“No tempo do Lula, o pobre comia picanha”. A onda de esperança ao redor de que Lula traga a prosperidade de novo para o Brasil é, por definição, reacionária. Mas será que há algum fundo de verdade nisso? O Lula realmente fez as coisas no Brasil ficarem melhores, ou foram mudanças que aconteceram apesar dele? Bem…nisso, os dados são nossos amigos, então vamos dar uma olhada em como cada um dos nossos vizinhos se comportou nesse período: Crescimento do PIB na América do Sul na era Lula:
Fonte: Canal Arco
Quando comparamos o Brasil durante a era Lula com os outros países, podemos ver que todos têm o mesmo comportamento: uma grande crise no começo (crise asiática), um período de ouro no meio (boom das commodities), e uma grande crise no fim (crise 2008). Todos os países na América do Sul cresceram nessa época por motivos internacionais, mas as decisões políticas de cada um determinaram se o país só teve crescimento econômico (mais dinheiro) ou desenvolvimento econômico (mais dinheiro e qualidade de vida para a população).
O boom das commodities, período em que o Brasil e os outros países da América Latina cresceram tanto, foi um momento bem raro na história mundial. Você já deve ter ouvido falar que o país que vende carro e computador ganha mais dinheiro do que o país que vende comida, né? Nessa época do boom, era o contrário! A China estava crescendo absurdamente e precisava de comida, e foi aí que os países da África e da América Latina viram o preço de suas exportações dispararem. O agronegócio brasileiro conseguiu lucrar mais vendendo alimentos(alface, soja, carne,etc.) do que os países europeus conseguiram vender produtos industrializados! Com a crise de 2008 e a desaceleração da China entre 2010 e 2014, os preços de commodities voltaram ao normal(preço de banana), e essa oportunidade de crescermos acabou.
Uruguai e Chile, os modelos de sucesso
Agora vem uma parte interessante: a maioria dos países eram governados por governos de esquerda! A chance perfeita para comparar resultados. Olhando para o Brasil, é possível ver que ele foi um dos que menos cresceu nesse período, ficando na frente apenas do Paraguai. Já o Uruguai sob Mujica enriqueceu reduzindo a desigualdade a níveis europeus, e o Chile sob Bachelet melhorou tanto que alguns passaram a prever que ele seria o primeiro país desenvolvido da América do Sul. Alguns dos nossos vizinhos, como Venezuela e Argentina, aproveitaram muito bem o período, mas não conseguiram manter isso permanente depois que o período passou: a Argentina sofre com forte instabilidade econômica e uma pobreza urbana chegando a 35%, enquanto a Venezuela vive uma das maiores crises humanitárias da história recente, onde a pobreza é tanta que a população não tem nem mais o que comer.
Mas PIB não é tudo, claro. Vamos ver então como é a pobreza e a desigualdade nos países da América do Sul? Abaixo temos uma tabela comparando a desigualdade e as linhas da pobreza de cada país. (Antes a linha da pobreza era só a porcentagem da população vivendo com menos de $1.90 (10.25 reais) por dia, mas como a população mundial está constantemente enriquecendo essa estatística foi ficando obsoleta. Subiram então a linha da pobreza para $3.20 (17.25 reais) por dia, e depois para $5.50(29.75 reais) por dia.
Vemos na tabela que Uruguai e Chile se destacam dos outros países, pois precisamos usar a maior linha de pobreza disponível para sequer encontrar pobreza nestes países. Vamos então ver como eles agiram na era Lula? Como o Presidente Mujica (2010-2015) é muito elogiado pela esquerda brasileira, vamos começar pelo Uruguai. Ele legalizou a maconha no Uruguai e adotou muitos programas sociais parecidos com os do Lula, mas olha como foi diferente: o “plan de integración Socio-Habitacional”, a versão uruguaia do “Minha Casa Minha Vida”, foi financiado por doações de empresas privadas, 87% do salário de Mujica, e com a venda de algumas propriedades estatais que estavam em desuso. Inclusive, Mujica também promoveu uma reforma administrativa baseada no modelo da Nova Zelândia (aquela que cortou radicalmente cargos do governo).
Mujica seguiu a mesma linha do presidente de esquerda na era Lula, Tabaré Vázquez (2005-2010). Vázquez criou vários programas sociais para desenvolvimento social, mas, ao invés de fazer isso via imposto, ele arrecadou dinheiro de investidores internacionais e executou estes programas sociais em parceria com empresas do setor privado (tipo as nossas PPP).
O Chile por sua vez começou a década com problemas. A desigualdade era tão alta quanto no Brasil (gini 0.528) e 30% da população estava abaixo da linha da pobreza (>$5.50). O presidente que assumiu foi Ricardo Lagos (2000-2006), do partido socialista do Chile (o equivalente chileno ao PT). Lagos também fez programas sociais análogos ao Bolsa Família (Chile Solidário) e Minha Casa Minha Vida (Chile Barrio), mas aproveitou o bom período econômico para fazer acordos de livre comércio com a União Européia, EUA, Coréia do Sul, China, Nova Zelândia, Singapura e Brunei, dando resultados permanentes: a desigualdade despencou de 0.528 para 0.473, e a porcentagem de pessoas abaixo da linha da pobreza despencou de 30% para 19% durante seu mandato.
Apesar de tanto o Chile quanto o Uruguai implementarem os mesmos programas que Lula, eles souberam usar esse bom período para desenvolvimento social. A preocupação com os mais pobres também estava lá, mas houve um respeito às contas públicas que permitiu a esses programas dar certo e a manter essas pessoas fora da pobreza mesmo depois que a crise de 2008 acabou com o bom período econômico. Vamos ver agora o porque:
Grau de Investimento
Uma das coisas que mais ajuda no desenvolvimento de um país são investidores externos, ou seja, pessoas, empresas e/ou governos que veem potencial no país e colocam dinheiro nele para lucrar ajudando-o a crescer. Independente disso ser bom ou ruim, é algo que existe e que ajuda muito. Mas, com 195 países no mundo, é difícil para um investidor saber qual país é seguro para investir dinheiro. Por isso, existem 3 grandes empresas que classificam com notas a segurança para investir num país: Standard & Poor’s, Fitch, and Moody’s. Se o seu país tiver notas do chamado “grau de investimento”, vai atrair investidores pelo mundo com facilidade. Caso esteja no “grau especulativo”, eles vão fugir de você como uma praga.
Em crises essas notas fazem a diferença! Dá para ver no primeiro gráfico do capítulo, em que o Uruguai sentiu muito forte a crise asiática (1998-2003). Mas, apesar da crise e da queda do PIB, o grau de investimento do Uruguai deu confiança aos investidores de colocar seu dinheiro lá mesmo assim. Se o Uruguai não tivesse essa confiança, Vázquez e Mujica não teriam como ter feito seus programas sociais, e o Uruguai dificilmente estaria em níveis europeus de qualidade de vida.
Pense nos países como pessoas: meu vizinho pede dinheiro emprestado para reformar a casa dele e não conseguiu me pagar de volta no prazo. Se eu vi ele todo dia trabalhando nessa reforma, eu posso pensar em adiar a cobrança ou emprestar um pouco mais, agora se eu vejo ele todo dia gastando esse dinheiro numa mesa de bar, eu vou querer que ele me pague logo o que me deve e não emprestar de novo.
Vou dar um exemplo comparando Brasil e Nova Zelândia. Ambos arrecadaram dinheiro nos anos 90 com reformas liberais e privatizações, mas, enquanto a Nova Zelândia usou esse dinheiro arrecadado para pagar a dívida deles (caiu de 63% do PIB para 17%), o governo Lula pagou nossa dívida externa pegando empréstimo nos bancos brasileiros (com juros bem maiores, para dar aquela corrupção básica); depois disso, o Brasil paga essa dívida de uma maneira bem criativa: todo ano, ao invés de pagar, a gente se endivida num banco novo para pagar a dívida do antigo. Nossa dívida (e os juros dela) vão subindo ano a ano desde então e estão quase em 100% do PIB. Quando um país trata as contas como o Uruguai ao invés de como o Brasil, sobra dinheiro para mais e melhores programas sociais.
Baseado nesses dados, podemos concluir que o crescimento do Brasil na era Lula realmente aconteceu, mas muito abaixo de nossos vizinhos e sem as políticas certas para fazer com que esse crescimento fosse perene. O brasileiro ficou rico porque a América do Sul estava mais rica, e, quando isso passou, não teve nada que segurasse essa riqueza no seu bolso. Nessa situação é difícil imaginar que um novo governo Lula fará o “pobre comer picanha de novo”, porque não foi ele o responsável por fazer isso da primeira vez.
Texto por Paulo Grego