A crítica ao capitalismo tem ganhado cada vez mais espaço nas redes sociais e nos debates públicos. Discussões sobre como “o capitalismo nos explora” ou “jornadas de trabalho 6×1 são desumanas” se multiplicam com facilidade, ecoando o sentimento de cansaço e indignação de uma geração sobrecarregada, ansiosa e, muitas vezes, desiludida com as promessas do progresso econômico. Mas, ao olhar mais de perto, surge um paradoxo que precisa ser encarado com honestidade: muitos daqueles que criticam o sistema seguem alimentando a própria engrenagem que condenam.
A responsabilidade individual
A cena é cotidiana: após um dia exaustivo, enfrentando transporte público lotado e longas horas de trabalho mal remunerado, a solução rápida para o jantar está a um clique de distância, um pedido por aplicativo. E no fim de semana, novas roupas são compradas em sites de fast fashion, muitas vezes por valores extremamente baixos. Já à noite, navegando pelas redes, um post inflamado contra o “empresário explorador” é curtido com fervor. Há uma desconexão entre o que se diz e o que se faz; e essa incoerência não tem recebido atenção necessária.
Não é segredo que empresas como Shein, e tantas outras do segmento de fast fashion, frequentemente operam em condições que desrespeitam direitos trabalhistas mínimos. Ao mesmo tempo, é amplamente sabido que a lógica dos aplicativos de entrega muitas vezes impõe jornadas longas e remunerações baixas a seus trabalhadores. Ainda assim, essas empresas são consumidas em massa. Por quê? As justificativas são variadas: o preço é mais acessível, o estilo das roupas é mais moderno, o serviço é prático. Mas raramente se leva em conta o custo humano por trás desses benefícios.
É comum, diante dessas contradições, que se busque um culpado externo, seja culpabilizando o sistema, o governo ou o capitalismo “malvadão”. No entanto, dentro do modelo capitalista de livre mercado, quem detém o real poder é o consumidor. As empresas não produzem ou exploram por mera maldade, elas, na verdade, respondem a uma demanda de mercado. E essa demanda é movida, todos os dias, pelas nossas escolhas individuais.
Quando consumidores decidem priorizar empresas éticas, que remuneram bem seus funcionários e respeitam limites trabalhistas, o mercado precisa se adaptar. Se o consumo muda, a lógica da produção muda também. Essa é uma das maiores virtudes do capitalismo liberal: ele se ajusta às preferências da sociedade, desde que elas sejam expressas com clareza através das decisões de compra.
É verdade que nem todos têm as mesmas opções. A desigualdade de acesso é real. Porém, mesmo dentro dessas limitações, é possível fazer escolhas mais conscientes. É possível questionar, repensar hábitos, reduzir o consumo por impulso e apoiar iniciativas locais ou cooperativas que prezem por condições de trabalho dignas.
A atuação do Estado
Contudo, outros podem pensar que uma melhor alternativa ou solução para este cenário é confiar na ação do Estado. Entretanto, o histórico de países como a China demonstra que regimes autoritários, mesmo com forte intervenção estatal, não eliminaram a exploração — apenas a disfarçaram com propaganda. Já no Brasil, o Estado muitas vezes age em benefício de grupos de interesse, criando barreiras para quem quer empreender de forma justa e promovendo uma burocracia que sufoca tanto o pequeno produtor quanto o trabalhador autônomo.
Ao analisarmos o Índice de Liberdade Econômica elaborado pelo Instituto Fraser, notamos uma diferença marcante entre Hong Kong e a China continental. Hong Kong ocupa o primeiro lugar no ranking global, com destaque para sua elevada pontuação no quesito regulamentação do mercado de trabalho: 9,04 em uma escala de 0 a 10. Em contraste, a China figura apenas na 104ª posição global, com uma pontuação de 5,05 nesse mesmo critério. 1
Essa disparidade é reflexo direto de suas trajetórias históricas distintas. Hong Kong foi uma colônia britânica até 1997, desenvolvendo-se sob um sistema jurídico estável, um mercado altamente liberalizado e forte proteção à propriedade privada. Esse legado permitiu à cidade prosperar como um dos ambientes econômicos mais livres do mundo. Já a China continental, sob o domínio de um regime comunista centralizador, manteve por décadas uma economia planificada, com forte intervenção estatal e limitações significativas à livre iniciativa. Apesar de reformas econômicas nas últimas décadas, o país ainda mantém um alto grau de controle sobre o mercado — especialmente no que diz respeito à liberdade trabalhista, empresarial e civil.
Essas origens divergentes explicam por que, mesmo fazendo parte do mesmo território nacional, Hong Kong e China continental apresentam níveis tão contrastantes de liberdade econômica. E os efeitos dessa diferença vão além da economia: Hong Kong figura hoje entre os territórios com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, evidenciando que a liberdade econômica, ao criar um ambiente propício à inovação, à geração de riqueza e ao respeito aos direitos individuais, também contribui decisivamente para o bem-estar da população. A liberdade, portanto, não é apenas um valor econômico, mas uma condição fundamental para o florescimento humano.2
A relação da liberdade e a responsabilidade individual
Assim, é fundamental compreender que a solução para os supostos problemas do capitalismo não reside na ampliação do papel do Estado. A intervenção estatal, por si só, não garante maior bem-estar — e, muitas vezes, pode comprometer liberdades individuais, restringir a eficiência econômica e inibir a responsabilidade pessoal. Ao contrário do que muitos acreditam, não é o controle governamental que promove prosperidade, mas sim um ambiente de liberdade, onde indivíduos possam agir de acordo com seus próprios valores e interesses, gerando desenvolvimento com base na produtividade e na inovação.
O verdadeiro capitalismo não se resume a grandes corporações e lucros exorbitantes. Ele é, essencialmente, um sistema de trocas voluntárias, pautado na liberdade. Mas toda liberdade cobra um preço: a responsabilidade. A transformação que muitos esperam não virá de cima, de um salvador político ou de uma intervenção estatal mágica. Ela começa com quem compra, com quem escolhe, com quem trabalha.
É preciso reconhecer que há responsabilidade individual no cenário que enfrentamos. Se estamos sendo explorados, humilhados por chefes autoritários ou presos em rotinas desumanas, é porque, de certo modo, sustentamos essa lógica. Nossa omissão como consumidores, nossa passividade diante de modelos nocivos, contribui diretamente para perpetuar aquilo que tanto criticamos.
Portanto, antes de apontar o dedo para o “capitalismo opressor”, talvez seja a hora de olharmos com mais atenção para nossas próprias decisões de consumo e para o impacto que elas têm sobre o mundo à nossa volta. Assumir essa responsabilidade não é fácil. Requer esforço, autocrítica e mudança de hábitos. Mas é o primeiro passo para construir um mercado mais justo, eficiente e humano — sem abrir mão da liberdade que o torna possível.

*As opiniões do autor não representam a posição do Damas de Ferro enquanto instituição.
Notas de Rodapé