Não seja fiscal de boas ações, seja útil

Não seja fiscal de boas ações, seja útil

Atualmente vivemos o estado de guerra no Rio Grande do Sul: com aproximadamente 450 de seus municípios afetados por enchentes, a ajuda voluntária está sendo a salvação da população gaúcha, ainda que tenhamos um longo caminho para percorrer. 

A utilidade dos voluntários é incontestável tanto quanto a completa inutilidade dos comentários de quem nada faz. Naquele ditado de “muito ajuda quem não atrapalha”, cobrar de cidadãos que não estão medindo esforços para ajudar como puderem – seja em doações, no transporte delas, na divulgação ou no trabalho voluntário – é incabível. O trabalho voluntário tem sido a mão que desafoga a população gaúcha, de forma por vezes literais.

Os comentários das redes sociais, há muito tempo utilizados para destilar ódio encoberto de críticas construtivas, mostram sua face neste cruel momento. Desde comentários que aconselham, vindos de quem nada faz, como “por que ajudar no transporte ao invés de doar dinheiro?”; “por que doar dinheiro ao invés de bens materiais?”; “por que não doar X ao invés de Y?” até absurdos como “você divulga para se autopromover”; “você quer se gabar pela sua ajuda”; “muito fácil se promover em cima de tragédia”; “fácil para um branco privilegiado ajudar, é o mínimo”; “famoso X não vai se pronunciar?”.

Esses comentários têm origem no conforto de apontar no próximo o defeito que vê em si. Cobro do outro aquilo que não faço, exijo do outro aquilo que não me proponho a entregar. Muito mais eficaz e ÚTIL do que cobrar outro humano é arregaçar as mangas e FAZER. A situação é revoltante, sim, mas ficar parado não é a solução. Pode doar dinheiro? Doe. Pode doar materiais? Doe. Pode dedicar seu tempo ao voluntariado? Dedique. Pode divulgar? Dê voz à pauta. Pode fazer pontes entre quem tem a oferecer e quem precisa receber? Seja o contato entre eles. Não pode fazer nada disso? Dê uma palavra de conforto. Não se dispõe a fazer nada disso? Siga sua vida e deixe os dispostos exercerem seu honroso trabalho.

Existe certa crueldade em acreditar ser superior a outro ser humano ao ponto de, sem qualquer embasamento, se ver na razão de dar ordens sobre o que o outro faz, esta sim é uma ofensa direta à liberdade, além de ser uma nítida forma de egoísmo irracional, dispondo-se a pouco enquanto muito exige de quem faz por boa vontade, e não por qualquer obrigação.

Então ninguém deve ser cobrado? Enquanto indivíduo, não, apenas incentivado a fazer cada vez mais, sem críticas da forma como o faz. Quem deve ser constantemente cobrado é o Estado. É dele a obrigação de fazer o “dinheiro público” – que nada mais é do que a arrecadação de capital produzido por seus contribuintes – sanar questões que acarretam o país. É o seu dinheiro, pagador de impostos, que será gasto pelo Estado em algo, então que seja numa necessidade da população. Aqui, neste caso concreto, não cabe o debate teórico quanto a essa função ser legítima ou não ao Estado; ao menos não no momento de urgência. O fato é que, no Brasil, situações de calamidade pública DEVEM ser sanadas pelo Estado, sendo obrigação dele, e não de qualquer particular sozinho, não dos voluntários que disponibilizam os recursos que têm para ajudarem como podem.

Faça o que pode, cobre quem deve, apoie quem ajuda.


Lorena Mendes

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