graça, forçava todo o processo legal para que fossem alforriados. Com isso, se estima que ele, sozinho, alforriou centenas de escravizados! Mais do que isso, o jornalista e escritor especializado em Brasil Império Tom Farias afirma que Gama foi decisivo para a abolição da escravatura pois conseguiu transmitir credibilidade ao movimento; uma figura lendária e inspiradora para a causa[4]. Se fossemos comparar com a história americana, ele seria o nosso Frederick Douglas.

Sua coragem e determinação fizeram com que as demais pessoas acreditassem que seria possível libertar o Brasil, acabar com o jugo escravista.(…) Gama deu ao movimento social negro pela liberdade um sentido de que os negros, mesmo escravizados, podiam ser agentes e protagonistas de sua liberdade. (VEIGA, Edison, 2019)

Luis Gama fundaria também um periódico chamado “Radical Paulistano” em 1869 junto do liberal baiano Ruy Barbosa[5], um herói brasileiro tido por Joaquim Nabuco como o homem mais sábio da nação

(…) Ruy Barbosa, hoje a mais poderosa máquina cerebral do nosso país, que pelo número de rotações e força de vibração faz lembrar os mecanismos que impelem através das ondas os grandes transatlânticos. (NABUCO, 1900, pág 12)

De fato, Ruy era tão inteligente que, aos cinco anos de idade, já sabia ler, escrever, fazer análise gramatical e conjugar todos os verbos regulares; e não precisou ir para o colégio durante a adolescência pois, aos 11 anos, já havia aprendido tudo o que o professor tinha para ensinar[9].  Jurista, advogado, deputado, diplomata, escritor, filólogo, jornalista, tradutor e orador, atuou não apenas pela abolição e o federalismo, mas pela proclamação da república. Com o fim da guerra do Paraguai, ele teria um papel fundamental em 1868 para trazer o exército brasileiro para a causa abolicionista[9]

Capa da Revista Ilustrada. Homenagem ao Visconde do Rio Branco, pai do diplomata Barão do Rio e político que aprovou a lei do Ventre Livre em 1871

Enfim, graças a todos esses esforços citados, começou a faltar mão de obra escrava no Brasil. Neste momento, os grandes agricultores começaram a buscar trabalhadores assalariados, em países da Europa como Itália e Alemanha, aumentando muito a entrada de imigrantes no Brasil e começando nosso período urbano.

Império Urbano e a Industrialização Sabotada (1860-1879)

Com o fim do tráfico, os capitais até então empregados no comércio de escravos passaram a ser investidos na industrialização. Aproveitando essa oportunidade, teríamos mais um grande herói liberal: Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá!

Mauá era um gaúcho de família pobre trazido para o Rio de Janeiro por seu tio, e já começando a trabalhar aos 9 anos como caixeiro. Aos 12 anos, tinha uma alta posição como comerciante na casa de comercial de João Rodrigues Pereira de Almeida, conhecido negociante de grosso, senhor de engenho e traficante de escravos. Com a falência de Pereira e Almeida, passaria a trabalhar para o escossês Richard Carruthers numa empresa de exportação, de onde se tornou gerente  aos 23 anos (1836) e, logo depois, sócio da empresa[7].

Mauá seria o nosso primeiro grande industrial e banqueiro ao, entre outros, fundar o Banco do Brasil, a maior empresa da época, valendo cinco vezes mais que seu concorrente; trazer a iluminação a gás para a capital imperial (antes as luzes eram acesas com tochas de óleo de baleia); e criar a primeira indústria e primeira linha ferroviária do país[4]. Ao auge de sua fortuna, Mauá tinha um patrimônio de 60 milhões de dólares, o que era mais do que o orçamento atual de todo o Brasil! E detalhe, o homem mais rico do mundo à época, Vanderbilt, tinha um patrimônio de 100 milhões de dólares, ou seja, o patrimônio dele era 60% do de Vanderbilt![4]

Mauá aprendeu os valores liberais com Carruthers, e foi um forte financiador do movimento abolicionista. Ele também comprava escravizados para dar-lhes alforria e convidá-los a trabalhar com ele pagando o mesmo salário que pagava aos brancos! Ainda assim, terminou sua vida na pobreza. Como? Pelo mesmo motivo de sempre, né? O Estado.

 Quando foi fazer a estrada de ferro entre o Rio de Janeiro e Petrópolis, Mauá convidou o Imperador para a inauguração das obras e deu a ele uma pá de prata para que ele desse a primeira cavada de início às obras. Mas o Imperador se sentiu totalmente humilhado com isso porque o trabalho manual, no Brasil, ainda era considerado um trabalho escravo[7]. Até aí tudo bem, mas o Mauá foi lá e fez de novo! Completados os primeiros 16 km das obras em abril de 1854, chamou novamente D. Pedro II às obras e fez o seguinte discurso:

Vinte meses apenas se passaram desde que vossa majestade honrou com sua augusta presença o primeiro acampamento de operários dessa companhia. Naquela ocasião, coube-me a distinta honra de depositar nas mãos de vossa majestade um humilde instrumento de trabalho, uma pá da qual vossa majestade não desdenhou em fazer uso. Como se para mostrar aos súditos que o trabalho, essa fonte perene de prosperidade, não só era digno de vossa proteção, mas ao mesmo tempo uma extraordinária honra.  (BUENO, Eduardo, apud MAUÁ 1854)

Preciso dizer que o Imperador ficou furioso? De lá em diante, D. Pedro II usaria de toda a força do Estado Brasileiro, junto da bancada ruralista da época no legislativo, para levar Mauá à falência. Criaria sua própria ferrovia para concorrer com Mauá, subsidiada pelo governo e operando em prejuízo com o único intuito de prejudicá-lo, e permitindo que um rival construísse uma estrada na mesma linha percorrida pela estrada de ferro de Mauá! O resultado disso foi a sua falência em 1875, tendo de liquidar todos os seus bens e empresas para poder pagar suas dívidas. 

Outro, porém, continuaria sua missão de tentar industrializar o Brasil. Tido por muitos como “o segundo Mauá”, o jovem negro André Rebouças se formara engenheiro na Europa e, apesar da saúde frágil, seria engenheiro voluntário na guerra do Paraguai! Lá, ele viu a precariedade do interior brasileiro e sonhou em trazer a prosperidade do literal para o interior. 

De Vincent de Gournay e Frederic Bastiat a John Stuart Mill. Rebouças havia lido todos os principais liberais clássicos de sua época, mas ele se destacava dos outros liberais brasileiros porque defendia a versão norte-americana do liberalismo (ele chamava de yankismo). Enquanto outros liberais eram maçons seguindo o mantra de “liberdade, igualdade e fraternidade”, ele defendia os conceitos de vida, liberdade e propriedade dos pais fundadores americanos (sendo seu favorito, Benjamin Franklin) e defendendo que a iniciativa individual e o espírito de livre associação eram os verdadeiros motores da sociedade.[11]

 Rebouças projetou as primeiras docas do Rio, da Bahia, de Pernambuco e do Maranhão, de onde planejava construir um sistema de hidrovias ligando litoral e interior utilizando os rios locais; resolveu o problema de abastecimento de água do Rio de Janeiro em um mês; e também foi responsável por projetar a ferrovia Curitiba-Paranaguá, uma das mais ousadas obras de engenharia mundial da época, cruzando a Serra do Mar para ligar a capital paraense ao litoral. 

Rebouças foi também o primeiro engenheiro brasileiro a substituir a “cal do reino” – a cal argamassada com óleo de peixe – pela importação do cimento Portland, a utilizar escafandro em obras portuárias; e a se referir à utilidade da dinamite para a engenharia. Entretanto, as oligarquias rurais estavam incomodadíssimas de um segundo Mauá tentando modernizar o país, e escandalizadas com o mais puro racismo que fosse um homem negro a fazê-lo. Sabotaram a maioria de seus projetos de expansão para o interior, e Rebouças abandonou a vida empresarial para se tornar professor politécnico e uma das principais vozes contra a abolição[11].

Ainda assim, os centros urbanos cresciam, e o sistema latifundiário tornava-se cada vez mais uma relíquia do passado frente à modernidade. Vimos isso bem com Eufrásia Teixeira Leite, herdeira dos maiores latifúndios do país que decidiu em 1872 alforriar seus escravos, fechar o latifúndio, e usar o dinheiro de sua fortuna para investir em ativos produtivos em capital financeiro. Foi uma mulher forte, independente, filantropa, e dona de suas próprias escolhas, que soube operar sozinha no mercado de ações como ninguém e multiplicou ainda mais a fortuna herdada tornando-se, para padrões atuais, uma bilionária.

O mundo segue mudando, e chegamos enfim à década de 1880, o clímax do movimento abolicionista e do liberalismo brasileiro como um todo.

 

O Espírito da Abolição e a Crise das Indenizações (1880 – 1889)

O início da década não poderia ser pior: sem quaisquer sinais de que a abolição estaria próxima e com a morte de Luís Gama em 1882, Maria Alice relata[11] que Rebouças viaja para o exterior já pessimista. Ele temia que a vontade de construir um país melhor criada pelos pais fundadores brasileiros havia se perdido, e pensava em talvez não voltar mais. Mas os ventos da liberdade vieram, e os acontecimentos a partir daqui aconteceram numa velocidade inimaginável.

Em 1880, no Amazonas, a Sociedade Emancipadora Amazonense foi fundada por maçons para facilitar a compra de alforrias[3]. Os maçons Amazonenses foram a ponta de lança da abolição no Estado, com nomes como Almino Álvares Affonso, João Coelho de Miranda Leão, Antônio Guerreiro Antony e João Carlos Antony em destaque. Desta data até a abolição, todos os orçamentos da Assembléia Provincial (legislativo) continham o valores específicos nas despesas para a alforria de escravizados[3].

Em 1881, no Ceará, o jangadeiro liberal pardo conhecido como “Dragão do Mar” liderou seus similares em resistência civil, recusando-se a transportar escravos para os navios negreiros nos portos do Ceará! Como o próprio Dragão do Mar, cuja jangada se chamava “Liberdade”, disse à época: “no porto do Ceará não embarcam mais escravos”! [20].

Capa da Revista Ilustrada. O busto do Dragão do Mar aparece em meio aos jangadeiros

Em 1883, Joaquim Nabuco, André Rebouças e vários outros se uniram na Confederação Abolicionista, que enfim foi capaz de unir todas as sociedades antiescravistas de todo o Império. Nabuco nos relata que, diferentemente da guerra civil americana e da revolução francesa, esperava-se obter a abolição pela união das raças ao invés da violência, e que acreditava-se que conseguiríamos nos tornar uma civilização sem precisar passar por uma revolução sangrenta. 

A Confederação era formada por homens e mulheres de diversos estados e posições sociais, e seus meios de ativismos se deram principalmente na imprensa, no teatro, na organização de reuniões e conferências e nos fundos de emancipação locais. Seus quatro maiores heróis, o chamado “quarteto abolicionista”, eram Joaquim Nabuco; Souza Dantas, o ministro da Justiça; José do Patrocínio, o jornalista negro da “Gazeta de Notícias”; e João Clapp, o comerciante pioneiro em promover a educação gratuita para ex-escravizados.

É neste ano que Nabuco publica “O Abolicionismo” e, Rebouças, os escritos que viriam a se tornar o livro “Agricultura Nacional”; João Clapp por sua vez buscou integrar as mulheres, os operários e a classe média na luta contra a escravidão; enquanto Patrocínio preparou e auxiliou a fuga de escravos, coordenando campanhas de angariação de fundos para adquirir alforrias através de, entre outros, espetáculos ao vivo, comícios em teatros, e manifestações em praça pública.

E claro, junto das massas de jovens, jornalistas, magistérios e padres trazendo o tema ao debate público e convencendo cada vez mais pessoas ao seu redor, havia também forte presença das resistências negras, advinda tanto de fugidos e rebeldes quilombolas quanto de negros como Patrocínio que eram inspirados pelo exemplo de Luis Gama.  

Graças aos esforços de todos esses grupos, em 1884, o abolicionismo consegue trazer o Partido Liberal oficialmente para a causa e Souza Dantas torna-se nosso Presidente do Conselho de Ministros (primeiro ministro). Sob ordem de D.Pedro II, Sousa Dantas foi encarregado de implementar a abolição. Dantas, como era esperado de um membro do quarteto abolicionista, foi ousado e tentou não apenas aprovar a abolição, como também dar o acesso de terra para os libertos!

  A ideia do chamado Projeto Dantas era simples: já era sabido desde a época de Luís Gama que grande parte dos escravizados era mantida cativa ilegalmente. Logo, fazer um censo nacional de todos os escravizados já seria suficiente para que muitos fossem automaticamente libertados graças à vigência das leis do Ventre Livre, de 1871, e Eusébio de Queirós, de 1850! Os únicos escravizados que ficariam fora disso seriam os de antes da Lei Eusébio de Queiroz e, para cobrir isso, o plano previa liberdade imediata para todos os escravos acima de 60 anos[16]. A partir disso, fixou-se que as províncias não poderiam vender escravos entre si e que a abolição definitiva deveria ocorrer, no máximo, até 31 de dezembro de 1889, sem qualquer tipo de indenização para os antigos proprietários[16].

E olha…vou te contar. Esse assunto da indenização foi um dos mais discutidos da época! Os abolicionistas acreditavam que os escravizados libertos deveriam receber uma indenização do governo por tamanha crueldade que sofreram; enquanto os senhores de escravizados, vendo-os como uma propriedade, exigiam ser indenizados pela mão de obra que perderiam. Para desespero dos senhores, o Projeto Dantas previa também assistência plena aos libertos a partir da aprovação de uma lei criando colônias agrícolas e determinando regras graduais de reforma agrária para que o ex-escravizado pudesse receber essas terras, tornando-se proprietário[16]!

Preciso dizer que Dantas tomou um impeachment por isso e que os conservadores colocaram em seu lugar um dos seus? O projeto Dantas foi então esvaziado de todas as suas principais propostas, mantendo-se apenas a inócua libertação dos escravizados acima de 60 anos e aprovado como o Projeto Saraiva, a Lei dos Sexagenários. Em uma publicação da revista Ilustrada, Nabuco Comentou “Pobres velhos! Dantas deu-lhes esperança de morrerem livres. O Saraiva quer enterrá-los algemados”!

Capa da Revista Ilustrada. O Imperador em sua carruagem é debochado por ter trocado o cavalo de sua carruagem (O Projeto Dantas) por um burro (Lei dos Sexagenários). Sugerem então que ele troque-o logo por um gado (Partido Conservador)

Os senhores, porém, não conseguiriam apagar a chama da abolição crescendo cada vez mais na sociedade. Isso porque, naquele mesmo ano de 1884, graças aos esforços de resistencia civil do Dragão do Mar e seus jangadeiros inspirando outros ao seu redor, abolição veio e o Ceará tornou-se a primeira província a se ver livre da chaga da escravidão.

O Amazonas não ficaria para trás! Entre os anos de 1883 e 1884, a causa abolicionista explodiria em popularidade sob liderança e proteção das casas maçônicas Grande Benemérita Loja Simbólica Porvir nº1 e Grande Benemérita Loja Simbólica Amazonas nº2[3]. Inclusive, é quando surge o periódico “O Abolicionista do Amazonas”, fundado por um grupo de mulheres para divulgação de textos e artigos abolicionistas. O presidente da província, Theodoreto Souto, aprova então em 1884 a abolição e , assim, o Amazonas se torna a segunda província com a escravidão abolida.

Não sabíamos ainda quando o Brasil estaria livre da escravidão, com o próprio Nabuco acreditando que demorariam décadas, mas agora sabíamos que o Ceará e o Amazonas eram livres. A Confederação Abolicionista passou a promover fugas de escravos para as províncias livres, com Rebouças projetando a construção de um trem subterrâneo que poderia contrabandear os escravos fugidos para o Ceará livre. 

Dentre os vários quilombos mantidos com fundos da Confederação, estava o famoso quilombo do Leblon. E sim! O Leblon era um quilombo[17]! Apesar de um meio diferente, claro. Era uma chácara do comerciante  José de Seixas Magalhães, onde oficialmente se plantavam flores camélias para vender, mas que na verdade abrigava secretamente escravizados fugitivos e comícios abolicionistas da Confederação[17]

Por conta deste quilombo, que contava com a proteção da Princesa Isabel, as flores de Camélia se tornaram símbolo do movimento abolicionista. Aquele que usava ramos de camélias em suas roupas era tido como abolicionista, assim como aquele que colocasse camélias decorando a frente de seu jardim estava dizendo aos escravizados que por lá passassem que ali teriam um refúgio[17]

Eis que, em 1887, o Imperador adoece e é levado para a Europa para cuidados, deixando Isabel como regente. Nabuco vê nisso uma oportunidade única, pois Isabel era uma católica muito devota, e o Papa da época, Leão XIII, havia começado a discursar pela abolição mundo afora. Nabuco era um diplomata de carreira capaz de se encontrar com o Papa e, se conseguisse que ele fizesse uma encíclica pedindo pela abolição no Brasil, estava crente de que Isabel o faria[14]. Nabuco então foi ao Vaticano e teve uma longa conversa com o Papa, conseguindo-o convencer de fazer uma encíclica exclusiva para o Brasil[13]! Isso preocupou os escravistas, que sabiam desse perigo e usaram todo o seu poder para adiar a publicação da encíclica no Brasil. Porém, era tarde demais.

A causa abolicionista em 1888 virou moda entre a população e a elite. A abolição havia ganhado tanto espaço que, segundo Nabuco, havia sequestrado o debate político todo para si. Os próprios proprietários, que enfrentavam fugas em massa da resistência negra e alforrias em massa dos clubes abolicionistas, agora também libertavam seus escravos em massa por medo. A situação havia se tornado insustentável e a lei áurea inevitável[2].

Os escravos fugiram em massa, prejudicando não só os grandes interesses econômicos, mas também interesses de segurança pública: houve mortes, houve ferimentos, houve invasão de localidades, houve o terror derramado por todas as famílias, e aquela importante província durante muitos meses permaneceu no terror mais aflitivo. Felizmente os proprietários de São Paulo, compreenderam que, diante da inação da Força Pública, melhor seria capitularem perante a desordem, e deram liberdade aos escravos. (ANNAES, 1888, pg 52)

Para a surpresa de todos, a encíclica papal não se fez necessária. Poucos dias antes que ela fosse publicada no Brasil[14], a Princesa  Isabel assinou em 13 de Maio de 1888 a Lei Áurea, abolindo a escravidão de uma vez por todas. 

Capa da Revista Ilustrada de 1888. Ex-escravos fazem reverência à Princesa Isabel dando-lhe camélias

Ainda assim, a Lei Áurea não previa quaisquer indenizações ou concessão de terras aos agora libertos, tida como a próxima missão dos abolicionistas. Souza Dantas já tramitava[16] no senado uma forma de aplicar novamente as ideias do projeto Dantas, e o próprio D.Pedro II abre a sessão do congresso com um discurso pedindo a eles que avançassem nessa pauta.

Entretanto, os senhores de escravos não estavam nada satisfeitos com a abolição da escravidão e muito menos a vinda da reforma agrária. Eles aproximaram-se da causa republicana na esperança de que, com a Proclamação da República, receberiam indenizações do governo pelos escravos libertos. Muitos dos libertos, porém, temiam que tal acontecimento pudesse revogar a Lei Áurea e, com ela, sua liberdade. Por isso se reuniram, sob a liderança de José do Patrocínio, na chamada “Guarda Negra da Redentora”, com o objetivo proteger a liberdade recém adquirida, bem como o bem-estar da princesa Isabel, como um gesto de agradecimento pela libertação deles.

A proclamação, entretanto, viria. As forças armadas dariam um golpe de Estado em 15 de novembro de 1889 e proclamaram a república, num ato que Rebouças considerou como a desforra (vingança) pelo 13 de maio[14]. Havia, porém, Ruy Barbosa, que assumiu como o primeiro Ministro da Fazenda e se recusava a dar uma indenização sequer para os antigos proprietários, queimando os documentos da escravidão no Brasil para que os antigos senhores jamais conseguissem suas indenizações. Com isso, encerra-se o nosso século perdido do liberalismo, mas não antes de muitos dos aqui citados fundaram a Academia Brasileira de Letras. 

Historiadores concordam que a novidade de construir um novo país republicano do zero tomou grande parte da atenção da opinião pública, para não falar que muitos dos ex senhores agora estavam no poder. Com a ascensão de Vargas, o movimento liberal brasileiro foi reprimido e, segundo Antonio Paim[15], já havia perdido sua conexão e interesse pelos liberais do passado ao fim do Estado Novo. 

O século perdido dos heróis liberais 

Este texto foi longo, mas tem como objetivo mostrar a grande luta e crescimento do liberalismo brasileiro. Não foi um século com apenas Luís Gama e Joaquim Nabuco contra a hegemônica elite escravista, mas sim um século lotado de liberais de todas as classes sociais e com histórias épicas. 

Quando a princesa Isabel assina a Lei Áurea, ela o faz também por políticos como Joaquim Nabuco, Souza Dantas, Nabuco de Araújo e Visconde do Rio Branco; por jornalistas como José do Patrocínio e as fundadoras do “Abolicionista de Manaus”; por intelectuais como Ruy Barbosa; por escritores como Maria Firmina e Castro Alves; por industriais que vieram debaixo como o Barão de Mauá e André Rebouças; pelos maçons amazonenses Almino Álvares Affonso, João Coelho de Miranda Leão, Antônio Guerreiro Antony e João Carlos Antony; pelo Dragão do Mar e seus jangadeiros; pelos advogados da faculdade do Largo São Francisco como Luís Gama e Tavares Bastos; comerciantes como João Clapp e José Seixas de Magalhães; e muitos outros liberais que lutaram todo este século por um Brasil livre digno dos pais fundadores José Bonifácio e Leopoldina, e próspero como sonhou Hipólito da Costa ao escrever o Correio Braziliense. 

Somos herdeiros de um movimento que lutou contra a censura, desafiou autoridades com a  resistência civil, se auto alfabetizou para libertar gratuitamente centenas, promoveu comícios públicos e manteve sociedades secretas por causa da liberdade. Liberdade essa que não viria pela guerra ou pela revolução, como fizeram os americanos e franceses, mas uma que viria pacificamente por meio da diplomacia e do convencimento geral da nação. Eis o significado de “Ordem e Progresso”: a crença do liberalismo brasileiro de que nos tornaremos uma civilização desenvolvida sem precisar da violência. Essa nossa tradição liberal prefere investir em diplomatas do que em exércitos, ao ponto que países mundo afora nos reconhecem por nossa diplomacia como se fossemos uma Suíça dos trópicos.

 É desses liberais que recebemos a tocha da liberdade, e agora é nossa missão passá-la adiante.


Paulo Grego

Referências

[1] “A Lei Para Inglês Ver” – Disponível em <http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/ingles_ver.html>, Acesso em 05 fev. 2023

[2] ANNAES do Parlamento Brazileiro – Camara dos Srs. Deputados, terceira sessão Vigésima Legislatura de 1888 Volume I, Imprensa Nacional RJ 1888, pg. 52

[3] BAZE Abrahim. Amazonas, 10 de julho de 1884: A Segunda Província a abolir a escravatura quatro anos antes da Lei Áurea, 5 set. 2021, Disponível em <https://portalamazonia.com/historias-da-amazonia/a-segunda-provincia-a-abolir-a-escravatura-quatro-anos-antes-da-lei-aurea> , Acesso em 05 fev. 2023

[4] BELLOTTI, Eduardo. Você conhece Barão de Mauá, o Elon Musk brasileiro? pt.1, 20 jan. 2021, Disponível em <https://orealvalor.com.br/barao-de-maua-o-elon-musk-brasileiro/>, Acesso em 05 fev. 2023

[5] BRASIL, Bruno. (18 de novembro de 2015). «Radical Paulistano – Orgam do Club Radical Paulistano». Biblioteca Nacional (Brasil). Acesso em 05 fev. 2023.

[6] BUENO, Eduardo. A Imperatriz Infeliz, 20 set. 2017, disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=wACE9W5gffs>, Acesso em 05 fev. 2023

[7] BUENO, Eduardo. Barão De Mauá Parte II. O Primeiro Banqueiro Do Brasil, 4 abr. 2018, Disponível em  <https://www.youtube.com/watch?v=d9C3FrFCb-k>. Acesso em 05 fev. 2023

[8] BUENO, Eduardo. José Bonifácio. O Rei Do Brasil, 28 nov. 2018, disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=j9eZysLokw0&t=507s >, Acesso em 05 fev. 2023

[9] BUENO, Eduardo. Rui Barbosa, A Pena Que Derrubou O Império 29 jul. 2020, Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=yic3KkwW2-k> , Acesso em 05 fev. 2023

[10] BUENO, Eduardo. Independência: Artigo Feminino, 16 set. 2020, Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=0oxBwMD_aIc>, Acesso em 05 fev. 2023

[11] CARVALHO, Maria Alice Rezende de. O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1998. p. 256

[12] «Do Nordeste ao Sul, revoltas locais foram experiências de República antes de 1889». Folha de S.Paulo. Acesso em 05 fev. 2023.

[13] LEÃO XIII, In Plurimis: encíclica do papa Leão XII sobre a abolição da escravatura, 1888, Disponível em <https://www.vatican.va/content/leo-xiii/en/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_05051888_in-plurimis.html>

[14] NABUCO, Joaquim, Minha Formação, Brasília: Câmara, 2019, p. 264 

[15] PAIM, Antônio. História do Liberalismo Brasileiro, São Paulo: LVM, 2018, p. 408

[16] Projeto Dantas, Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Projeto_Dantas> , Acesso em 05 fev. 2023

[17] Quilombo do Leblon, Disponível em <https://riomemorias.com.br/memoria/quilombo-do-leblon/>, Acesso em 05 fev. 2023

[18] REZZUTTI, Paulo (2017). D. Leopoldina, a história não contada: A mulher que arquitetou a independência do Brasil. Rio de Janeiro: Leya, 2017, p. 50; 206,207. 

[19] VEIGA, Edison, Luiz Gama, o ex-escravo que libertou outras centenas, 20 nov 2019, Disponível em <https://www.dw.com/pt-br/luiz-gama-o-ex-escravo-que-ajudou-a-libertar-outras-centenas/a-51291687 >,  Acesso em 05 fev. 2023

[20]  XAVIER, Patrícia Pereira (2010). «O Dragão do Mar na “Terra da Luz”: a construção do herói jangadeiro (1934-1958)». Dissertação de Mestrado. Acesso em 05 fev. 2023.

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